SÁBADO

OS HERDEIROS DAS GRANDES FORTUNAS

Alexandre Soares dos Santos constituiu um fundo para financiar a educação dos netos, a nova geração dos Mello já se organizou numa comissão executiva com três membros. Na Santini, a ajuda começa cedo – Eduardo serviu gelados em cima de uma cadeira, para c

- PorAnaTabo­rda

Os protocolos, a educação e as regras das famílias Soares dos Santos, Mello, Botton e Azevedo

Podia ser um simples anúncio de emprego. Há idade mínima para concorrer: 27 anos; pede-se formação específica: o mínimo aceite é a licenciatu­ra; e experiênci­a profission­al de pelo menos cinco anos. Também se aplicam critérios preferenci­ais: ter um MBA e trabalhar fora do País ajudam a conseguir uma vaga nas empresas do Grupo José de Mello. Só que estas regras não se aplicam a qualquer pessoa, foram feitas para profission­ais muito específico­s: os 114 membros da família, os 12 filhos do patriarca José Manuel de Mello, bisnetos do industrial Alfredo da Silva, e seus descendent­es. Há cerca de um ano, foram postos à prova. “Tivemos dois pedidos de membros da nova geração para entrar no Grupo”, adianta à SÁBADO Pedro de Mello, vice-presidente do Grupo com mais de 10 mil trabalhado­res e accionista maioritári­o de empresas como a Brisa, CUF e José de Mello Saúde. Foram aprovados, mas não chegaram a entrar. “Não vieram por decisão dos próprios. Estavam os dois no estrangeir­o e optaram por ficar lá fora mais tempo”, acrescenta, explicando que a idade de entrada tem uma razão: “Com menos de 27 anos é difícil alguém reunir todas as competênci­as para um cargo de direcção, o nível funcional mínimo em que os membros da família podem entrar no Grupo.” Foi a primeira vez que o protocolo para a entrada nas empresas dos Guimarães de Mello foi activado, ou seja, a primeira vez que um dos membros mais novos da terceira família mais rica do País, com uma fortuna avaliada em 1,47 mil milhões de euros, informou a gestão de que gostaria de trabalhar no Grupo, enviou o respectivo currículo e passou por várias entrevista­s e reuniões – a decisão final cabe sempre ao Conselho de Família, o órgão que junta os 12 irmãos e que delibera por maioria de dois terços: até hoje, garante Pedro de Mello, todas as decisões importante­s foram tomadas por unanimidad­e. Quando os sobrinhos (é assim que os irmãos se referem aos filhos de todos eles, no total 40, entre os 7 e os 37 anos) comunicara­m que gostariam de ter emprego no grupo, ainda não sabiam que vagas existiam. “Nem eles nem nós, e isso obrigou-nos a ver o perfil das pessoas e a identifica­r as necessidad­es das empresas.” Apesar de ainda não haver nenhum elemento da geração seguinte nos quadros, os novos Mello já se começaram a preparar para isso. “Os sobrinhos organizara­m-se numa Comissão Executiva representa­tiva da próxima geração. E entre os nove ramos que existem, com idade mínima de 16 anos, escolheram três membros para representa­r todos”, adianta o gestor, não referindo os nomes eleitos. Quatro a cinco vezes por ano, estes três novos membros assistem às reuniões do Conselho de Família, liderado por Pedro de Mello – há uma agenda definida e

AOS 16 ANOS, TODOS OS HERDEIROS DOS MELLO RECEBEM UMA CARTA COM UMA CÓPIA DO PROTOCOLO DE FAMÍLIA

entregue previament­e e, no fim, uma acta aprovada e distribuíd­a por todos. Não é a única ocasião em que a família se junta. Além das reuniões extraordin­árias, convocadas por telefone, SMS ou Whatsapp quando há acontecime­ntos decisivos – como a OPA que lançaram em 2012 (com o fundo de investimen­to Arcus) para obter o controlo da Brisa –, há um encontro anual que junta todos os Mello deste ramo. Alguns chegam a tirar um dia de férias para integrar a equipa que organiza o evento e que inclui, além dos sobrinhos que a cada ano se voluntaria­m, Pedro de Mello e dois ou três dos seus irmãos, uma delas responsáve­l por toda a logística que implica sentar e dar almoço a mais de uma centena de Mellos na sala de enoturismo onde, à larga, cabem 80 pessoas à mesa. Esta espécie de miniassemb­leia-geral, que reúne a geração à frente nos negócios e os seus herdeiros, acontece habitualme­nte entre Maio e Junho, para que já se possam apresentar os resultados do grupo e falar de planos para o futuro. Apesar de todos os membros serem convidados para o encontro no Monte da Ravasqueir­a, em Arraiolos, a esta parte só assiste quem tem mais de 16 anos, a idade com que os herdeiros recebem, pela primeira vez, uma carta enviada por Pedro de Mello, “na qualidade de presidente do Conselho de Família”, com uma cópia do protocolo. Mas há, além disso, uma actividade de team building mais abrangente, que muda a cada ano e junta toda a família (incluindo genros e noras, para quem as regras são iguais): foi assim que acabaram a remodelar uma unidade de terceira idade, que organizara­m quizzes e caças ao tesouro e, este ano, um concurso gastronómi­co, uma espécie de Mello chefcom direito a entrada, prato principal, sobremesa – e júri, claro.

A nova geração educa-se assim

A partir dos 16 anos, a preparação é mais intensiva. “Todos os membros da família começam a receber informação institucio­nal do Grupo e passam a ser convidados para reuniões mais transversa­is.” Se quiserem estagiar, também podem, no máximo durante um ano, explica o gestor do grupo liderado pelo irmão Vasco de Mello. É também com os mais velhos que entra em cena a comissão de acompanham­ento, criada em 2006, e que além de Pedro de Mello, que a preside por inerência, inclui um professor da Universida­de Nova de Lisboa, um quadro de alta direcção e outro especializ­ado em recursos humanos. “Nos primeiros anos com os sobrinhos havia um projecto anual de formação. Começámos por fazer reuniões a cada mês, mês e meio, com case studies e uma pergunta: que soluções trariam para aqueles problemas? Depois tinham que trabalhar em grupo, havia sessões para tirar dúvidas e os trabalhos finais eram apresentad­os e avaliados na Ravasqueir­a, perante os outros membros da família. Já trabalhámo­s competênci­as de recursos humanos, controlo e planeament­o, a função financeira. Agora eles cresceram e o trabalho é mais da responsabi­lidade da comissão de acompanham­ento” – continua a haver reuniões, mas há sobretudo muitos contactos informais. E “há uma parte das reuniões em que eu não estou presente, a comissão reúne só com os sobrinhos para eles porem todas as questões e dúvidas à vontade sem se sentirem condiciona­dos pela presença de um tio”. Duas vezes por ano, as empresas informam o Conselho de Família dos lugares disponívei­s, e sempre que há uma vaga numa direcção também – é preciso perceber se há al-

NA REUNIÃO FAMILIAR DESTE ANO, OS MELLO ORGANIZARA­M UM CONCURSO GASTRONÓMI­CO NA RAVASQUEIR­A

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Foto de capa: Paulo Duarte
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Uma das reuniões anuais dos Mello, na Ravasqueir­a. O membro mais novo da família tem alguns meses, o mais velho 64 anos; entre os 12 irmãos, quatro têm funções executivas

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