A DONA ERMELINDA QUE SE CHAMA LEONOR
A CASA ERMELINDA DE FREITAS TEM 900 PRÉMIOS E UMA PRODUÇÃO ANUAL DE 12 MILHÕES DE LITROS. LEONOR DEIXOU UMA CARREIRA NA SAÚDE PARA REVOLUCIONAR UMA REGIÃO
A viragem na história de uma simples adega de produção de vinho a granel começa com um Clio vermelho, de dois lugares, sem ar condicionado, a caminho de Bordéus. Foram mais de 1.200 km feitos por Leonor Freitas e pelo marido para irem à maior feira de vinho de França. Formada em Serviço Social, com dois filhos e uma carreira de 20 anos, não lhe passava pela cabeça tornar-se uma das maiores produtoras de vinho da região – com 17 milhões de euros de facturação. Mas quando chegou a Bordéus, algo mudou. Já não queria apenas manter as vinhas dos pais – que geria para ajudar a mãe depois da morte precoce do pai –, começou a pensar noutras oportunidades. “Como eu não tinha marcas, diziam-me que aquela feira não era para mim. Quando lá cheguei fiquei espantada com a forma como tratavam o vinho. Tinham poucos hectares e faziam tanto, senti que não estava a dignificar bem o que tinha. Foi também lá que conheci o meu enólogo [Jaime Quendera]”, conta à SÁBADO. Quando regressou decidiu criar a primeira marca – Terras de Pó, em 1997. Mas ver uma mulher à frente de uma adega era inédito. Leonor chegou a ter um fornecedor que se recusava a negociar com mulheres. Com o passar do tempo ele começou a respeitá-la. Outra viragem no percurso da Casa Ermelinda de Freitas, hoje com 900 prémios, foi em 2002, quando lhe sobrou vinho. “Nesse ano houve uma grande produção e as pessoas a quem vendia vinho a granel já não o queriam. É aí que dou o grande salto. A dificuldade foi uma oportunidade. Fiquei dois dias a pensar no que fazer. Então, resolvo criar o bag in box, mais marcas e vamos para a frente. Nasce o M. J. Freitas, assim meio envergonhada e assustada, mas a dizer ao meu enólogo: ‘Quero um vinho muito bom.’” Hoje tem 29 castas, 440 hectares de vinha e está em todas as grandes superfícies. Até cria marcas específicas para elas, como a Vinha do Rosário (Lidl), Vinha do
Torrão (Pingo Doce) e Vinha da Valentina (Continente). Mas o grande vinho da casa é o Dona Ermelinda – em homenagem à mãe de Leonor, que só queria que ela estudasse e tivesse uma vida melhor, longe do campo. “Toda a gente me chama Ermelinda, não me importo nada. O rosto era meu, mas eu só tinha vindo para a ajudar.” A produtora recorda como a mãe ficava preocupada com as mudanças que implementou, como as novas castas. “Foi uma luta difícil, os meus colaboradores não acreditavam e iam dizer à minha mãe: ‘A sua filha só anda a estragar dinheiro.’ Ninguém pensou que eu ia ter sucesso.” Até a mãe lhe dizia que a ideia de vender “garrafinhas” dava muito mais trabalho. Os prémios começaram logo no primeiro ano de produção de Terras de Pó. A chave do sucesso: “Ser honesto: qualidade-preço. O consumidor tem-me sido muito fiel e faço os melhores vinhos ao melhor preço. Foi essa a minha aposta.” Em 2009, recebeu um telefonema que não esperava. “Passaram o dia inteiro para me convidar, estava sempre a trabalhar e ao telefone, só ao fim do dia é que percebi que me queriam dar a Ordem de Mérito Agrícola, Comercial e Industrial. Nunca imaginei que isso fosse possível”, conta. A Casa Ermelinda de Freitas já tem a nova geração a trabalhar, os filhos da produtora: Joana e João. Mas Leonor está longe de se reformar: “Gosto muito de criar, inovar. Se me saísse o Euromilhões, ia comprar mais vinhas e fazer uma adega muito bonita e pagar melhor aos meus funcionários.”