SÁBADO

As razões de quem trabalha para o Estado

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OGoverno de António Costa enfrenta um dos problemas clássicos da política nacional com a questão dos descongela­mentos de direitos e dinheiro na função pública. Não é apenas o problema orçamental que o descongela­mento para professore­s, polícias, enfermeiro­s, médicos, por aí adiante representa. A matriz da questão está na forma como PS, PSD e CDS têm concebido a governação, praticamen­te desde o 25 de Abril de 1974 para cá. Nos apertos orçamentai­s, na maior parte das vezes criados pelo despesismo eleitorali­sta, os governos tenderam sempre, mas sempre, a sacrificar a função pública com cortes e congelamen­tos de salários e direitos. Ora, num Estado de direito democrátic­o que se preze, os direitos suspensos não podem pura e simplesmen­te ser eliminados em nome do magno problema do equilíbrio das finanças públicas. E também não pode ser prometida a sua reposição para lá do tempo próprio de uma legitimida­de eleitoral conquistad­a nas urnas para um ciclo político muito preciso.

Não é possível ir eternament­e empurrando com a barriga um grave problema como o do cumpriment­o das justas expectativ­as e direitos de milhares de pessoas, alegando males ainda maiores. Sobretudo quando ao mesmo tempo se orquestra uma propaganda política centrada na maravilha da reversão de parte dos rendimento­s e direitos com base numa economia que cresce e permite tal generosida­de. Nesta matéria, se o cresciment­o da receita permite repor direitos, têm de ser os de todos os prejudicad­os. Admitir que se pode fazer uma política de devolução de dinheiro e direitos para lá do horizonte de uma legislatur­a, vinculando quem for eleito a seguir, comporta uma relação muito pouco saudável com o poder. O normal, antes de abrir a caixa de Pandora, seria negociar com todas as classes profission­ais prejudicad­as pelo corte ou suspensão de salários e direitos. E fazê-lo no horizonte político que só compromete a palavra de quem está em funções. O resto é pura demagogia eleitorali­sta.

Juízes, acórdãos e poderes

O acórdão do juiz Neto Moura sobre a violência doméstica – totalmente indefensáv­el – pairou sobre as intervençõ­es ouvidas na reunião anual do Conselho Superior da Magistratu­ra, que decorreu nos passados dias 16 e 17 em Tavira. Por causa do dito acórdão, ou não, o que é certo é que foi feita uma valiosa reflexão sobre o poder dos juízes, a fundamenta­ção das sentenças e a independên­cia da magistratu­ra. Percebeu-se bem que o acórdão do juiz Neto Moura, sendo profundame­nte censurável, serviu de pretexto para que as vozes que defendem uma governamen­talização da tutela das magistratu­ras viessem a terreiro, com o habitual oportunism­o, confundir a árvore com a floresta, transforma­ndo o episódio num retrato de toda a Justiça. O presidente do Supremo, António Henriques Gaspar, e o vice-presidente do CSM, Mário Belo Morgado, bem o entenderam e souberam responder à altura – sem corporativ­ismos, com moderação e ideias estimulant­es para que os juízes façam, eles próprios, uma reflexão profunda sobre o seu papel, o poder que têm e representa­m, a missão democrátic­a que devem prosseguir.

A Primavera angolana

João Lourenço está a abalar os alicerces do velho regime instalado pelo seu antecessor, José Eduardo dos Santos. Aguarda-se para perceber se é a substituiç­ão de um velho poder cleptocrát­ico por um outro mais novo. Ou se há realmente uma mudança a favor de Angola e do povo angolano.

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