Silêncio na era do ruído
Acordo, ligo o computador e concluo que a pena de morte afinal vigora
no meu país. E em todos os outros países onde há Internet. Neste bairro e em bairros longínquos, existem cada vez mais julgamentos na praça pública e assassinatos de carácter. Em poucos caracteres. Hoje, logo pela matina, após o duche, trinca-se a torrada e pergunta-se à mesa do pequenoalmoço, naqueles três segundos em que o smartphone está a descansar no mármore do tampo da mesa: “Quem é que vai ser assassinado hoje?” Fazem-se apostas em família, que normalmente falham. Há sempre um nome inesperado para atirar para a lama. Tão inesperado que nem sequer o conhecíamos. Passamos a conhecê-lo, com rapidíssima intimidade, apoiados nas sinopses da Wikipédia e do jornalismo, escrito e televisivo, que as reproduz.
Não sei o que se passa com o leitor. Hoje é o dia de me confessar esgotado com tanta sentença imediata, contraditória com qualquer ideia de Justiça – que exige um distanciamento, tornado impossível. Com uma fadiga própria de sala de espera de consultório, peço, como quem pede um café pingado, um pouco de silêncio nesta era do ruído, para citar o título de um livro do norueguês Erling Kagge, explorador, escritor e editor. Obra recém-chegada às livrarias, nesta barafunda pré-natalícia.