SÁBADO

Limoncello

-

Na minha mesinha-de-cabeceira tenho uma fotografia da Toscana, comprada em 1998

numa loja com as cores de um passado longínquo, rural, mais feliz, na Piazza del Duomo de San Gimignano delle belle Torri (há nome mais belo?), sobrenome por que é conhecido o coração da pequena comuna na província de Siena. A foto é simples como qualquer coisa importante: um manto breve de trigo, no lugar do recorte de ciprestes e de verde-musgo, enquadrado por uma mancha de céu azul como o tecto de um recém-nascido onde as estrelas se vêem de dia. Foi da segunda vez que fui a Itália com a minha mulher, após a lua-de-mel (há nome mais doce?) em Camogli, enseada de pescadores, onde jantávamos todos os dias debruçados sobre o mar da Ligúria, as ondas batendo nas abas dos casacos, ao som de cálices de limoncello, num jogo de damas (e cavalheiro) que durou nove dias mas parece ontem. A areia era negra como uma maternidad­e de ardósias, contrarian­do a alvura dos anos seguintes, quando começámos pela cúpula da catedral de São Pedro, flutuando até às locandas toscanas, das compotas reguilas e das setas anelando as árvores, das sonecas e do pesto, da vida feita passeio de bicicleta. No canto oposto da minha casa nos Anjos (há nome mais abençoado?), um limoeiro, cheio de olhos amarelos, vela por nós. Entre a terra próxima, banhada pelos rios subterrâne­os de Lisboa, e a terra distante, das imensas encostas e dos doges, há uma ligação à Natureza que sustém o meu precário equilíbrio. Vivo assim pelo sonho de um panforte de Siena, à sombra de uma copa de topázios.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal