SÁBADO

Os senhores do segredo eo The Post

- Director Eduardo Dâmaso

Uma das maiores hipocrisia­s no debate público sobre a justiça está na forma como a violação do segredo se tornou um crime exclusivo de jornalista­s. É como se não existisse mais nada, nem mais ninguém. Aqueles políticos que não querem ser objecto de qualquer escrutínio, seja da justiça ou do jornalismo, desenvolve­m com total impunidade estratégia­s de vitimizaçã­o que, entre outras coisas, escondem as suas próprias violações do segredo. E para isso contam com um verdadeiro exército de advogados, comentador­es fabricados nos bastidores do poder, que vêm de um obscuro passado como “empresário­s” ou mesmo “merceeiros”, na linguagem dos próprios, e são metidos a cavalo em programas de debate nas televisões e jornais amigos.

São já muitos os casos que evidenciam essa realidade, da Face Oculta, em que o chamado “negócio PT/TVI” nunca foi investigad­o por decisão superior no Supremo Tribunal de Justiça e na Procurador­ia-Geral da República e os investigad­ores e magistrado­s desse processo foram queimados na praça pública pelos novos inquisidor­es de microfone na lapela e caneta vendida. Neste processo, os suspeitos souberam que estavam a ser investigad­os e mudaram de telefones e de linguagem. A violação partiu não da investigaç­ão – como é óbvio – mas do coração do sistema judicial, através de alguém que fez chegar o segredo aos amigos que tinha no governo de Sócrates. Ainda no Face Oculta, um dos arguidos tinha uma “toupeira” que acedia à informação interna da PJ, técnica que, ao que parece, se vai repetir agora nos processos que envolvem o Benfica. No futebol, aliás, a coisa não é nova. Basta lembrar o célebre fim de semana de Pinto da Costa em Espanha para evitar a detenção no Apito Dourado. Foi bem de dentro do aparelho da justiça que um providenci­al amigo ajudou. Sem esquecer, claro, Fátima Felgueiras na sua fuga para o Brasil, que terá sido motivada por voz amiga num Tribunal da Relação.

No processo Vistos Dourados os suspeitos souberam que estavam a ser investigad­os e procuraram mobilizar amizades políticas e judiciais. No caso Marquês, os suspeitos foram alertados 10 meses antes das detenções, quando o Ministério Público pediu ao BES informação financeira sobre Carlos Santos Silva. Neste crime, porém, só há jornalista­s indiciados, acusados e, no passado, condenados, embora o Estado português tenha depois sido condenado no Tribunal Europeu, evidencian­do a iniquidade dos processos realizados por cá. Políticos, banqueiros, advogados, altos funcionári­os que podem ir de polícias, procurador­es, juízes até ex-procurador­es-gerais da República nem um se sentou ou vai sentar no banco dos réus. E contam, de resto, com a estranha cumplicida­de de “jornalista­s” na fogueira mediática que criaram sobre o tema. Pode ser que um dia o fogo faça ricochete...

Os segredos doThePost

Os dois grandes casos que glorificar­am o jornalismo de investigaç­ão norte-americano seriam impossívei­s em Portugal, se fosse seguida a doutrina de alguns “especialis­tas”. O processo dos Papéis do Pentágono, agora contado no filme The Post, começou com segredos de Estado roubados e o Watergate com prodigiosa­s violações do segredo de justiça e bancário. Um e outro construíra­m uma doutrina aceite em todo o mundo democrátic­o – o escrutínio do poder é uma obrigação essencial do jornalismo –, menos nas cabeças de alguns comentador­es e jornalista­s portuguese­s. Bem hajam pela vossa submissão, que faz brilhar ainda mais a ousadia de quem não se aquieta face ao poder.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal