Cem anos que mudaram o mundo
Foi o século das mais aterradoras guerras – e dos mais extraordinários avanços científicos. Os cinco livros que vamos oferecer com a SÁBADO permitem entender a importância de um período tão complexo que ainda influencia o tempo em que vivemos
O século de Picasso e de Pelé, das rupturas estéticas ao ponto de poucos entenderem a Arte, do esplendor do futebol como desporto universal. Um tempo vertiginoso, que a Time retrata em cinco livros que vão ser oferecidos, numa edição portuguesa, a partir da próxima semana, com a SÁBADO. A revista norte-americana que é logo reconhecida pelo grafismo da capa, com a sua cercadura a vermelho, apresenta nesta História do Século XXTIME os grandes acontecimentos e o quotidiano de cada época, os vultos em destaque e as frases que ficaram célebres, as datas-chave e as imagens que se tornaram ícones, os antecedentes e as consequências, as inovações e as tendências, mesmo os aspectos que costumam ser esquecidos – no fundo, a evolução da sociedade.
Cem anos? Parecem mil! Um sécu- lo onde cabem o Mein Kampfde Adolf Hitler e a Longa Marcha de Mao Tsé-Tung, o frigorífico e a Internet, a Psicanálise de Freud e a Teoria da Relatividade de Einstein, o voo pioneiro dos Irmãos Wright e a “aldeia global” de Marshall McLuhan, o Titanic a afundar-se no Atlântico e a Apolo 11 a pousar na Lua, os Prémios Nobel e o Rock ‘n’ Roll, Lenine embalsamado e Churchill a discursar, a Lei Seca que enriqueceu gangsters e o Caso Watergate onde a força da Imprensa levou à demissão de um Presidente dos Estados Unidos, os The Beatles e Che Guevara, a independência das colónias europeias na Ásia e em África e os choques petrolíferos provocados pela OPEP, a simples esferográfica e o poderoso radar. E também a Guerra Civil de Espanha e a Guerra da Argélia, a arquitectura da Ópera de Sydney e os
poemas cantados por Bob Dylan, o estadista francês Charles De Gaulle a ser contestado pelos universitários do Maio de 68 e Josip Broz Tito a afirmar um independente e autogestionário Comunismo Jugoslavo, o apartheid na África do Sul e o Concílio Vaticano II, a feminista Simone de Beauvoir e a sex symbol Marilyn Monroe, os semáforos do trânsito e as lentes de contacto, o telescópio espacial Hubble e a ovelha clonada Dolly, o líder religioso xiita aiatola Khomeini e a missionária católica Madre Teresa de Calcutá, a pintura surrealista e os óculos para ver o cinema em 3D. Ainda a abertura à navegação do Canal do Panamá e a geoestratégica crise do Canal do Suez, o sionista Ben-Gurion a criar o Estado de Israel e o explorador Roald Amundsen a implantar a bandeira norueguesa no Pólo Sul, as palavras cruzadas e os bebés-proveta, o pacifismo de Mahatma Gandhi e a guerrilha de Ho Chi Minh, a trompete de Louis Armstrong e “A Voz” que se identifica como Frank Sinatra, a era do plástico e a poluição dos oceanos, os desenhos animados de Walt Disney e o software de Bill Gates, o economista John Maynard Keynes e o filósofo Ludwig Wittgenstein.
Uma etapa da Humanidade cheia de contrastes: a cidadania impôs-se como uma evidência mas massacraram-se milhões de pessoas; surgiram novas ideologias e a respectiva refutação; factos que pareciam consumados acabaram por se desfazer de surpresa; invenções maravilhosas que afinal eram perigosas; a apologia da liberdade universal e o apoio a ditaduras sanguinárias.
A revista que sempre elaborou listas faz escolhas do essencial, elucida com caricaturas da época ou com
infografias actuais, ilustra com fotos que parecem comprovar a ancestral expressão do filósofo chinês Confúcio, de que “uma imagem vale mais do que mil palavras”, mostra primeiras páginas de jornais de vários países a noticiarem um mesmo acontecimento crucial. E reproduz algumas das suas capas: com o ex-imperador alemão Guilherme II que está no exílio ou com o famoso agente secreto britânico e escritor Lawrence da Arábia (T. E. Lawrence) que ajudou a formar um exército para a libertação árabe do domínio turco, com a mútua desconfiança de Nixon e Brejnev em torno da “coexistência pacífica” ou com a “Revolução de Gorbachev”, sobre os mistérios da hereditariedade ou o perigo dos resíduos tóxicos – e o exemplar em que, perante os avanços da Astronomia, sobre uma imagem de parte da Terra e do universo envolvente, se fez o título: Is Anybody Out There?
Assim, torna-se mais fácil entender essa centúria tão complexa, a da emergência da opinião pública e do consumo de massas, da semana de trabalho e das férias pagas, da emancipação da mulher e dos direitos das minorias, da importância da juventude e das grandes manifestações, do amor livre dos hippies e dos grupos de terrorismo urbano, das botas dos invasores e das medalhas olímpicas. O primeiro livro, Século XX– Ano a Ano, é uma criteriosa cronologia com o fundamental deste tempo de extremos. Seguem-se três períodos determinantes num século que, no entender de alguns autores, começou em 1914, com o deflagrar da I Guerra Mundial, e terminou em 1989, com a Queda do Muro de Berlim.
Da Grande Guerra à Grande Depressão incide na fase que vai do assassinato do arquiduque Francisco Fernando até às consequências do crash de Wall Street, passando pelos horrores do sangrento conflito nos desenhos de Otto Dix e pela adaptação radiofónica da Guerra dos Mundos de Orson Welles, pelos loucos e despreocupados Anos Vinte que os escritores americanos da Geração Perdida passaram numa Paris “sempre em festa” e pela posterior Era do Swing com as grandes orquestras de Duke Ellington e de Glenn Miller a actuarem nos novos clubes de Nova Iorque, pela pobreza em que de súbito ficou grande parte da população americana e pela resposta governamental de Roosevelt com o programa New Deal. A Segunda Guerra Mundial, com as suas múltiplas facetas – do blitzkrieg alemão ao cogumelo atómico de Nagasáqui, da Batalha de Inglaterra ao Cerco de Leninegrado, do ataque japonês a Pearl Harbour aos campos de concentração e de extermínio de Buchenwald ou de Auschwitz, do impressionante teste-
munho contemporâneo que é O
Diário de Anne Frank ao cartaz de Howard Miller com Rosie the Riveter a apelar às americanas para irem trabalhar nas fábricas de armamento (We Can Do It!), do Dia D para o desembarque na Normandia à Conferência de Ialta que traçou um novo mapa para o Velho Continente –, justifica um tomo inteiro desta História do Século XXTIME.
O quarto número é A Guerra Fria, esse confronto entre o mundo capitalista e o mundo comunista, simbolicamente separados pelo Muro de Berlim e pelo paralelo 38 (que divide, ainda hoje, Coreia do Norte e Coreia do Sul), com destaque para a Guerra do Vietname e a Invasão da Checoslováquia, o Plano Marshall e o Sindicato Solidariedade, os espiões britânicos que trabalhavam para o Kremlin e os dissidentes soviéticos que fugiam para Paris, a propaganda da superioridade de Washignton ou de Moscovo na corrida espacial.
A encerrar, o mais fascinante panorama de O Século da Ciência , em que se atingiram patamares do saber e se inventaram máquinas antes inimagináveis, se descobriu a penicilina e a estrutura do ADN, se ficou a conhecer o subconsciente do indivíduo e a teoria do Big Bang, se construiu o automóvel eléctrico e se popularizou o videojogo Tetris, se percebeu a existência dos “buracos negros” no Cosmos e se iniciou a Revolução Verde na agricultura, se começou a decifrar o mapa genético e se enviou a Pionier 11 para lá de Saturno. Esta colecção da História do Século XX TIME insere textos tão diversos como a reportagem do correspondente de guerra (e, depois, o escritor de Vida e Destino) Vassili Grossman sobre O Inferno de Treblinka ou o artigo de Stephen Hawking Breve História da Relatividade, entrevistas de Cornelius Vanderbilt Jr. com o mafioso Al Capone ou de Tom Driberg com o líder soviético Nikita Kruschev. Mas também dá voz a figuras secundárias, do soldado inglês Henry Lamin, que ganhou fama póstuma quando o neto abriu um blogue para publicar as suas “Cartas das Trincheiras” enviadas à família, até à secretária pessoal de Hitler, Christa Schroeder, que alegava ignorar os crimes do patrão. E cada volume termina com a indicação de obras de referência para quem quiser aprofundar determinado tema, seja A Grande Guerra (Marc Ferro) ou A Guerra Fria (John Lewis Gaddis), A Crise Económica de 1929 (John K. Galbraith) ou Eichmann em Jerusalém – Um Relato Sobre a Banalidade do Mal (Hannah Arendt), A Lógica da Pesquisa Científica (Karl Popper) ou Cosmos (Carl Sagan). Mas também propõe bibliografia e filmografia de ficção, com títulos inspirados em factos ou em ambientes, como os livros O Valente Soldado Švejk (Jaroslav Hasek), A Viagem ao Fim da Noite (Louis-Ferdinand Céline), Se Isto É Um Homem (Primo Levi) ou os filmes As Vinhas da Ira (John Ford), Bonnie and Clyde (Arthur Penn), A Ponte Sobre o Rio Kway (David Lean), A Cortina Rasgada (Alfred Hitchcock), 2001, Odisseia no Espaço (Stanley Kubrick). Nesta História do Século XXTIME até se fica a saber, por exemplo, que uma índia americana a ser pulverizada com DDT – depois de o insecticida ter sido usado para matar as pragas de piolhos que transmitiam o tifo entre os soldados da Segunda Guerra Mundial – era uma medida para se exterminar a malária. Ou que os U2, antes de serem a banda rock dos irlandeses Bono e The Edge, eram os aviões-espiões americanos, que ganharam fama quando um deles foi abatido pelos soviéticos nos Urais – e um desses aparelhos de reconhecimento fotografou a instalação dos mísseis nucleares russos em Cuba.
Afinal, sem se conhecer este passado recente dificilmente se percebe o tempo em que agora vivemos.