SÁBADO

Ângela Marques

- Ângela Marques Jornalista

Na linha 3, e motor ligado, ele parecia-me um autocarro com um destino traçado – o sambódromo.

Era isso, sem erro: no forro dos bancos daquele Expresso havia mais Unidos da Tijuca que na passarela da Marquês de Sapucaí. E eu devia ter percebido logo ali que aquele autocarro não ia terminar no meu destino. Ele estava apostado em ir longe demais. Olhei para cima: Pampilhosa da Serra. Como numa visita de estudo, seis senhoras com cara de desconto sénior ocuparam entusiasma­das os lugares da frente do autocarro. Lembrei-me dos meus anos de últimas filas, da dança que aquilo era, daquela sensação de transgress­ão e da grande mentira (tudo podia acontecer e nada acontecia realmente) – olhei para as senhoras e quis piscar-lhes o olho. Contive-me, pus o cinto. Ainda não tínhamos saído da estação e eu já sabia o nome de todas, o que planeavam fazer quando chegassem a Pampilhosa da Serra e qual delas achava “uma certa graça” ao motorista. Devo ter corado porque do meu companheir­o de banco recebi um sorriso cúmplice. Estávamos no mesmo barco, pareceu dizer-me, ignorando o facto de estarmos um autocarro que, afinal, até parecia um trio eléctrico. Do nada, percebi que o motorista já tinha percebido tudo. Mais novo que elas, tinha quilómetro­s de visitas de estudo destas nas pernas. Brincou com o ar, brincou com elas, brincou com tudo. Do alto do meu cinismo, achei o quadro um pouco adolescent­e demais. Irritei-me, até, quando, feliz, o motorista usou o microfone para fazer graças. A chegar ao meu destino, achei que ia respirar de alívio. Desci do autocarro e vi-o seguir caminho. Quando desfez a curva pensei, no entanto: “Porque é que nunca fui a Pampilhosa da Serra?”

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