SÁBADO

Isto é um grande contribuin­te

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COMO TODAS AS BOAS HISTÓRIAS QUE POVOAM O NOSSO IMAGINÁRIO INFANTIL,

esta também começa por “era uma vez”. Como personagem principal tem um pequeno contribuin­te, que um dia passou numa daquelas portagens ditas sem custo para o utilizador. No princípio era assim, mas depois passou a ter custos, ficando o ano para criar a ilusão de que não tem. Mas tem. Os possuidore­s de Via Verde não dão por ele, é mais uma despesa que cai na conta bancária. Quem não tem tal valência instalada, é confrontad­o com a factura uns meses mais tarde, através da clássica carta.

A nossa personagem principal, um tipo meio distraído, borrifou-se para a primeira. A terceira, porém, já vinha com um remetente diferente: Autoridade Tributária. À primeira, pensou tratar-se de mais um IUC ou IMI para pagar, mas não. Parece que o Fisco ainda trabalha como “cobrador do fraque” para as empresas que exploram as tais estradas que não deveriam ter custos para o utilizador. A cartinha era clara: o contribuin­te tinha uma dívida e seria dado início a um processo de execução fiscal.

Com uma segunda carta a aterrar no banco, dando conta da ordem de penhora a parte do ordenado, o melhor que o pequeno contribuin­te fez foi pagar a portagem, mais a taxa administra­tiva e a coima. O que fez num acto de cidadania, pensando que, finalmente, a Administra­ção Fiscal estava a actuar de forma eficaz.

Um par de meses depois desta pequena epopeia, o pequeno contribuin­te leu algures nos jornais (até nos de boa qualidade, como gosta o primeiro-ministro, António Costa) que “a Inspecção Tributária e a Unidade dos Grande Contribuin­tes” dão um “contributo modesto” para a receita fiscal. Disse, no início deste ano, o Tribunal de Contas, que “o conjunto das inspecções realizadas pelo Fisco permitiram ao Estado um encaixe de 485 milhões de euros em 2016, um valor que representa apenas 1,5% do total de impostos arrecadado­s no País nesse ano”. O pequeno contribuin­te estranhou, dado que no caso, pequeníssi­mo, tudo foi rápido e eficaz. As notícias diziam ainda que a tal Unidade dos Grandes Contribuin­tes – veja-se que os grandes são tão especiais que até mereceram a criação de uma Unidade – também é “ineficaz” nas inspecções que faz. Em resumo, parece que o Fisco nem uma portagem numa SCUT consegue cobrar a um grande contribuin­te.

Ser grande não só traz privilégio­s ao nível da fiscalizaç­ão, como também do próprio regime fiscal, que parece alheado do E-Fatura aplicado ao pequeno contribuin­te. Neste caso, o programinh­a informátic­o faz as contas a todo o tipo de despesas, categoriza-as e até, no caso de alguns medicament­os, exige a receita médica.

Já este mês o pequeno contribuin­te ficou a saber que um dos grandes, a EDP, registou, em 2017, mais de 1.000 milhões de euros em lucros. Percebe-se. A luz está cara. Daquele montante, o grande contribuin­te EDP pagou 0,7% de IRC, qualquer coisa como 10 milhões de euros. Ora, o pequeno contribuin­te ainda andou à procura de explicaçõe­s: talvez as Finanças, devido às cativações, tivessem ficado sem toner para imprimir a cobrança de uma portagem ao António Mexia. Mas, parece que não é bem assim. Chamado a explicar a situação a todos os pequenos contribuin­tes, um secretário de Estado foi ao parlamento dizer que não podia dizer nada. Coitada da pobre alminha, pensou o pequeno contribuin­te, de tão habituado que está apenas a notificar execuções fiscais por falta de pagamento de portagem, não foi capaz de explicar como é que alguém que lucra mais de 1.000 milhões paga somente 0,7%. O pequeno contribuin­te quer ser grande. Não para pagar mais, mas para ter direito a ser deixado em paz pela Administra­ção Fiscal.

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