Terrorismo
O Ministério Público acusou Abdesselam Tazi de aliciar três compatriotas para o Estado Islâmico e de financiar actividades terroristas. O marroquino, preso há um ano em Monsanto, diz que está inocente.
Marroquino recrutava para o Estado Islâmico
Éum caso inédito na justiça portuguesa. Pela primeira vez, o Ministério Público acusou uma pessoa – o marroquino Abdesselam Tazi, 64 anos, detido no Estabelecimento Prisional de Monsanto – de pertencer ao autoproclamado Estado Islâmico (EI). De acordo com a acusação deduzida pelo Departamento Central de Investigação Penal (DCIAP), a que a SÁBADO teve acesso, Abdesselam Tazi não só aderiu ao grupo terrorista como recrutou outros marroquinos exilados em Portugal para a causa jihadista. Desde a passada quinta-feira, 22, que está acusado de oito crimes: um de adesão a organização terrorista internacional; um de falsificação com vista ao terrorismo; quatro de uso de documento falso com vista ao financiamento do terrorismo; um de recrutamento para terrorismo; e um de financiamento do terrorismo.
O MARROQUINO PEDIU PARA PRESTAR DECLARAÇÕES NAS ÚLTIMAS SEMANAS
OMP GARANTE QUE TAZI SE APRESENTAVA EM PÚBLICO COM UMA POSTURA FUNDAMENTALISTA
Abdesselam Tazi, que desde Maio de 2017 se corresponde com a SÁBADO, nega todas as acusações relacionadas com o terrorismo e admite apenas a utilização fraudulenta de cartões de crédito. E depois de ficar em silêncio no primeiro interrogatório judicial, a conselho da advogada oficiosa que então o representava, acabou por prestar declarações uma semana antes de o inquérito ser encerrado. “O meu cliente esclareceu todos os pontos que os investigadores quiseram, mas a verdade não teve tradução na acusação”, diz à
SÁBADO o advogado Lopes Guerreiro. “A acusação é demasiado conclusiva e os factos não terão suporte probatório. Por isso vamos pedir a abertura da instrução”, garante. Para os procuradores do DCIAP, Vítor Magalhães e João Melo, não há dúvidas. “Abdesselam Tazi apresentava-se em público com uma postu- ra fundamentalista, dedicada ao islão, com fortes sinais de radicalismo islâmico e de defesa do salafismo jihadista violento”, lê-se na acusação. Crenças que o levaram a aderir ao EI, organização no interesse da qual passou a agir, “recrutando jovens provenientes de Marrocos para integrarem a luta jihadista na Síria e também nas acções terroristas que o EI determinasse no território da União Europeia”. Acções que seriam financiadas através dos lucros obtidos com a compra e posterior venda de equipamentos electrónicos com cartões de crédito falsificados. Para sustentar a adesão de Abdesselam Tazi ao extremismo islâmico, o MP garante que o marroquino “recorria à pesquisa e estudo de livros e escritos publicados que incitam ao radicalismo islâmico e ao recurso à violência”. Nessa actividade tomou “notas” sobre obras como O Islão e o futuro da Humanidade, A educação Jihadista e a Construção ou Integra a Caravana. Além disso, nos seus documentos foram encontradas referências a pesquisas sobre “líderes espirituais salafistas” e “extremistas” como Abu Mohammad Al Maqdisi (mentor espiritual do fundador da Al-Qaeda no Iraque, Abu Musab al-Zarqawi) ou Ahmad Yassin (fundador do Hamas) e excertos do Corão. Entre estes estavam frases como “Combatei unanimemente os idólatras, tal como eles vos combatem;
e sabei que Deus está com os tementes”; ou “O profeta estimula os fiéis ao combate. Se entre vós houvesse 20 perseverantes, venceriam 200, e se houvesse cem, venceriam mil dos incrédulos, porque estes são insensatos”.
Seduzidos por 1.800 dólares
O marroquino chegou a Portugal a 23 de Setembro de 2013 num voo proveniente da Guiné-Bissau. No aeroporto de Lisboa apresentou um passaporte francês em nome de Pascal Dufour. Ao detectarem a falsificação, os inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras recusaram-lhe a entrada em Portugal – e Abdesselam Tazi pediu o estatuto de refugiado político.
No mesmo voo viajou Hicham el Hanafi, então com 27 anos. Trazia um passaporte marroquino e um cartão de residência romeno, ambos falsos. Também ele pediu asilo em Portugal – para o MP, seguindo “orientações” de Abdesselam Tazi. De acordo com a acusação do DCIAP, Hicham el Hanafi levava uma vida normal em Marrocos. Trabalhava num restaurante italiano, num centro comercial, tinha namoradas, saia à noite, bebia álcool e não discutia religião. Só em 2013, quando começou a conviver com Abdesselam Tazi, passou a receber doutrinação radical sobre islamismo. Deixou de trabalhar e aceitou viajar para a Europa – onde foi doutrinado para integrar o EI. O marroquino detido em Monsanto nega esta versão e garante que não conhecia Hicham El Hanafi antes de chegar a Portugal. Enquanto aguardavam pelo desenrolar dos processos de asilo, os dois homens ficaram no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa. Depois foram transferidos para o Centro de Acolhimento de Refugiados, na Bobadela, onde ficaram até 23 de Novembro desse ano. Daí foram enviados para a Fundação CESDA, em Esgueira, Aveiro. Depois alugaram um quarto na mesma cidade. Apresentaram-se à proprietária como estudantes – e esta disse ao MP que os dois homens pareceramlhe muito religiosos e que estavam sempre a rezar e a falar de Alá. A 16 de Setembro de 2014, receberam autorização de residência até 20 de Outubro de 2019.
Segundo a acusação do DCIAP, Abdesselam Tazi tinha um forte ascendente sobre Hicham El Hanafi. Tanto que em meados de 2014 o convenceu a viajar para a Síria com um amigo, “onde esteve dois meses e recebeu treino militar dado por grupos terroristas”. Aí, diz o MP, “foi instruído pela organização terrorista para regressar à Europa para recrutar novos combatentes e para exercer a jihad, uma vez que falava várias línguas europeias”.
Para os investigadores, desde que foi para Aveiro que a principal actividade de Abdesselam Tazi em Portugal era financiar a vinda de marroquinos para a Europa e obter meios para a causa jihadista. Dava-lhes instruções sobre como pedirem asilo e, uma vez em Portugal, prestava-lhes apoio e convidava-os para irem a sua casa, em Aveiro. Na acusação, o MP identifica três marroquinos cuja viagem foi organizada por
SEGUNDO A ACUSAÇÃO, TAZI FINANCIOU AS ACTIVIDADES TERRORISTAS DE HICHAM EL HANAFI, PRESO EM FRANÇA
Abdesselam Tazi: Mohamed El Hanafi, Outbane Jbilou e Imane Ennamli. Foram eles que acabaram por descrever às autoridades como Abdesselam Tazi e Hicham El Hanafi os tentaram “convencer a integrar as fileiras do exército de foreign fighters para combater” pelo EI, na Síria, a troco de 1.800 dólares por mês. Os três recusaram. Mas o mesmo não terá acontecido a outros dois marroquinos, Abderrahmane Bazouz e Abdessamad Anbaoui, que terão viajado para a Síria e cujas actividades em Portugal deram origem a um inquérito autónomo no DCIAP.
À SÁBADO, o marroquino negou todas as acusações. Garante não ter nada a ver com terrorismo islâmico e diz que foi vítima de uma cilada por parte dos compatriotas depois de ter recusado participar num esquema de tráfico de droga. Algo que não foi confirmado pelas fontes judiciais contactadas pela SÁBADO.
Financiamento a crédito
Para os investigadores, toda a actividade de apoio ao terrorismo de Abdesselam Tazi era financiada através de um esquema de fraude, burla e falsificação de documentos. Com identidades falsas, obteve vários cartões de crédito que usou para pagar hotéis, viagens e comprar telemóveis, mochilas, calçado, roupa e artigos desportivos. Produtos que depois vendia. Terá sido assim que, de acordo com a acusação, financiou “as actividades terroristas levadas a cabo por Hicham El Hanafi, pagando todas as suas despesas pessoais e as despesas realizadas por aquele com viagens efectuadas para receber treino militar na Síria, e com as viagens e despesas realizadas por Hicham El Hanafi em Paris, onde o mesmo se deslocou para contactar com jihadistas e para planear um ataque terrorista em França e onde acabou por ser detido”.
Abdesselam Tazi negou esta versão aos procuradores. “Esclareceu que abriu contas com documentos falsos, que os cartões foram atribuídos e que comprou telemóveis que vendeu para fazer dinheiro para subsistir em Portugal e na Alemanha”, explica o advogado Lopes Guerreiro.