Gigantes digitais contra a democracia
Anegociata feita entre o Facebook e uma empresa de cartomantes eleitorais ligada à campanha de Trump mostra o mais grave problema que os gigantes digitais colocam à democracia. Para lá de não criarem emprego localmente, de não pagarem impostos nos países onde vampirizam a publicidade, de enfraquecerem o jornalismo e a indústria dos verdadeiros media, de escaparem a qualquer regulação, o Facebook, o Google & companhia, são uma ameaça à democracia. Estas empresas vivem da publicidade mas, também do roubo e da venda de dados pessoais para fins comerciais e políticos. Não será apenas pela educação dos utilizadores das redes sociais que se poderá disciplinar o caos em que se manifesta o oportunismo predador destas empresas. É essencial que os países democráticos se entendam na criação de um direito punitivo, seja pela via penal ou pela via cível e contra-ordenacional, contra os abusos inqualificáveis em curso. É essencial que os utilizadores sejam esclarecidos, sobretudo em matéria de exposição de dados pessoais na Internet e das regras legais relacionadas com o consentimento, em particular as que protegem direitos de personalidade disponíveis e indisponíveis. Mas sem uma atitude repressiva no curto e médio prazo, a própria democracia está em perigo.
Quando temos, como em Portugal, um ministro da Cultura que ignora as raízes profundas do que são as fake news, que ignora as ameaças que elas comportam para o sistema político, para regras essenciais como a defesa do pluralismo, não se pode ter muita esperança naquilo que é a capacidade de reacção do poder político a estes fenómenos. Nesta matéria, é decisiva a mobilização cívica e uma atitude restritiva do poder judicial, mesmo que ainda e só, por falta de um quadro legal e regulatório claro, em sede de interpretação do direito disponível, tal como a Comissão Europeia tem feito. O que está em causa é muito mais do que uma crise reputacional dos gigantes da Internet, como escreve o The Economist desta semana. É que se a democracia não toma conta destas empresa, limitando-lhes o poder, elas tomam conta da democracia.
A bomba incendiária de sempre
Sobre mais dois relatórios arrasadores – incêndios e Tancos – há pouca coisa a dizer a não ser que eles voltam a chamar a atenção para um dos maiores problemas do País: um Estado em falência técnica e política, transformado ele próprio numa espécie de eterna bomba incendiária contra um povo cada vez mais abandonado à sua sorte. Com a carga fiscal imposta pelos sucessivos governos não há nenhuma razão para não se exigir mais rigor e competência na aplicação dos dinheiros públicos. Se não formos exigentes com quem nos governa pouca legitimidade nos sobra para chorar no auge das tragédias quase sempre anunciadas.
Armando Vara pode ir preso?
A incapacidade do Estado de direito de fazer cumprir a condenação de Armando Vara a cinco anos de prisão está a transformar a ideia de justiça numa verdadeira palhaçada. Vara teve um julgamento justo, imparcial e equitativo. Tem dinheiro para aplicar em tudo quanto é recurso e um acesso ilimitado aos media para fazer a sua defesa na esfera pública. A menos que aguarde alguma lei ressocializadora dos arguidos de colarinho branco, para cumprir a pena em casa, por exemplo, não se compreende porque não pode recolher à hotelaria prisional... É caso para perguntar se Vara é daqueles portugueses que pode ser preso ou se isso é só para o Zé, o tal polidor de esquinas que os políticos adoram meter nos discursos eleitorais?!