Aniquilação
Até ontem, o melhor filme de 2018 chama-se Annihilation e não estreou, ou estreará, nas salas portuguesas. Viagem expressionista a um espaço natural habitado pelo cancro, a segunda longa-metragem dirigida por Alex Garland foi renegada pela Paramount, que teve receio da sua plástica cerebralidade – a inteligência mete medo –, entregando a distribuição internacional à Netflix. É pena não ser possível contemplar Annihilation no grande ecrã: parábola brilhante sobre a doença como arma de mudança rumo a novas formas de sobrevivência, decorre numa floresta de cores pervertidas ou sublimadas pela queda de um misterioso meteorito, e vive da expressividade de Natalie Portman, da herança literária do doppelgänger, da paisagem sonora de Geoff Barrow, ex-Portishead e do valor presciente da ficção científica, do ThingstoCome de Cameron Menzies ao Stalkerde Tarkovsky. Em florestas mais reais, continuamos a assistir à procissão sórdida do actual Governo quanto às responsabilidades dos incêndios de Outubro. Para Costa, a culpa é da péssima comunicação social. Para o actual ministro da tutela, a culpa é do tempo. Para o ex-secretário de Estado, a culpa é dos dados falsos do relatório. A propósito de novo relatório, agora sobre Tancos, para o ministro da Defesa a culpa é da videovigilância, das inspecções, do azar e do coelho da Páscoa. Aguardam-se a responsabilização de Vulcano, deus romano do fogo, nos próximos incêndios e de Chuck Norris em novos furtos de material militar. A forma como o Governo lida com as maiores crises do último ano aniquila o que resta do nosso relacionamento com o Estado.