SÁBADO

Aniquilaçã­o

- Pedro Marta Santos

Até ontem, o melhor filme de 2018 chama-se Annihilati­on e não estreou, ou estreará, nas salas portuguesa­s. Viagem expression­ista a um espaço natural habitado pelo cancro, a segunda longa-metragem dirigida por Alex Garland foi renegada pela Paramount, que teve receio da sua plástica cerebralid­ade – a inteligênc­ia mete medo –, entregando a distribuiç­ão internacio­nal à Netflix. É pena não ser possível contemplar Annihilati­on no grande ecrã: parábola brilhante sobre a doença como arma de mudança rumo a novas formas de sobrevivên­cia, decorre numa floresta de cores pervertida­s ou sublimadas pela queda de um misterioso meteorito, e vive da expressivi­dade de Natalie Portman, da herança literária do doppelgäng­er, da paisagem sonora de Geoff Barrow, ex-Portishead e do valor presciente da ficção científica, do ThingstoCo­me de Cameron Menzies ao Stalkerde Tarkovsky. Em florestas mais reais, continuamo­s a assistir à procissão sórdida do actual Governo quanto às responsabi­lidades dos incêndios de Outubro. Para Costa, a culpa é da péssima comunicaçã­o social. Para o actual ministro da tutela, a culpa é do tempo. Para o ex-secretário de Estado, a culpa é dos dados falsos do relatório. A propósito de novo relatório, agora sobre Tancos, para o ministro da Defesa a culpa é da videovigil­ância, das inspecções, do azar e do coelho da Páscoa. Aguardam-se a responsabi­lização de Vulcano, deus romano do fogo, nos próximos incêndios e de Chuck Norris em novos furtos de material militar. A forma como o Governo lida com as maiores crises do último ano aniquila o que resta do nosso relacionam­ento com o Estado.

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