SÁBADO

Costa, o mais bruxelista do que Bruxelas

- Jornalista Bruno Faria Lopes

A “SITUAÇÃO” POLÍTICA está curiosa. Há um Governo socialista apoiado por um PCP antieurope­ísta e pelo Bloco, que bate sucessivam­ente e por larga distância as metas do défice orçamental – para usar a linguagem de Jerónimo de Sousa, um Governo mais bruxelista do que Bruxelas. Depois há o partido líder da oposição, o PSD, que elogia o défice do ano anterior conseguido pelo Governo, enquanto os partidos que apoiam esse mesmo Governo criticam o resultado. Se um défice mau causa rupturas na política, um défice demasiado bom também parece gerar turbulênci­a – mesmo que os papéis tradiciona­is estejam trocados. Para nos orientarmo­s talvez seja mais fácil passarmos ao lado do jogo político e olharmos para a política pública. Esta foi reafirmada há dias, como nunca antes, no momento em que o ministro Mário Centeno apresentou o valor do défice: “Portugal passa a fazer parte do grupo de países que construíra­m o espaço orçamental suficiente para utilizar todos os instrument­os orçamentai­s disponívei­s.” E, mais à frente: “Apenas um valor do défice como o atingido em 2017 garante que, caso enfrente nos próximos anos um quadro económico menos favorável, Portugal não volte a entrar em Procedimen­to por Défice Excessivo, como aliás sucedeu infelizmen­te nas duas últimas grandes recessões europeias (2003 e 2009).” Isto nem precisa de tradução. A política orçamental do Governo é apro- veitar o vento a favor do ciclo económico (10 dos 19 países do euro têm défices em 2017 iguais ou mais pequenos do que o nosso) para acabar com o desequilíb­rio orçamental português, algo nunca conseguido em democracia. Esta é a forma que Centeno vê para criar um espaço mínimo de segurança que sirva para absorver o impacto nas contas públicas de uma futura recessão europeia. Num pequeno país do euro com uma dívida pública de 125,7% do PIB esta estratégia é puro bom senso. Daqui a semanas, no Programa de Estabilida­de, veremos Centeno a rever a meta do défice deste ano para qualquer coisa como 0,5% do PIB. Poder-se-á dizer que um Governo mais ortodoxo poderia já ter conseguido um défice de 0% este ano ou um excedente. É verdade. Mas não é crível que algum Governo desse tipo existisse em Portugal após a crise – nem um elenco minoritári­o de Passos, que levantou o pé da consolidaç­ão orçamental assim que o País saiu do resgate. (Outra questão, muito importante, é saber se não havia escolhas melhores dentro da restrição que o Governo definiu.) Esta postura dos socialista­s correspond­e, por isso, ao máximo de ortodoxia alcançável numa conjuntura política pós-crise. Que seja conseguido por um Governo apoiado por forças de protesto como o PCP e o Bloco – mesmo que à custa do abandono de várias reformas – é um facto extraordin­ário na vida política portuguesa.

O que nos leva de volta a essa mesma política, ao jogo. Estamos a seis meses do próximo Orçamento do Estado, que terá o Governo a apontar a um défice histórico de 0%. À luz do que sabemos hoje (na política as coisas mudam rápido) não creio que o PCP e o Bloco tenham margem para apear o Governo sem sofrerem nas urnas. Entretanto o PSD de Rio parece posicionar-se no papel de noiva. Como aqui escrevi há semanas, tudo parece bem encaminhad­o para em 2019 o PS ser o que sempre quis: o partido-charneira da democracia. Para que lado irá Costa dobrar? É ainda cedo para fazer previsões – no fim de contas, o PS pode até nem ter de dobrar para lado algum.

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