CARTAS E RECORDAÇÕES AGARRAR A VIDA
Seria pleonástico enfatizar a importância de Saul Bellow (1915-2005), mas, no momento em que chega às livrarias portuguesas o volume que colige parte das suas Cartas e Recordações, convém recordar o óbvio: algumas correspondências são, de facto, Literatura. É o caso desta.
Por razões facilmente compreensíveis, a presente edição não contempla as 708 cartas do original americano. No prólogo, Salvato Telles de Menezes, o tradutor, explica ter privilegiado temas representativos (“ideias literárias, ideias político-sociais, religiosas…”), bem como interlocutores familiares ao leitor português, como são os escritores e os políticos internacionalmente conhecidos. Não obstante, no fim de algumas cartas, existem verbetes sucintos das pessoas citadas.
A vida íntima não foi esquecida, uma vez que a selecção abrange cartas para os filhos e para as ex-mulheres (casou cinco vezes). E também inclui cópia de uma carta enviada em 1972 à Century Association, um clube elitista de Manhattan, propondo com vigor a não admissão do homem que, em sua opinião, era responsável pela decadência da Partisan Review.
Oriundo de uma família de judeus russos, os Belo, Saul Bellow nasceu no Quebeque, para onde o pai tinha fugido após problemas em São Petersburgo. Foi para Chicago com 9 anos feitos, mas só aos 28 obteve a cidadania americana. Estudou antropologia e sociologia antes de enveredar pela carreira literária. O primeiro romance, Na Corda Bamba
(1944) despertou de imediato a atenção de Edmund Wilson, o crítico mais influente da América. Quando, em 1976, recebeu o Nobel da Literatura, era já um autor consagrado no país que adoptou como seu e sobre o qual escreveu de forma admirável. Iconoclasta, adversário confesso do multiculturalismo académico, ficou célebre a boutade, em directo na televisão, acerca de nunca ter lido nada do “Proust da Papua-Nova Guiné”… Uma conferência sobre o papel dos escritores na universidade exacerbaria os ânimos. Mas esse era o lado para que Bellow dormia melhor.
O arco cronológico desta compilação vai de 1932 a 1982. São muito interessantes as opiniões sobre as mulheres que amou, a obra de outros escritores, os países que visitou e os factos políticos de que foi testemunha.