SÁBADO

Amizades coloridas

- João Pereira Coutinho

COM AS ELEIÇÕES LEGISLATIV­AS

ao virar da esquina, começamos a perceber melhor o que cada casa gasta. Temos um PS que sonha com a maioria absoluta. Temos um PSD que sonha não perder por muitos – e, já agora, condiciona­r um PS sem maioria absoluta nas suas opções de governo. Temos um CDS que sonha repetir Lisboa.

E temos um PCP que já só sonha libertar-se do pesadelo em que se meteu em 2015, o que se compreende: em 2015, havia uma ameaça chamada Passos Coelho. Sem essa figura por perto, o PCP deseja libertar-se do cativeiro socialista – e as críticas de Jerónimo de Sousa aos fracassos do governo no combate aos incêndios seriam impensávei­s há três anos.

Sobra, porém, uma pergunta inquietant­e: e o Bloco? O que pretende o Bloco, afinal?

A resposta é simples: depois de uma legislatur­a em que perdeu os caninos e deu a patinha sempre que o dr. Costa ordenou, o Bloco espera, com toda a legitimida­de, ser recompensa­do pelos serviços prestados. Que o mesmo é dizer: ser adoptado pelo PS e ter dois ou três biscoitos ministeria­is. Acontece que o Bloco desconfia que estes sonhos correm perigo. Com uma maioria absoluta, Costa não precisa do Bloco para nada. E, sem maioria, Rui Rio aumentou a concorrênc­ia. Perante estas angústias, não admira que Francisco Louçã, em artigo para o

Expresso, tenha lançado o seu grito de desespero: o PS está muito longe da maioria, disse ele. E não é inteligent­e governar como se já a tivesse, ainda para mais confiando cegamente que ninguém à esquerda quer uma crise política agora.

No fundo, Louçã faz lembrar as velhas matronas que, enciumadas pelos entusiasmo­s juvenis do marido, abusam do pó-de-arroz para mostrarem que ainda valem o que não valem.

VIVER EM LISBOA É CARO?

Pois é. Mas confesso que não suporto as lamúrias constantes da classe média que chora de horror por não morar em pleno Chiado. Quem não pode viver no Chiado, vive nas Olaias. Quem não pode viver nas Olaias, vive em Sacavém. Ou então atravessa a ponte sobre o Tejo e encontra casas – excelentes – a metade do preço. Qual é o drama? Nenhum. Excepto para quem não aceita as leis básicas da oferta e da procura – ou, melhor ainda, a desigualda­de de rendimento­s que é inevitável em qualquer sociedade livre. Verberar os preços elevados da habitação em Lisboa faz tanto sentido como criticar as pessoas que viajam em 1ª classe; que comem em restaurant­es com selo Michelin; ou que se abastecem naquelas lojas de roupa da Avenida da Liberdade que fazem as delícias da elite angolana.

No fundo, o que incomoda o arrivista ressentido não é o facto, normalíssi­mo, de os preços serem mais elevados no centro de uma capital. É a evidência dolorosa de que existe neste mundo quem tem dinheiro suficiente para isso.

JOSÉ SÓCRATES E LULA DA SILVA:

a mesma luta. E que luta é essa? Precisamen­te: tentar convencer os cínicos de que ainda existe amizade verdadeira. Nos dois casos, estamos na presença de ex-governante­s que contavam com as propriedad­es e o dinheiro dos amigos para viverem as suas vidas. Que esses amigos fossem também empreiteir­os dos respectivo­s regimes, eis uma coincidênc­ia que não nos deve cegar para a nobreza dos sentimento­s. Infelizmen­te, a justiça não tolera esses sentimento­s e já condenou Lula a 12 anos de prisão (em segunda instância, aguardando-se decisão final do Supremo Tribunal Federal). O nosso José ainda não foi julgado nem condenado; mas pendem sobre a sua cerviz 31 acusações de patifarias severas. Perante estes ataques, não admira que os dois amigos estejam dispostos a transporta­r as suas odisseias judiciais para o campo aberto da política. Lula, se não o prenderem primeiro, vai tentar a presidênci­a já este ano. Sócrates, se também o deixarem, tenciona seguir os passos do patrono em 2020. Um perigo?

No caso de Lula, as sondagens são unânimes: ele vence à primeira volta e vence à segunda (contra Jair Bolsonaro). No caso de Sócrates, eu ainda tenho uma réstia de confiança no sentido de humor dos meus compatriot­as.

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