Verdades em tempos de guerra
Nos últimos dias, temos sido confrontados com imagens aterradoras de valas comuns nas imediações de Kiev, mas temos assistido também a relatos inquietantes de mais ataques ucranianos na região de Donbass. E se a vida e o jornalismo já me ensinaram algo é que devemos estar sempre atentos a tudo, conhecendo e aprofundando os conflitos, sem nunca nos deixarmos embarcar em narrativas únicas que fragilizam a verdade.
Quando cheguei à Polónia e depois à Ucrânia, ainda em março, vi um horror que jamais esquecerei. Milhares de civis desesperados com crianças ao colo, que poderiam ser qualquer um de nós, em fuga aos bombardeamentos, sem nada, apenas com o fito de encontrar um porto seguro. Perante tudo o que vi, com os meus próprios olhos, mantenho o que sempre afirmei: a invasão de um país soberano é, e será sempre, intolerável. E Putin fê-lo, violando todos os tratados internacionais. Acontece que, em qualquer guerra, é praticamente impossível para quem está no terreno ver tudo o que realmente acontece. Mas há algo que ainda na Ucrânia registei, e que face aos novos relatos que li nos últimos dias, me obrigou a repensar. Serão as imagens desumanas das valas comuns descobertas primeiro em Bucha, depois em Chernihiv, as únicas que nos devem chocar? Quando estava em Lviv, chocou-me particularmente a forma como o exército ucraniano quis limitar a nossa ação no terreno. A primeira versão para conter o nosso progresso no acesso à informação foi a de que poderíamos estar a passar informação sensível, via GPS (instalado em qualquer smartphone) ao inimigo russo, transformando a zona onde nos encontrávamos num eventual alvo de ataque. Mas nós estávamos em Lviv. Longe ainda de um palco real de guerra. Logo aí percebi que a propaganda seria sempre mais forte.
Na guerra só relatamos o que conseguimos ver. E os jornalistas estão na Ucrânia. Por isso, hoje, indignamo-nos sobretudo com os milhares de refugiados e vítimas inocentes provocados por Putin. Mas então e as vítimas do exército ucraniano na região de Donbass, onde a guerra dura há oito anos? Não são elas igualmente civis e inocentes que merecem a nossa atenção?
A verdade nunca está de um só lado e o pior que poderia acontecer ao mundo seria deixar-se enganar e entrar numa terceira guerra mundial sem retorno.
A estranha indiferença da ministra da Saúde
Nos últimos dois meses, a SÁBADO
investigou o caso do jovem de 18 anos preso por terrorismo.
Se não leram a edição passada, convido-vos a fazê-lo porque a SÁBADO
conseguiu dois exclusivos muito elucidativos.
O primeiro, com a entrevista aos pais de João Carreira. Depois, com a “namorada”, acusada pelos pais de João de o ter manipulado durante quatro anos para este fim trágico, onde acabou por ser a única vítima.
Mais uma vez, a SÁBADO fez o que lhe competia. Ouviu todos os lados. E por isso, quis também saber o que pensa a Ministra da Saúde sobre as falhas detetadas neste processo. João Carreira foi diagnosticado com a síndrome de Asperger aos 10 anos e teve alta aos 16, já depois de os pais terem avisado a única pediatra que o seguiu, no hospital pediátrico de Coimbra, que estava “viciado em vídeos de massacres em escolas”. Mas para a pediatra, Guiomar Oliveira, este dado nunca foi relevante. Vários pedopsiquiatras garantiram à SÁBADO que é “inadmissível” que o Governo nunca tenha garantido meios para pôr em prática a norma, de abril de 2019, que obriga ao acompanhamento destes doentes por equipas multidisciplinares constituídas por pedopsiquiatras. Mas para a ministra da Saúde, ao que parece, a saúde mental dos jovens não é um problema. João Carreira é um doente de Asperger; está em prisão preventiva; poderia ter provocado um atentado inédito em Portugal, e a resposta da ministra foi simplesmente esta: “Este jovem teve o seguimento que se adequou ao seu quadro clínico.” Dá que pensar! ●