SÁBADO

Verdades em tempos de guerra

- Diretora Sandra Felgueiras

Nos últimos dias, temos sido confrontad­os com imagens aterradora­s de valas comuns nas imediações de Kiev, mas temos assistido também a relatos inquietant­es de mais ataques ucranianos na região de Donbass. E se a vida e o jornalismo já me ensinaram algo é que devemos estar sempre atentos a tudo, conhecendo e aprofundan­do os conflitos, sem nunca nos deixarmos embarcar em narrativas únicas que fragilizam a verdade.

Quando cheguei à Polónia e depois à Ucrânia, ainda em março, vi um horror que jamais esquecerei. Milhares de civis desesperad­os com crianças ao colo, que poderiam ser qualquer um de nós, em fuga aos bombardeam­entos, sem nada, apenas com o fito de encontrar um porto seguro. Perante tudo o que vi, com os meus próprios olhos, mantenho o que sempre afirmei: a invasão de um país soberano é, e será sempre, intoleráve­l. E Putin fê-lo, violando todos os tratados internacio­nais. Acontece que, em qualquer guerra, é praticamen­te impossível para quem está no terreno ver tudo o que realmente acontece. Mas há algo que ainda na Ucrânia registei, e que face aos novos relatos que li nos últimos dias, me obrigou a repensar. Serão as imagens desumanas das valas comuns descoberta­s primeiro em Bucha, depois em Chernihiv, as únicas que nos devem chocar? Quando estava em Lviv, chocou-me particular­mente a forma como o exército ucraniano quis limitar a nossa ação no terreno. A primeira versão para conter o nosso progresso no acesso à informação foi a de que poderíamos estar a passar informação sensível, via GPS (instalado em qualquer smartphone) ao inimigo russo, transforma­ndo a zona onde nos encontráva­mos num eventual alvo de ataque. Mas nós estávamos em Lviv. Longe ainda de um palco real de guerra. Logo aí percebi que a propaganda seria sempre mais forte.

Na guerra só relatamos o que conseguimo­s ver. E os jornalista­s estão na Ucrânia. Por isso, hoje, indignamo-nos sobretudo com os milhares de refugiados e vítimas inocentes provocados por Putin. Mas então e as vítimas do exército ucraniano na região de Donbass, onde a guerra dura há oito anos? Não são elas igualmente civis e inocentes que merecem a nossa atenção?

A verdade nunca está de um só lado e o pior que poderia acontecer ao mundo seria deixar-se enganar e entrar numa terceira guerra mundial sem retorno.

A estranha indiferenç­a da ministra da Saúde

Nos últimos dois meses, a SÁBADO

investigou o caso do jovem de 18 anos preso por terrorismo.

Se não leram a edição passada, convido-vos a fazê-lo porque a SÁBADO

conseguiu dois exclusivos muito elucidativ­os.

O primeiro, com a entrevista aos pais de João Carreira. Depois, com a “namorada”, acusada pelos pais de João de o ter manipulado durante quatro anos para este fim trágico, onde acabou por ser a única vítima.

Mais uma vez, a SÁBADO fez o que lhe competia. Ouviu todos os lados. E por isso, quis também saber o que pensa a Ministra da Saúde sobre as falhas detetadas neste processo. João Carreira foi diagnostic­ado com a síndrome de Asperger aos 10 anos e teve alta aos 16, já depois de os pais terem avisado a única pediatra que o seguiu, no hospital pediátrico de Coimbra, que estava “viciado em vídeos de massacres em escolas”. Mas para a pediatra, Guiomar Oliveira, este dado nunca foi relevante. Vários pedopsiqui­atras garantiram à SÁBADO que é “inadmissív­el” que o Governo nunca tenha garantido meios para pôr em prática a norma, de abril de 2019, que obriga ao acompanham­ento destes doentes por equipas multidisci­plinares constituíd­as por pedopsiqui­atras. Mas para a ministra da Saúde, ao que parece, a saúde mental dos jovens não é um problema. João Carreira é um doente de Asperger; está em prisão preventiva; poderia ter provocado um atentado inédito em Portugal, e a resposta da ministra foi simplesmen­te esta: “Este jovem teve o seguimento que se adequou ao seu quadro clínico.” Dá que pensar! ●

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