SOARES, O PRESIDENTE-REI E O PINGA-AMOR
A relação com Cavaco, as viagens, os tiques de monarca, o fax de Macau, as amantes, a enfermeira, os últimos anos de vida. Está lá tudo.
Assegurar a “estabilidade política e a paz social”. Foi esta a prioridade de Mário Soares após ter sido eleito Presidente, em 1986, conforme revelaria ao primeiro-ministro, Cavaco Silva, num almoço no restaurante Mónaco (Caxias): “Ele estava muito aflito e disse-lhe: ‘Não o vou importunar. O senhor vai ter muito dinheiro da CEE e vai poder fazer um bom governo.’”
Cavaco iria admitir que entre eles houve uma “cooperação frutuosa”, apesar das diferenças de estilo e feitio. Cavaco tinha a sensação que Soares considerava as suas conversas “monótonas e soporíferas”, o PR achava que o PM “não tinha postura nenhuma, não sabia o que era a Europa, não conhecia ninguém”.
O primeiro-ministro ficara ainda surpreendido por Soares gostar de “honras e formalismos, atos de veneração e pompa e solenidade, mais próprios de um rei do que de um republicano e socialista”. Aliás, o PCP teve dificuldade em adaptar-se aos novos rituais, como ter de usar smoking, fraque e cartola nas receções.
A relação entre Cavaco e Soares e a sua conduta de Presidente-rei marcam o início do quarto e último volume da biografia Mário Soares, Uma Vida, escrita pelo jornalista e investigador
NOS ÚLTIMOS ANOS DE VIDA, A RELAÇÃO COM A ENFERMEIRA ANA FILGUEIRAS GEROU ATRITOS COM A FAMÍLIA
Joaquim Vieira e que a SÁBADO está a distribuir gratuitamente.
As viagens de Soares (fez 46 visitas de Estado e ainda mais uma dezena de idas ao estrangeiro, da Índia ao Brasil, da Rússia à África do Sul, dos EUA ao Japão, de Israel a Angola), estão em destaque, num volume que aborda os seus últimos anos de vida e abarca vários temas polémicos.
O primeiro é o chamado caso do fax de Macau, uma trapalhada com figuras socialistas relacionada com dinheiros para projetos de comunicação (Emaudio) e imobiliários (como o aterro e a construção na baía da Praia Grande ou do aeroporto de Macau). Um caso que, nota Joaquim Vieira, “ameaçava projetar uma sombra sobre o primeiro mandato de Soares, até então imaculado”.
As mulheres: da atriz à professora
Há também a questão das amantes. As “múltiplas ligações afetivas” incluem desde “mulheres da área socialista a uma atriz vivendo no Brasil”. Há ainda uma crítica de arte e professora catedrática, que revela: “Nós nunca escondemos nada. Íamos muitas vezes ao hotel Altis.” Mas a relação extraconjugal mais importante que Soares manteve foi com a jornalista norte-americana Marvine Howe, ao ponto de ele ter pensado separar-se da mulher, Maria de Jesus Barroso (em 1969).
Já na parte final da sua vida (Mário Soares morreu a 7 de janeiro de 2017, com 92 anos, 18 meses depois de Maria Barroso), surge outra polémica: a enfermeira Ana Filgueiras, que gerou atritos com a família, como notou Alfredo Barroso: “Ela ganhou sobre o meu tio uma influência terrível, maior e diferente da de outras mulheres.” Ana defende-se, admitindo ter construído com o ex-PR “uma amizade tão sólida que merecia ser tratada por amor”. ●