SÁBADO

SOARES, O PRESIDENTE-REI E O PINGA-AMOR

A relação com Cavaco, as viagens, os tiques de monarca, o fax de Macau, as amantes, a enfermeira, os últimos anos de vida. Está lá tudo.

- Por Carlos Torres

Assegurar a “estabilida­de política e a paz social”. Foi esta a prioridade de Mário Soares após ter sido eleito Presidente, em 1986, conforme revelaria ao primeiro-ministro, Cavaco Silva, num almoço no restaurant­e Mónaco (Caxias): “Ele estava muito aflito e disse-lhe: ‘Não o vou importunar. O senhor vai ter muito dinheiro da CEE e vai poder fazer um bom governo.’”

Cavaco iria admitir que entre eles houve uma “cooperação frutuosa”, apesar das diferenças de estilo e feitio. Cavaco tinha a sensação que Soares considerav­a as suas conversas “monótonas e soporífera­s”, o PR achava que o PM “não tinha postura nenhuma, não sabia o que era a Europa, não conhecia ninguém”.

O primeiro-ministro ficara ainda surpreendi­do por Soares gostar de “honras e formalismo­s, atos de veneração e pompa e solenidade, mais próprios de um rei do que de um republican­o e socialista”. Aliás, o PCP teve dificuldad­e em adaptar-se aos novos rituais, como ter de usar smoking, fraque e cartola nas receções.

A relação entre Cavaco e Soares e a sua conduta de Presidente-rei marcam o início do quarto e último volume da biografia Mário Soares, Uma Vida, escrita pelo jornalista e investigad­or

NOS ÚLTIMOS ANOS DE VIDA, A RELAÇÃO COM A ENFERMEIRA ANA FILGUEIRAS GEROU ATRITOS COM A FAMÍLIA

Joaquim Vieira e que a SÁBADO está a distribuir gratuitame­nte.

As viagens de Soares (fez 46 visitas de Estado e ainda mais uma dezena de idas ao estrangeir­o, da Índia ao Brasil, da Rússia à África do Sul, dos EUA ao Japão, de Israel a Angola), estão em destaque, num volume que aborda os seus últimos anos de vida e abarca vários temas polémicos.

O primeiro é o chamado caso do fax de Macau, uma trapalhada com figuras socialista­s relacionad­a com dinheiros para projetos de comunicaçã­o (Emaudio) e imobiliári­os (como o aterro e a construção na baía da Praia Grande ou do aeroporto de Macau). Um caso que, nota Joaquim Vieira, “ameaçava projetar uma sombra sobre o primeiro mandato de Soares, até então imaculado”.

As mulheres: da atriz à professora

Há também a questão das amantes. As “múltiplas ligações afetivas” incluem desde “mulheres da área socialista a uma atriz vivendo no Brasil”. Há ainda uma crítica de arte e professora catedrátic­a, que revela: “Nós nunca escondemos nada. Íamos muitas vezes ao hotel Altis.” Mas a relação extraconju­gal mais importante que Soares manteve foi com a jornalista norte-americana Marvine Howe, ao ponto de ele ter pensado separar-se da mulher, Maria de Jesus Barroso (em 1969).

Já na parte final da sua vida (Mário Soares morreu a 7 de janeiro de 2017, com 92 anos, 18 meses depois de Maria Barroso), surge outra polémica: a enfermeira Ana Filgueiras, que gerou atritos com a família, como notou Alfredo Barroso: “Ela ganhou sobre o meu tio uma influência terrível, maior e diferente da de outras mulheres.” Ana defende-se, admitindo ter construído com o ex-PR “uma amizade tão sólida que merecia ser tratada por amor”. ●

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Soares e a mulher, Maria Barroso, surgem como marajás na visita à Índia, em 1992
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A imagem icónica de Soares sentado numa tartaruga nas ilhas Seicheles (1995)
▶ A imagem icónica de Soares sentado numa tartaruga nas ilhas Seicheles (1995)

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