SÁBADO

A FALTA DE ÂNIMO

- ÂNGELA MARQUES

Culpo as poeiras do Saara, o mercúrio retrógrado, o Putin e, se me pressionar­em muito, até o Bernardo do Big Brother – não tenho tido ânimo para o exercício. O caso é tão grave que se visse o meu PT na rua teria de fugir sem acenar porque, de tanto faltar aos treinos, perdi o músculo do adeus.

Não vou dizer que lamento. Nisto sou quântica: o meu corpo é o meu templo e às vezes o meu corpo cansa-se de ser o tapete de ioga onde os jumping jacks e as flexões vão para renascer. Por isso, tenho deixado que o meu corpo alongue mais no sofá do que alguma vez alongou no fim do treino. Questão: quanto mais evito o exercício mais ele me persegue.

Veja-se o meu Instagram (perdão, ele é fechado, fiquemo-nos pela imaginação). Por culpa da culpa – e do irmão maldito da culpa, o algoritmo –, sempre que no feed me surge um vídeo de treino em casa, guardo-o para mais tarde o pôr em prática. Se o faço seguríssim­a de que na manhã seguinte farei dele o meu mantra? Faço. Se isso acontece? Não a este corpo, não a este templo.

Considero, contudo, que estou num impasse (e que nele não estarei sozinha): abdominais definidos deveriam ser a minha principal preocupaçã­o depois de 33 anos de pandemia, um século de crimes de guerra na Ucrânia e um futuro de crise energética? No mínimo, poderiam, porque se o mundo acabar à estalada eu quero estar do lado de quem tem o cérebro mas também o músculo (mentira: não acredito em resolver o que quer que seja com os punhos, que tenho fracos, só quero lutar contra a gravidade e oxigenar o sangue enquanto isso me for possível).

Sou um poço de contradiçõ­es, no fundo. Sei o que quero – e na semana passada até quis aproveitar a campanha de fitness de uma conhecida cadeia de supermerca­do e adquiri dois pesos, um kettlebell e um TRX (numa demonstraç­ão clara de que pelo menos o vocabulári­o eu domino). Se já os usei? Só para fazer de conta que tinha as mãos ocupadas e, portanto, impedidas de atender a quinta chamada consecutiv­a que o meu PT me fez hoje. ●

O MEU CORPO É O MEU TEMPLO E ÀS VEZES O MEU TEMPLO CANSA-SE DE SER O TAPETE DE IOGA ONDE AS FLEXÕES VÃO PARA RENASCER

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