SÁBADO

A religião gera mais dinheiro do que a Google

O presidente da Religious Freedom & Business Foundation assegura que nos EUA a religião gera mais dinheiro do que a Google ou a Apple. Entre 2006 e 2014 liderou um dos maiores grupos de investigaç­ão do mundo sobre liberdade religiosa.

- Por Ana Catarina André e Alexandre Azevedo (fotos)

Pertenceu à Igreja Metodista. Depois fez parte da Igreja Batista e, em 1994, converteu-se ao catolicism­o. A procura espiritual do norte-americano Brian Grim acabou por levá-lo a dedicar-se ao estudo do impacto da liberdade religiosa, depois de alguns anos a trabalhar em organizaçõ­es não governamen­tais. Na semana em que esteve em Portugal, para participar no Web Summit, o presidente da Religious Freedom & Business Foundation falou com a SÁBADO e defendeu que o terrorismo floresce em cenários de proibição e hostilidad­e.

Em 2016, fez um estudo que diz que nos EUA a religião vale mil milhões de euros. Um montante que é superior aos lucros das 10 maiores empresas americanas, como a Apple, a Google e a Amazon. O que explica isso?

O impacto económico da religião é visível em vários sectores, quer se trate de uma mesquita, igreja, sinagoga ou templo. Nas maiorias cristãs, sobretudo, as igrejas torluta nam-se centros não só de culto, mas de outras actividade­s com impacto económico. Muitas igrejas têm escolas, centros de assistênci­a social e desportivo. Isso implica salários, contas de electricid­ade e luz e tantas outras coisas que é preciso gerir. Há um estudo que diz que se uma igreja ou uma congregaçã­o religiosa sair de uma cidade, o bairro onde estava instalada entrará em declínio económico na década seguinte. Nos EUA, as pessoas visitam três vezes mais igrejas do que museus quando querem apreciar arte.

O seu livro The Price ofFreedom (O Preço da Liberdade, em português) mostra que a liberdade religiosa reduz a violência e os conflitos. A liberdade religiosa é a solução para o terrorismo?

Sim, é isso que defendo. Importa distinguir duas dimensões, quando falamos de liberdade religiosa. Uma quando o governo permite que os grupos pratiquem a sua religião de forma livre. Desta forma, a religião não se torna assunto de contra o governo. Muitos terrorista­s, especialme­nte da Al-Qaeda, vieram da Arábia Saudita, onde não há liberdade religiosa. Isso cria uma espécie de panela de pressão, de onde saem ideias extremista­s.

Sim, a outra tem a ver com as atitudes individuai­s. Se as pessoas aceitam que os outros tenham uma religião diferente, não vão querer magoá-los, nem atingi-los. A liberdade religiosa faz com que as pessoas se tornem mais tolerantes e abertas. Isso vem na declaração Dignitatis Humanae, aprovada pelo Concílio Vaticano II, em que a Igreja Católica diz que cabe a cada pessoa decidir se quer seguir Deus. Se houver respeito pelo outro e liberdade por parte do governo há uma tendência para haver paz.

“Nos Estados Unidos, as pessoas visitam três vezes mais igrejas do que museus quando querem apreciar arte” Falou em duas dimensões...

A ideologia provém da pressão. Essas pessoas são predominan­temente inspiradas por outras que vêm destas regiões, onde há limitações à liberdade religiosa. Isso cria uma narrativa de que eles, pelo islão, têm de derrotar todos os que se opõem.

As restrições à liberdade religiosa são normalment­e associadas a países não desenvolvi­dos. Como vê a proibição da burca em França?

Em França limitou-se a expressão religiosa com a proibição de burcas. Ao mesmo tempo, assistiu-se a um aumento do número de ataques terrorista­s. Tem-se tentado remover a religião da esfera pública e essa é uma das razões para explicar os ataques recentes.

Onde é que mais aumentaram as limitações à liberdade religiosa?

Na Europa Ocidental. Foi uma reacção à ameaça terrorista.

A eleição de Trump também foi?

Foi uma resposta ao medo de que a radicaliza­ção não estivesse a ser contida.

O Médio Oriente continua a ser a região onde há menos liberdade religiosa?

Sim, à qual se tem de juntar também o Sul da Ásia. Nestes locais há uma combinação entre restrições governamen­tais e hostilidad­es sociais. Se um governo privilegia­r uma religião em detrimento de outra, isso é propício a um ambiente social tenso. No Médio Oriente e em África, 95% dos países têm elevado favoritism­o religioso. A existência de grupos religiosos que atacam outros grupos também potencia um ambiente hostil. Há violência sectária em 10% dos países. No Médio Oriente essa violência sectária atinge 50% dos países.

Onde é que encontrou o melhor exemplo de liberdade religiosa?

O Brasil assistiu à maior mudança religiosa – pacífica – do mundo. Há cerca de 30 ou 40 anos, 95% da população era católica e agora esse número diminuiu para 70%. Os outros 30% são evangélico­s, protestant­es, pentecosta­is, mórmones, etc. Esse processo tem sido pacífico. Uma das chaves é a constituiç­ão brasileira que consagra a liberdade religiosa como princípio.

E Portugal?

Está bem classifica­do.

Referiu que muitos terrorista­s são provenient­es de países onde há restrições à liberdade religiosa. Contudo, os ataques mais recentes têm sido perpetrado­s por cidadãos ocidentais.

O 11 de Setembro represento­u um ponto de viragem na liberdade religiosa mundial.

Sim.

Nesse ano, 2001, dava aulas no Médio Oriente. Como é que os ataques foram vividos ali?

Muita gente simpatizou com a América, mas alguns considerar­am que era o resultado de um julgamento de Deus sobre a América. Sim, é verdade. Estava a trabalhar na União Soviética. Era responsáve­l por uma ONG na área da Educação e do Desenvolvi­mento. Vivia na Alemanha e viajava até lá de vez em quando. Um dia, cheguei a Berlim para apanhar o avião e um amigo contou-me o que estava a acontecer. Fomos lá os dois. Ainda guardo partes de tijolos do muro.

O que represento­u isso em termos de liberdade religiosa?

Foi um sinal de que a liberdade era possível. A política comunista defendia a erradicaçã­o da religião. Quando as pessoas perceberam que tinham liberdade, as assembleia­s religiosas – até então mantidas na obscuridad­e – emergiram. Depois da queda do muro de Berlim em 1989, havia um sentimento generaliza­do de maior liberdade na União Soviética. Eu trabalhava numa ONG que levou 300 americanos num programa de intercâmbi­o, o primeiro programa que não passou por Moscovo. Isso deu ao Cazaquistã­o, que ainda era uma república soviética, a sensação de que podiam actuar sem o centro. Foi um evento discreto. Depois disso, Nursultan Nazarbayev [líder do Cazaquistã­o] começou a encontrar-se com Boris Ieltsin [Presidente da Federação Russa, após a dissolução da União Soviética].

O que presenciou depois?

Boris Ieltsin e os líderes das outras repúblicas soviéticas chegaram secretamen­te a Almaty, Cazaquistã­o, onde eu geria um projecto de intercâmbi­o com Nazarbayev. No edifício onde trabalhava havia uma sala de conferênci­as e foi lá que, na manhã seguinte, assisti à assinatura dos papéis de dissolução da União Soviética. Uma semana depois, o secretário de Estado americano, James Baker, visitou os países independen­tes para mostrar que os EUA os apoiava. Nazarbayev deu uma conferênci­a de imprensa e perguntara­m-lhe se ele daria liberdade religiosa ao Cazaquistã­o. Ele disse que sim. Mal sabia que mais de 20 anos depois eu teria informação para avaliar aquela esperança inicial.

Fez estudos sobre os grupos religiosos mais perseguido­s?

Citam-se números diferentes. Os cristãos são o grupo mais numero- so e também o mais persegui-do. São hostilizad­os e ameaçados em alguns países, mas é difícil saber exactament­e quantos são. Mas mais importante do que falar sobre os mais perseguido­s, é sublinhar que a perseguiçã­o é uma experiênci­a comum a todas as religiões.

Criou uma fundação dedicada ao estudo da liberdade religiosa e do seu impacto. Como é que se interessou pelo tema?

O meu pai era um homem de negócios e um homem de fé e eu não via que houvesse incompatib­ilidade entre fé e vida empresaria­l. Mais, tarde, quando trabalhei na China e na União Soviética, percebi que muitas pessoas com uma vivência religiosa intensa estavam interessad­as no desenvolvi­mento económico do seu país. Interessei­me por estudar estas ligações.

E a fundação?

Foi criada em 2014. Trabalhei oito anos no Pew Research Center [centro de investigaç­ão sediado em Washington]. Durante esse período, liderei estudos sobre religião no mundo, incluindo a análise da liberdade religiosa em vários países. Vi que onde há mais liberdade religiosa há mais desenvolvi­mento sustentáve­l e mais infra-estruturas que suportavam o desenvolvi­mento de negócios. Há três anos, percebi que a minha missão era olhar para essa questão a tempo inteiro.

Falou na última edição da Web Summit. Que contributo procurou dar?

O Papa é um dos utilizador­es mais famosos do Twitter. Quase todas as igrejas têm uma pagina no Facebook. Muita tecnologia por trás da Internet vem de Sillicon Valley. Aí 56 por cento das pessoas nasceram fora dos EUA e muitos têm outra religião que não o cristianis­mo. Sillicon Valley é uma espécie de Nações Unidas das religiões. A Internet é possível graças a esta diversidad­e e trabalho conjunto. É incrível que a Web Summit tenha incluído a religião como tema.

Falando de momentos marcantes, também assistiu à queda do Muro de Berlim. Também assistiu à dissolução da União Soviética.

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O norte-americano esteve em Portugal para participar numa conferênci­a da Web Summit, sobre negócios e religião
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Brian Grim defende que a liberdade religiosa é benéfica para os negócios

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