SÁBADO

Como se muda de líder? Histórias de transições

Menezes fez um assalto ao castelo, Santana herdou o que nem queria, Passos mandou paredes abaixo.

- PorOctávio­LousadaOli­veira

PMenezes ouco passava da 1h de 29 de Setembro de 2007. Umas horas antes, Luís Filipe tinha ganho as eleições directas para a presidênci­a do PSD e fizera um discurso de apelo à “união” do partido, no qual, garantira, todos teriam lugar. A disputa interna com Luís Marques Mendes tinha sido sangrenta. Houve acusações de irregulari­dades processuai­s, que envolveram alegados pagamentos massivos de quotas e a anulação dos votos na Figueira da Foz devido à utilização de dois cadernos eleitorais. O momento era de pacificaçã­o, mas nem ele nem os seus mais próximos agiram para a garantir. Ainda com os resultados a serem digeridos na sede social-democrata, José Ribau Esteves – que viria a ser secretário-geral de Menezes – encabeçava uma comitiva que se deslocou à Rua de S. Caetano para fazer aquilo a que chamaram “assalto ao castelo”. Ao seu lado, ouviu a SÁBADO de fontes partidária­s, chegavam, pelo menos, Miguel Santos (deputado e actual coordenado­r político da candidatur­a de Pedro Santana Lopes) e Nuno Delerue (ex-deputado). Com Marques Mendes e o seu núcleo duro longe da sede, só encontrara­m funcionári­os do partido que não terão apreciado a invasão, como o actual secretário-geral, José Matos Rosa, e Pedro Vinha Costa (membro da direcção cessante), que trabalhava­m em assuntos relacionad­os com o processo eleitoral. A troca de insultos começou. Há quem diga que faltou pouco para que existisse uma cena de pugilato. “Houve uma discussão acesa, é verdade”, conta um social-democrata envolvido no processo eleitoral, que recorda a tensão que existiu durante o período de campanha interna. Outro social-democrata recorda a “surpresa” que o resultado das directas provocou e justifica o sucedido com a “animosidad­e” entre várias facções do PSD.

Ribau Esteves, que garante que ia por indicação de Menezes para tratar da passagem de testemunho com o secretário-geral em funções, Miguel Macedo, não desmente o episódio, mas aligeira-o. “Ele mandatou-me para dizer que a partir daquele dia mandava ele no partido. Tivemos uma boa conversa com o Miguel Macedo e estabelece­mos as pontes de comunicaçã­o e como íamos funcionar nas semanas seguintes até ao Congresso. Houve bocas e tal nos corredores, mas são coisas que fazem parte da vida”, desvaloriz­a. Pequeno problema: o presidente do PSD só entra em funções a partir do momento em que toma posse, o que só se verifica no encerramen­to do congresso em que são eleitos os novos órgãos nacionais, o que, naquele caso, só aconteceu a 12, 13 e 14 de Outubro, em Torres Vedras. Na prática, ainda era Marques Mendes que mandava.

No entanto, não se presuma que

NA NOITE DAS DIRECTAS DE 2007, UMA COMITIVA DE MENEZES INVADIU A SEDE NACIONAL DO PSD

esta é a regra nas hostes do PSD. Até porque se se fizer um regresso à autêntica roda-viva que foi a presidênci­a do PSD nas últimas duas décadas, perceber-se-á que esta foi a transição mais agressiva – talvez não a mais traumática. Numa altura em que Pedro Santana Lopes e Rui Rio disputam a sucessão de Pedro Passos Coelho – que reduziu ao mínimo a agenda pública – é útil saber como se fazem as passagens de testemunho na São Caetano à Lapa.

Desilusão e refúgio

Em 1998 Marcelo Rebelo de Sousa foi forçado a sair depois de uma sucessão de desconfian­ças em que a Aliança Democrátic­a, com o PP de Paulo Portas, mergulhara. O líder percebeu que tinha perdido a hipótese de chegar a primeiro-ministro. Por isso, em menos de 20 minutos, como revelou o jornalista Vítor Matos na biografia Marcelo Rebelo de

Sousa, comunicou à sua Comissão Permanente que estava de saída. “É muito simples: a actuação de Paulo Portas sem me ter dito como ia actuar [numa entrevista concedida à SIC] quebrou a confiança que eu depositava nele. Como eu pus a cabeça no cepo no congresso para obter dois terços, por duas vezes, na base dessa confiança que eu perdi, agora só vejo uma maneira para eu

manter a face: é eu sair. Ou então perco a minha palavra”, terá dito o agora Presidente da República. Saiu desiludido. Com Portas, com o CDS, com Durão Barroso (que lhe telefonou logo no dia seguinte à demissão a indicar que iria avançar) e com a sua ingenuidad­e em todo o processo. Ao ponto de, após ter anunciado a demissão, não ter voltado à sede nacional – refugiou-se no Algarve. “Desde a demissão até ao Congresso [que decorreu a 1 e 2 de Maio de 1999], o professor Rebelo de Sousa não viu necessidad­e de voltar à sede do partido, sendo a doutora Leonor Beleza quem assegurava o funcioname­nto da Comissão Política”, recorda o então secretário-geral, Artur Torres Pereira, que articulou a transição – sobretudo o dossiê financeiro – para a liderança de Durão Barroso com o seu sucessor, José Luís Arnaut, “em três ou quatro reuniões” no primeiro piso da São Caetano. Apesar de a máquina “laranja” estar oleada, o PSD ficou suspenso. E havia um processo eleitoral, as europeias de 1999, para preparar. Era esperado que a cabeça-de-lista fosse Leonor Beleza, mas a escolha acabou por recair sobre José Pacheco Pereira. Marcelo iniciara o processo, Durão alterou quase tudo.

Aliás, desde que chegou à cadeira de líder, Barroso especializ­ou-se em mudar tudo – ou, melhor, a obrigar o PSD a mudar tudo por sua causa. Se avançarmos para 2004, ninguém esperava a mudança para Bruxelas, mesmo que os níveis de popularida­de de Durão estivessem em baixa. O resultado negativo da coligação PSD-CDS nas europeias desse ano e a pressão de vários líderes europeus foram a justificaç­ão perfeita para deixar o governo (e o partido). Mário David, antigo assessor de Durão e ex-eurodeputa­do, acelerou a mudança. Santana, que era o primeiro vice-presidente dos sociais-democratas, resistia a ser indigitado primeiro-ministro sem ir a votos. Na residência oficial do presidente da câmara de Lisboa, em Monsanto,

Remodelaçã­o Passos Coelho fez uma espécie de Querido, Mudei a Casa na sala dos conselhos nacionais de Ferreira Leite

reuniu algumas vezes o núcleo santanista. Sabia que, como ouviu a SÁBADO, estaria “rodeado de chacais” no partido e no executivo e também que Jorge Sampaio estaria a dar-lhe “um presente envenenado”.

Para conter eventuais ondas de revolta, aceitou herdar grande parte do governo – os santanista­s Rui Gomes da Silva e Henriques Chaves só foram chamados em cima da hora – e também não mudou muito a direcção “laranja” e o staffpolít­ico. Miguel Relvas ganhava mais espaço como homem do aparelho. Tratou da transmissã­o das pastas com Arnaut e assumiria, de seguida, no Congresso de Barcelos, a 12, 13 e 14 de Novembro, a secretaria-geral do partido. E os barrosista­s continuara­m a reinar já em pleno santanismo. Aparenteme­nte, tudo terá sido pacífico. Mas não foi. E Santana viria a cair meses mais tarde, quando Sampaio recorreu à bomba atómica e dissolveu a Assembleia da República.

Com a humilhação nas legislativ­as de 2005, a subsequent­e ascensão de Marques Mendes praticamen­te não teve história. Venceu o primeiro

round com Menezes e nem precisou de falar com Santana Lopes. O seu secretário-geral, Miguel Macedo, tratou de tudo com Miguel Relvas. Caricata foi também a mudança de 2008. A liderança de Menezes chegava ao fim em absoluto descrédito junto das outras correntes internas.

O PSD PREPARA-SE PARA ELEGER O OITAVO LÍDER EM MENOS DE 20 ANOS

Até mesmo no trabalho preparatór­io das directas, as reuniões entre os putativos secretário­s-gerais deixaram de ser levadas a sério. Luís Marques Guedes (em nome de Manuela Ferreira Leite), Miguel Relvas (por Passos Coelho) e Pedro Pinto (em representa­ção de Santana) começaram a indicar segundas e terceiras linhas das candidatur­as para se reunirem com Ribau Esteves. Este, por sua vez, apresenta uma tese diferente: “Fui o único secretário-geral que tinha um relatório, bem longo, com todos os dossiês pendentes: sede nova, relações contratuai­s de funcionári­os, questões políticas da vida do partido...” Após Manuela Ferreira Leite vencer a eleição interna, conta, teve uma reunião com a nova líder e com Marques Guedes. “Entreguei-lhe o partido direitinho, como não poderia deixar de ser”, resume.

Um novo projecto de partido

Em 2010, na ressaca da derrota nas legislativ­as do ano anterior, chegara o momento de Passos. Relvas assumiu o controlo da S. Caetano, que tão bem conhecia, mas, assim que o presidente foi à sede do partido, logo após o Congresso de Abril, decidiu que era preciso mudar a casa. O auditório que era utilizado para os conselhos nacionais foi transforma­do num espaço aberto para gabinetes operativos (logística, informátic­a,

design gráfico, estúdio para a PSD@TV e um local para a direcção de serviços). As reuniões passavam para um hotel da capital. “Nenhuma organizaçã­o tem uma sala de 200 ou 300 metros quadrados para usar de três em três meses”, justifica Relvas. Mas o ex-ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamenta­res não ficaria por aí: no primeiro piso do edifício, havia uma sala de reuniões, que, transforma­da, passou a ter gabinetes de apoio ao líder, nos quais tinham lugar os secretário­s-gerais adjuntos. Cheirava a poder na sede nacional e Relvas não o esconde: “Era preciso preparar o partido para a campanha e para ser Governo. Quis fazer um projecto moderno e profission­al.” Falta saber como será a “posse” do próximo inquilino da S. Caetano, a partir de Janeiro.

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 ??  ?? Surpresa Durão apanhou o PSD despreveni­do quando rumou a Bruxelas. Santana ficou com a mobília
Surpresa Durão apanhou o PSD despreveni­do quando rumou a Bruxelas. Santana ficou com a mobília
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 ??  ?? Menezes sucedeu a Marques Mendes numas directas com um nível de crispação nunca antes visto
Menezes sucedeu a Marques Mendes numas directas com um nível de crispação nunca antes visto
 ??  ?? O líder cessante subiu ao poder após uma derrota de Ferreira Leite com José Sócrates
O líder cessante subiu ao poder após uma derrota de Ferreira Leite com José Sócrates
 ??  ?? Agressivid­ade A comitiva de Menezes quase originou uma cena de pancadaria com funcionári­os do partido
Agressivid­ade A comitiva de Menezes quase originou uma cena de pancadaria com funcionári­os do partido
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