Preços subiram na maioria dos estrelas Michelin
Em apenas um ano, os preços subiram muito na maioria dos Michelin portugueses. Chefs dizem que ganhar a estrela teve influência. Mas também a seca, o turismo e os fogos.
HENRIQUE SÁ PESSOA AUMENTOU EM 12% O PREÇO DOS SEUS MENUS LOGO APÓS TER GANHO A ESTRELA
Sergi Arola é o chefcom o aspecto mais rock star dos restaurantes com estrela Michelin em Portugal. Catalão de 49 anos, chegou ao hotel Penha Longa Resort, em Sintra, no Verão de 2015 para abrir o LAB. Pouco mais de um ano depois, na noite de 23 de Novembro de 2016, ganhou a estrela Michelin.
O LAB foi um dos protagonistas dessa gala realizada em Espanha, que foi histórica para Portugal – os restaurantes nacionais subiram em 50% o número de estrelas. Nessa mesma noite, quem tivesse ido ao LAB poderia comer uma sobremesa chamada Sardinha Viajante – Pimentos, Poejo e Fumo. É o prato que está na foto ao lado. A sardinha não é uma sardinha – é chocolate branco fumado em forma de sardinha. É um prato inspirado numa pintura que está nas paredes do restaurante e cuja combinação de sabores remete para os arraiais populares. Exactamente um ano depois, a carta do LAB tem muitas mudanças, mas a Sardinha Viajante continua. Para o cliente, há uma diferença. Em 2016, a sobremesa custava €11. Hoje custa €16. São mais €5 – um aumento de 45%.
Foi a maior oscilação de um prato que encontrámos em todas as cartas dos Michelin portugueses. Isto se exceptuarmos a subida de 62% do escalope de foie gras salteado no restaurante William, na Madeira – outro dos restaurantes que nessa gala receberam
pela primeira vez uma estrela. Em 2016, o William cobrava €24 pelo escalope de foie gras. Hoje custa €39. Mas o prato não é exactamente igual: em 2016, vinha com duo de ruibarbo. Em 2017, com pitanga. Essa pequena alteração justifica um aumento de €15 no prato? O William é, aliás, o campeão dos aumentos: mais 18% à carta e mais 22,33% em menu.
Gado, caviar e lavagante
O chefdo William, Luís Pestana, diz à SÁBADO que a estrela Michelin levou ao “enobrecimento” da carta: “Temos mais pratos com iguarias nobres, como o caviar, a trufa, os peixes selvagens, o lavagante.” São produtos caros, que ainda por cima têm de ser expedidos para uma ilha (Madeira). “Colegas meus [do continente] conseguem comprar lavagante azul a €24/kg. Eu, é quase impossível abaixo dos €40. Na semana do Natal, vou pagar a €50/kg, mais transporte. Tenho pratos nos quais perco dinheiro, mas tenho de honrar o compromisso com os clientes”, diz. Luís Pestana refere ainda o caviar. “No continente, 125 gramas custam €90. Eu pago €130. E o fornecedor é o mesmo...” Outro problema, que outros chefs referiram à SÁBADO, é o aumento das matérias-primas. Luís Pestana refere que os produtores de queijo e de azeite têm usado os incêndios para justificar o aumento dos preços – decorrentes essencialmente de produções mais baixas. Pedro Lemos, chefdo restauran-
te homónimo no Porto, cujos menus subiram 14%, aventa à SÁBADO a seca. “Estamos muito preocupados. Houve grandes quebras de produção. Os legumes vão aumentar, os cogumelos, as trufas. E o preço dos animais terrestres, suínos e bovinos, que estão a ser alimentados a ração porque não há pasto.”
Pedro Lemos refere que a subida dos preços não teve a ver com a estrela Michelin e que regularmente faz actualizações a meio do ano na ordem dos 10%. O problema são as matérias-primas. “Por exemplo, o lavagante azul há dias estava a €26 o quilo, hoje [dia 9] está a €32. O açúcar, o marisco, o chocolate e os derivados de leite aumentaram muito. A vagem de baunilha aumentou cinco vezes num ano.”
A pressão do turismo
Para outros chefs, o aumento das matérias-primas não é a única justificação. No Eleven, em Lisboa, “os menus eram baratos em comparação com a concorrência e teve de se fazer um ajuste”, diz à SÁBADO o chef. Joachim Koerper refere ainda o turismo: “Portugal é agora um destino muito apetecível, e isso faz com que a concorrência aumente. Temos de trabalhar mais e melhor, e isso reflecte-se depois no preço.” Os aumentos no Eleven sentiram-se sobretudo nos menus, com subidas na ordem dos 30 euros. Por exemplo, o Menu Lavagante (seis pratos) custava €229 com vinhos em 2016 e passou a €260 em 2017. Na Casa de Chá da Boa Nova (Leça da Palmeira), o chefRui Paula recusa à SÁBADO a ideia de que se tenha encavalitado na fama da estrela para aumentar em apenas um ano o preço dos menus em 19,7% – porque diz que “já praticava preços idênticos a restaurantes Michelin.” Um exemplo no Boa Nova é o menu de degustação Atlântico. Custa mais €15 (de €195 para €210) apesar de ter sido reduzido (passou de oito para sete pratos). O restaurante tem ainda dois pratos à carta (arroz caldoso de peixe e lavagante da nossa costa; cataplana de peixe e marisco) que passaram de €80 para €85. justificar estes aumentos? “Para acompanhar a evolução do sector, dos produtos e do serviço”, diz o chef, via email.
Sá Pessoa que não fala
Alexandre Silva também foi uma das estrelas dessa Gala Michelin de 2016 – ganhou uma estrela poucos meses depois de ter inaugurado o seu LOCO em Lisboa.
O restaurante não tem serviço à carta, apenas dois menus, o Descobrir (14 pratos, a que chama “momentos”) e o Loco (18). Antes da estrela custavam €70 e €85, respectivamente. Após a estrela, passaram a €80 e €90. Mais 10%. Através de email, Alexandre Silva refere que o aumento é para sustentar “objectivos seguintes”. Deduz-se que esteja a falar de uma segunda estrela. O chefespecifica a formação e o reforço da equipa, e a compra de melhores equipamentos e produtos. “Tudo isto tem um preço”, conclui.
O mesmo feito conseguiu Henrique Sá Pessoa, que obteve uma estrela Michelin com o Alma, em Lisboa. A subida de estatuto acompanhou o aumento dos preços: mais 12% em menu e mais 6% à carta. Neste último caso, comparando as listas de 2016 com 2017 vemos que houve vários pratos com aumentos de €2 e €3. Por exemplo, um dos clássicos do chefSá Pessoa, o leitão confitado (com puré de batata-doce, pak-choi e jus de laran- ja), passou de €28 para €30. Os quatro menus de degustação do Alma aumentaram todos €10. Henrique Sá Pessoa não quis prestar declarações para este artigo. No campo oposto está Miguel Rocha Vieira, chefda Fortaleza do Guincho. Entramos aqui no território dos restaurantes que não subiram preços. Nos menus, por exemplo, 0%. À carta, apenas 2,28%, justificado com a subida da matéria-prima. Rocha Vieira diz à SÁBADO que não se move por estrelas Michelin: “Não é pelo facto de vermos o nosso trabalho reconhecido por quem quer que seja, ou por a procura ser maior, que vamos aumentar preços. Queremos ser o mais justos possível com os clientes e quereComo
JOACHIM KOERPER: “OS MENUS [DO ELEVEN] ERAM BARATOS EM COMPARAÇÃO COM A CONCORRÊNCIA”
mos ter a melhor relação qualidade-preço possível. O que os outros restaurantes fazem ou deixam de fazer só a eles diz respeito.” Pedro Lemos, do Porto, fala de algo parecido. “Claro que ganhar a estrela Michelin nos colocou no mercado internacional, mas tenho de respeitar os clientes que já nos visitavam regularmente, especialmente os portugueses.”
A manutenção do carro de luxo
Todos os chefs são unânimes em referir que ganhar uma estrela traz mais clientes – subidas entre os 20 e os 40%. Não contentes, os restaurantes ainda aumentam os preços. Parece ganância (e haverá alguma em alguns casos), mas a explicação parece estar mais ligada a outros dois factores: corresponder às expectativas (a estrela traz mais imprensa e mais clientes) e subir a fasquia (tentar a segunda estrela). Em resumo: produto, equipamentos e pessoal (mais empregados, mais bem qualificados e mais bem pagos). Luís Pestana, do William, diz que a taxa de esforço aumentou depois de receber a estrela, porque teve de investir mais na carta e na formação do pessoal. “A receita bruta aumentou [via aumento dos preços e de clientes], mas a líquida baixou. Ganhamos menos com a estrela.” Nuno Diogo, dono do Bon Bon, no Algarve, diz à SÁBADO que “no primeiro ano de estrela [2016] tivemos um aumento de receita de 40%. No segundo, descemos 20%, talvez devido ao preços” (aumento de 18%). Um Michelin não é barato, nem dá lucros milionários. Não só em Portugal. Em Espanha, em 2014, o
El País fazia uma radiografia financeira destes restaurantes. Conclusão: “Rentabilidades modestas.” O
chefLuís Pestana não tem dúvidas: “Uma boa trattoria ganha mais dinheiro do que um Michelin.” Não é por acaso que dos sete restaurantes Michelin que não subiram os preços em 2017, seis (Fortaleza do Guincho, L’AND, LAB, Ocean, Feitoria e Il Gallo d’Oro) estão inseridos em hotéis de luxo, que são uma espécie de amortecedores, ou fiadores, do negócio.
“A RECEITA BRUTA AUMENTOU [VIA AUMENTO DOS PREÇOS E DE CLIENTES], MAS A LÍQUIDA BAIXOU”, DIZ LUÍS PESTANA