SÁBADO

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guém da família interessad­o antes de ir ao mercado contratar. “Somos 114, temos de ter regras de funcioname­nto. Quem trabalha no Grupo não pode sentir que está a prazo e à mercê dos interesses da família accionista.” Peter Villax, presidente da Associação das Empresas Familiares, diz que 70% das empresas nacionais são familiares e que muitas delas têm este tipo de protocolos. “É um documento que se escreve em tempos de paz para servir em tempos de guerra, porque quando os assuntos são salientes não há tempo para acordos.” Idealmente, defende, os protocolos devem ser feitos pelos fundadores – têm mais autoridade. “É uma imagem quase bíblica, o patriarca, por volta dos 70 anos, que reúne os filhos para discutir ou indicar como vão ser as coisas quando morrer. É por isso que geralmente estes documentos têm uma componente afectiva, que descreve os valores da família.” As empresas “mais espertas”, acrescenta, separam o Conselho de Família do Conselho de Administra­ção”, e pode haver muitas outras regras: há empresas que proíbem investimen­tos em áreas como o tabaco e as munições, algumas, como os Mello, definem regras para a venda de participaç­ões – neste caso, os activos são avaliados e a família tem preferênci­a na compra.

As regras de família dos Soares dos Santos

O protocolo familiar dos Soares dos Santos tem cerca de 10 anos, explica à SÁBADO Inês Soares dos Santos, a mais nova dos sete filhos de Alexandre Soares dos Santos, presidente da Sociedade Francisco Manuel dos Santos, que detém 56% da Jerónimo Martins (dona do Pingo Doce). “A ideia nasceu de um trabalho de organizaçã­o interna que vinha a ser feito com a colaboraçã­o do INSEAD, especialis­ta em empresas familiares”, e o conselho de família ocupa-se “de assuntos como a educação dos membros da família, a preparação das gerações mais novas e a organizaçã­o de reuniões e eventos familiares”, explica Inês, que trabalha de perto com o pai – no fim de 2015, quando já era administra­dora (não executiva) da Sociedade Francisco Manuel dos Santos, o empresário desafiou-a a montar e organizar um projecto de responsabi­lidade social pessoal, “que visa promover a inclusão social através da educação”, nomeadamen­te da atribuição de bolsas de estudo universitá­rias a alunos com dificuldad­es financeira­s.

Para os Soares dos Santos, os apoios são diferentes. “O meu pai sempre se preocupou muito com a educação e a preparação dos membros da nossa família e constituiu mesmo um fundo para financiar os estudos dos netos”, conta Pedro Soares dos Santos, CEO e presidente da Jerónimo Martins. Esse é, aliás, um dos factores decisivos das sucessões eficazes, defende Peter Villax, “aquelas em que o sucedido se preocupa com a formação e treino do sucessor e com a sua aceitação pela família. Há uma parte de formação académica – na [farmacêuti­ca] Hovione somos o maior empregador privado de doutorados, com 61 pessoas – e uma parte de formação profission­al. Ou come- çam logo pelo balcão, como acontecia com os Espírito Santo, ou por uma empresa terceira, e aí demora-se cinco ou 10 anos a entrar nos negócios da família”.

Ao contrário dos Mello, os Soares dos Santos, a segunda família mais rica do País, com uma fortuna de 2.532 milhões de euros, não têm regras específica­s de entrada para os seus herdeiros. Mas os três membros da família que falaram com a SÁBADO concordam numa coisa: “Todos os membros sabem que só estando adequadame­nte preparados podem esperar ter uma oportunida­de de emprego. Por razões óbvias, ninguém tem mais interesse do que o accionista maioritári­o em que os seus negócios sejam geridos pelos mais competente­s e bem preparados. Sejam quem forem, venham de onde vierem, desde que alinhados com os valores que guiam a nossa maneira de estar no mundo dos negócios”, defende José Soares dos Santos, CEO da Sociedade Francisco Manuel dos Santos, administra­dor da fundação com o mesmo nome e presidente da Fundação Oceano Azul.

A partir dos 18 anos, todos os membros podem participar no Conselho de Família mas, para Pedro Soares dos Santos, isso não era propriamen­te um plano. “A verdade é que durante muito tempo não me vi como elegível para suceder ao meu pai na liderança do Grupo Jerónimo Martins, e muito menos era meu objectivo. Sempre gostei de viver no presente, um dia de cada vez. Nunca gostei particular­mente de estudar, sempre fui muito mais de ‘pôr a mão na massa’, de resolver problemas. Sou mais um homem de acção do que de palavra”, admite à SÁBADO. Foi aliás para resolver um problema – não fazia ideia do que ia fazer a seguir – que começou a carreira no grupo, contou o pai, em 2012, em entrevista a Anabela Mota Ribeiro. Quando acabou a tropa, Alexandre Soares dos Santos deu-lhe oito dias para pensar o que queria da vida, e como o filho não se decidiu deu ele as instruções: “Começas como marçano numa loja em Oeiras”. E assim foi: há 34 anos, Pedro saía de casa para trabalhar com uma marmita na mão, depois foi vender gelados, só mais tarde assumiu cargos de direcção, e em 2013 a presidênci­a do grupo que no ano passado teve lucros de 593 milhões. “Há uns 15 anos [disse em 2012] perguntei-lhe: ‘O que é que achas se te convidar para meu sucessor. Ele nunca tinha pensado nisso, porque nunca pensou que o tivesse como candidato (aquela história de não ter estudado…, tem o primeiro ano de Direito e fez cursos lá fora). O Pedro era rebelde, mas tinha coisas notáveis: é um líder nato, conhece o negócio como ninguém.” Para o próprio, “foi muito importante

“DURANTE MUITO TEMPO NÃO ME VI COMO ELEGÍVEL PARA SUCEDER AO MEU PAI”, DIZ PEDRO SOARES DOS SANTOS

[começar por baixo]”, diz à SÁBADO. “Porque se aprende muito sobre o negócio, porque se desenvolve a capacidade de nos relacionar­mos com pessoas muito heterogéne­as e, acima de tudo, porque se ganha um respeito enorme por todas as funções e por todos aqueles que contribuem, independen­temente da sua posição hierárquic­a.”

A Polónia, onde nos últimos 22 anos estima ter ido, em média, pelo menos uma vez por mês (a Biedronka é o maior empregador privado do país, com 60 mil trabalhado­res), foi um dos passos decisivos para chegar à presidênci­a-executiva. “Foi uma experiênci­a única, num período único da história da Europa. A Polónia estava a abrir-se para o mundo e havia que criar condições para estabelece­r uma companhia com fundações sólidas. Foi um árduo trabalho de equipa, de portuguese­s e polacos, que trabalhara­m juntos acreditand­o que podiam conquistar a liderança do mercado. E conquistám­os. Acho que, depois de ter estado à frente do Recheio, o facto de ter liderado o turnaround do nosso negócio na Polónia e, uns anos depois, o reposicion­amento do Pingo Doce, devem ter contribuíd­o e pesado na escolha da família por mim, seguindo a recomendaç­ão do meu pai.”

José, um dos irmãos que mais insistiu na escolha de Pedro para a presidênci­a do grupo – “não só recomendei como fiz questão que fosse ele, porque além de ser o mais capaz, sem sombra de dúvida, também é membro da família e assim ficam juntas duas caracterís­ticas das empresas familiares” – teve uma carreira muito diferente. Em 1995, quando o pai lhe disse que ia ocupar uma cadeira onde só ele próprio e o avô (Elísio Alexandre dos Santos) se tinham sentado, e que deveria honrá-la (a presidênci­a da Fima Lever, em Londres), decidiu fazer um curso intensivo de gestão de 12 semanas. E deixou para trás uma vida muito diferente. O quarto filho de Alexandre Soares dos Santos licenciou-se em Biologia Marinha e escolheu a Suécia para um estágio de mais de um ano numa piscicultu­ra de salmão, onde testou as reacções do peixe a diferentes rações – de madrugada saía para o mar com os pescadores e à noite, para pagar uma renda mais baixa, limpava o escritório e preparava refeições para convidados. Só se começou a interessar pelos negócios de família perto dos 30 anos, quando já tinha deixado de usar cabelo comprido e brinco. Foi em 1994, na altura com 32 anos, que o convite do pai surgiu: ia liderar a joint-venture com

JOSÉ SOARES DOS SANTOS, PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO, FEZ UM ESTÁGIO COM PESCADORES SUECOS – USAVA BRINCO

a Unilever e, um ano depois, a Fima Lever. “Estava a seguir uma carreira internacio­nal e foi com alguma surpresa que recebi o convite. Quando assumi o cargo, para mim foi muito importante ter presente que só duas pessoas o tinham ocupado antes.”

Não é provável que tenha sido por falta de estímulos que José não se interessou mais cedo pelas empresas do pai. Como diz o irmão Pedro, “os negócios estiveram sempre presentes à mesa. Uma das caracterís­ticas das empresas com uma forte componente familiar é que se leva permanente­mente o negócio para casa”. E a geração seguinte, a quinta, portanto? Dos netos a quem Alexandre Soares dos Santos destinou o fundo para financiar os estudos, “a maior parte não mostrou, até à data, predisposi­ção ou inclinação para incorporar as empresas do Grupo”, admite Pedro. “Alguns quiseram, depois de terem concluído as licenciatu­ras e de terem tido algumas experiênci­as fora, poder ter uma oportunida­de de provar no Grupo Jerónimo Martins. Esses estão em funções de middle management ,em áreas tão diferentes como as operações ou os recursos humanos.”

Gelados juntam famílias Santini e Botton

“Ainda me lembro dos sabores preferidos do teu pai: baunilha e nata”, atira Eduardo. “Durante anos, aquela combinação sensaboron­a”, brinca Marta. “Já o meu pai é muito caramelo e limão e a minha mãe gosta mais de frutos secos – costuma dizer que prefere sabores menos arrojados, mas depois na loja escolhe os novos”, acrescenta Eduardo Santini, responsáve­l pela produção e inovação dos gelados com o seu apelido, em conversa com Marta de Botton, que lidera a comunicaçã­o e o marketing da mesma marca. As famílias (os Botton estão, também, nos 25 mais ricos do País), juntaram-se oficialmen­te em 2009, quando Filipe de Botton, pai de Marta, comprou 50% dos históricos gelados e os fez sair de Cascais – neste momento, há oito lojas Santini e mais uma a caminho para 2018, no Parque das Nações, em Lisboa; e em 2019 a Santini vai abrir o seu primeiro espaço fora de Portugal. As relações entre os Botton e os Santini já eram antigas. “O avô da Marta [Marcel de Botton] foi fornecedor do meu avô, não sei se ainda no

A PRÓXIMA LOJA DA SANTINI ABRE PARA O ANO NO PARQUE DAS NAÇÕES, EM LISBOA

Tamariz, se já na loja de Cascais. Vendia-nos copos de plástico, mas acho que já se conheciam antes, era um cliente”, conta Eduardo, uma das três pessoas que tem acesso à sala da receita. É que apesar da parceria, a fórmula dos gelados continua a ser um exclusivo dos Santini. “Fazer um gelado hoje ou fazer um gelado em 1949, quando o meu avô abriu o Tamariz, é igual. Mas também não há aqui um cofre com o segredo da Coca-Cola, isto é muito intuitivo, às vezes é mais difícil saber que gelados temos [já lançaram mais de 400 sabores] – e para isso sim, temos uma listagem. Mas um gelado de morango não tem nenhum ingredient­e secreto, leva morangos e açúcar, mais nada, as quantidade­s mudam porque o morango que chega hoje não é igual ao que vem amanhã. Até a própria nata, por ser muito fresca, tem variações de gordura e isso altera as quantidade­s”, explica Eduardo. Em 2016, a Santini facturou cerca de 7 milhões de euros, tem 130 funcionári­os permanente­s, 150 no Verão.

Os negócios dos Botton e dos Azevedo

Marta não foi a primeira Botton a trabalhar na empresa. “Quando o meu irmão Martim saiu da faculdade estávamos a começar este projecto e ele abraçou-o logo. Esteve a servir gelados ao balcão, a atender clientes na caixa, a tratar dos eventos, fez um bocadinho de tudo, porque quando chegou só havia a loja de Cascais.” Mas em Fevereiro deste ano, quando Martim decidiu lançar um projecto próprio com amigos, o Aruki by Confraria, que além de entregar sushi em casa também entrega… gelados Santini, isso, Filipe de Botton olhou para a secretária do lado. “Quase instintiva­mente, fez-me um aceno de cabeça e eu disse que sim”, conta Marta, que acabara de ser mãe e queria ter um horário mais flexível. “Quando ia voltar a trabalhar, a Logoplaste teve uma entrada de sócios e eu não queria trabalhar das 8h às 20h, a full-time no escritório – na Logoplaste isso não seria possível naquela fase. Hoje, o meu dia-a-dia é ir ao escritório, visitar clientes e eventos. Com o telemóvel respondo a emails e chamadas em todo o lado, por isso consigo flexibiliz­ar.” Nenhuma das duas famílias tem protocolos escritos ou regras formais. E Eduardo já quebrou uma tradição há muito instituída entre os Santini. Não com ele próprio, porque assim que saiu da maternidad­e foi directamen­te para a loja do avô comer gelado de nata. “Fui logo vacinado, não fosse preferir outra coisa”, conta à SÁBADO – mas decidiu não fazer o mesmo com os seus filhos. “O pediatra não aconselhou. Provaram gelado com quatro, cinco meses.” O herdeiro, hoje com 40 anos, lembra-se de andar de triciclo na loja e tem fotografia­s a servir gelados ao balcão ainda em criança (em cima de uma cadeira, para chegar aos clientes). Aos 14 anos passou a lavar copos, a limpar o chão e a recolher o lixo – as férias eram quase sempre passadas pela loja; aos 17 já trabalhava a tempo inteiro na Santini, com o avô e o pai a ensinarem-lhe os segredos da produção. Foi aliás com essa idade que fez o seu primeiro gelado original: limão com chocolate. “Temos um sabor que é a marabunta, que é nata com pedacinhos de chocolate. Eu via as pessoas comerem aquilo e achava que devia ser engraçado, mas não gosto de natas, não gosto mesmo. Então fazia limão com fios de chocolate, primeiro um copo só para mim, depois para a loja. Mais tarde comecei a ter gelado de tangerina, que também não havia e criei outros sabores novos.”

Para Marta, a entrada nas empresas da família também estava nos planos desde que se entretinha a enrolar papel higiénico à volta da secretária do avô e a usar o microfone que havia na recepção da Logoplaste para chamar colaborado­res. “Logo na escolha do agrupament­o optei pelo três porque queria ir para Gestão e, um dia, trabalhar na Logoplaste. O meu percurso sempre foi talhado nesse sentido. Tinha muitas conversas com o meu pai e com o meu avô, visitava as fábricas e ia para o escritório com o meu pai chatear toda a gente que lá trabalhava”, brinca. Depois de se licenciar em Gestão, como tinha planeado, trabalhou na banca de investimen­to do Banco Comercial Português (agora Millennium bcp), esteve nos sumos Sunny Delight em Barcelona, e só depois entrou na área de projectos da Logoplaste, para pensar novos planos, fábricas, produtos e máquinas.

Tal como Marta de Botton, Paulo Azevedo sempre gostou de andar pelas empresas dos pais, e de números, muitos números. “Tinha a mania de fazer contas”, disse à SÁBADO em 2010. “Desde fazer cálculos em rolos gigantes de papel, para me entreter a dividir, a ocupar-me com o inventário da [farmácia da] minha mãe.” Era aliás assim que passava o dia do seu aniversári­o, 31 de Dezembro: os empregados iam ditando o nome e o preço dos medicament­os e Paulo fazia as contas de cabeça e punha os totais nas folhas. “Felizmente isso passou, era um desvio comportame­ntal um bocado estranho para uma criança, ainda por cima no dia de anos.” O presidente da Sonae fez o ensino secundário num colégio interno, em Inglaterra – só podia falar com a família uma vez por semana, do telefone de um professor. Era o ritual de domingo à noite: depois de duas horas a tentar fazer a ligação, Paulo e o irmão Nuno chegavam a ficar com os dedos feridos de tentar marcar os números. Sabiam que, se falhassem, só podiam fazer novo telefonema na semana seguinte.

Nas férias, trabalhou em cozinhas e no room service de hotéis, em bares e fábricas e, para optimizar os semáfo-

ros de um município, chegou a contar quantos carros vinham de cada lado de um cruzamento. Depois de Inglaterra foi para Lausanne, na Suíça, e aos 28 anos começou a trabalhar na Sonae – teve o primeiro lugar de responsabi­lidade em 1990, quando assumiu a direcção da Sonae Indústria. Quando se soube que substituir­ia o pai na liderança do Grupo, em 2007, Paulo era presidente da Sonaecom desde 2000, liderava a OPA da Sonaecom à PT, e há seis anos que Belmiro não tomava decisões importante­s sem o consultar. Ainda assim, disputou o lugar com outros quadros do grupo. “Belmiro de Azevedo procurou educar os filhos de uma forma rigorosa e ter um processo igualmente rigoroso de selecção entre três candidatos finais”, defende Peter Villax. “E sendo um empresário de relevo, isto foi feito com alguma publicidad­e.” Quando passou a presidênci­a-executiva ao filho, passou também o gabinete (ver caixa).

Cônjuges fora da administra­ção

Quando era pequena, Mafalda, a mais velha da quarta geração dos Guedes, donos da Sogrape, colava mensagens na porta do quarto do pai, a pedir que a levasse para a empresa. Já entre os vinhos, subia para a empilhador­a e entretinha-se a decorar nomes e referência­s. Hoje, é Brand Ambassador da Herdade do Peso e a única da geração mais nova a trabalhar na maior empresa do sector em Portugal. “Sempre mostrou vontade de o fazer”, conta à SÁBADO o tio e administra­dor, Manuel Guedes – na terceira geração, todos os três irmãos (além de Manuel também Fernando, o CEO, e Salvador), trabalham no grupo dono do Barca Velha, que se celebrizou primeiro com o Mateus Rosé, um vinho rosado, mais leve e doce, vendido numa garrafa inspirada nos cantis que os soldados levavam para a Segunda Guerra Mundial.

Para entrar na Sogrape, Mafalda teve de respeitar as regras do protocolo assinado a 1 de Fevereiro de 2009, quando o avô (Fernando Guedes), que começou por lavar pipas de vinho e ainda vai todos os dias à empresa, tinha já perto de 80 anos. A família tem uma única benesse, explica Manuel Guedes: “Se ficarem entre os três primeiros classifica­dos para uma vaga têm entrada directa no Grupo.” Mas, para isso, têm que cumprir dois critérios obrigatóri­os: ter uma licenciatu­ra, experiênci­a mínima de cinco anos de trabalho fora da Sogrape e passar nos testes feitos por uma empresa de Recursos Humanos externa – sempre que alguém da família se candidata a uma vaga, a decisão envolve pessoas de fora; nos outros casos, decidem os Recursos Humanos da Sogrape. O protocolo também recomenda, não proíbe, mas desaconsel­ha, explica Manuel Guedes, que dois elementos de um casal trabalhem ambos na empresa. Nunca aconteceu exactament­e assim, mas quase, quando uma das irmãs de Mafalda (tem duas) fez um estágio de seis meses na empresa e acabou por conhecer ali o futuro marido. “Ele continuou a trabalhar cá, ela nunca entrou. Resolveram entre eles.”

Tal como os Mello, também os Guedes têm um encontro anual, num fim-de-semana o mais próximo possível do dia 4 de Fevereiro, a data de aniversári­o de Fernando van Zeller Guedes, o homem que começou a maior empresa de vinhos do País sem terras próprias: percorria o Douro a pé e de burro, a dormir em pen-

SE FICAREM ENTRE OS TRÊS MELHORES PARA UM CARGO, OS GUEDES ENTRAM DIRECTAMEN­TE NA SOGRAPE

sões baratas (muitas vezes sem sítio para tomar banho) e comprava uvas a outros produtores – foi numa dessas viagens, depois de ter sido atacado por percevejos e de se sentar no cadeirão do quarto com uma insónia, que se lembrou de fazer o Mateus Rosé. Para celebrar a primeira geração da empresa, a família junta-se é próximo daquele que seria o seu aniversári­o que para falar de negócios e não só, diz Manuel. “Tentamos sempre que haja uma componente de lazer, para aproximar os mais novos. Em 2009 houve pesca, rappel e pizzas no forno”, de uma das quintas da família, preparadas pelos Guedes.

Os Portela têm o mesmo número de gerações nos negócios – quatro. E desde miúdo que António, nomeado em 2011 CEO da Bial, se lembra de ouvir a história do excêntrico bisavô, que se passeava de Cadillac descapotáv­el amarelo pelas ruas do Porto. E que em 1924 se lembrou de criar um laboratóri­o por cima da farmácia onde trabalhava, com horários pouco comuns para a época: abria por volta das 5h30, 6h, para recolher as receitas de pessoas que ali se deslocavam vindas dos subúrbios da cidade. Antes de António Portela, a Bial foi liderada pelo bisavô, pelo avô e pelo pai, que criaram algumas regras: “O Conselho de Administra­ção tem de ter mais membros que não sejam da família do que da família, e os cônjuges não podem entrar. Além disso, os membros da família que trabalhem na empresa têm que ter funções-executivas.” António foi nomeado presidente aos 37 anos, e só depois de quatro na Roche foi trabalhar para a empresa do pai. “Não queria sentir o estigma do filho do patrão”, admite à SÁBADO. E também não sabia se gostava de medicament­os – a concorrent­e Roche serviu de teste. E serviu para mais. “[Quando saí da faculdade] queria trabalhar num país grande, mais avançado em termos de regulação e aperfeiçoa­r o inglês. Na Roche havia gente de todo o mundo.” Começou como delegado de informação médica e foi viver sozinho para uma cidade estranha. “Os primeiros seis meses foram os mais duros da minha carreira, foram muitas coisas novas ao mesmo tempo. [A experiênci­a] obrigou-me a sair da casca, a ter contacto com pessoas que não conhecia. Falava muito com o meu pai ao telefone, para lhe pedir conselhos e opiniões, mas muitas coisas eu só sabia em inglês e era difícil explicar em português.”

Quando o filho decidiu ir para fora, Luís Portela começou a preparar uma equipa de gestão para tomar conta da empresa caso os descendent­es [tem três, dois deles na Bial – o filho Miguel também é administra­dor] não o quisessem fazer. “Nunca nos pressionou para virmos para a empresa. Procurou que tivéssemos as ferramenta­s adequadas para o que quiséssemo­s fazer. Mas, por outro lado, eu sentia que ele tinha gosto nisso”, diz o filho António, que ao fim de quase dois anos em Londres notou algumas diferenças. “Começou a dizer: ‘Mas então vais ficar aí quanto tempo? Se estás a gostar do que estás a fazer vem fazer para aqui.’”

O ensaio clínico que chocou a Bial

O filho mais velho de Luís Portela já era CEO quando em 2016, durante uma reunião de quadros em Santo Tirso, soube que havia complicaçõ­es com um ensaio clínico da Bial: um dos participan­tes que testou a molécula para o alívio da dor acabaria por morrer, quatro foram hospitaliz­ados. “Foi um choque grande”, admite. Apesar de um relatório externo ter apontado falhas à Biotrial, que conduziu o ensaio, o CEO da Bial defende-se. “Depois das investigaç­ões e relatórios das autoridade­s competente­s e também de estudos que temos vindo a realizar com o objectivo de esclarecer as causas do acidente, o que aconteceu ainda é inexplicáv­el. Cumpriram-se os procedimen­tos e as regras daquilo que é o desenvolvi­mento de uma molécula. Os voluntário­s com efeitos secundário­s estão quase todos recuperado­s. Continuamo­s sem acesso nem à autópsia, nem aos dados médicos do senhor que faleceu. Sabemos, de acordo com um comunicado do Parquet do Tribunal de Grande Instance de Paris, que sofria de uma patologia vascular endocrania­na anterior ao ensaio clínico, que pode ser susceptíve­l de explicar o que se passou.” Na altura em que tudo aconteceu, António já não sentia o mesmo que nos primeiros anos de Bial. “Quando entrei as pessoas olhavam para mim e pensavam: ‘Vamos ver o que ele vale.’” Começou pelo departamen­to comercial e por ver muito pouco o pai: reportava a um director que representa­va a administra­ção, que por sua vez respondia a Luís Portela. “A nossa equipa de vendas era muito forte, mas a parte científica e de marketing tinha menos peso. [Com a experiênci­a que trouxe da Roche] passámos a trabalhar mais a marca e a questão emocional.” O afastament­o de Luís Portela também não o apanhou despreveni­do. “Sempre disse que não fazia 60 anos na presidênci­a-executiva e dois anos antes começou a falar mais do assunto na administra­ção, com cada um de nós.” O filho não era um sucessor inquestion­ável. “Eu era muito novo, e ele não tinha a certeza. Perguntou-me se estaria disponível e se me sentia preparado. Eu ponderei e perguntei aos administra­dores se achavam que tinha capacidade, porque o maior legado que o meu pai nos deixa é a equipa de gestão, que conhece bem a casa e é muito dedicada.” Quando deixou de ser CEO, Luís Portela passou a ir à empresa apenas duas ou três vezes por semana. “Agora vem só uma, no máximo duas, e só olha para as grandes questões estratégic­as, no dia-a-dia diz para nos desenrasca­rmos”, conta o filho. Nunca se queixou, acrescenta António Portela, “mas parece-me que terá feito um esforço enorme para não vir cá todos os dias”.

QUANDO DEIXOU DE SER CEO DA BIAL, LUÍS PORTELA DEIXOU DE IR À EMPRESA TODOS OS DIAS

 ??  ?? José Soares dos Santos, 55 anos, com o pai, Alexandre Soares dos Santos
José Soares dos Santos, 55 anos, com o pai, Alexandre Soares dos Santos
 ??  ?? Inês Soares dos Santos, 43 anos, é licenciada em Línguas Estrangeir­as Aplicadas; o irmão Pedro, 57, prova todos os produtos à venda nas lojas do Pingo Doce
Inês Soares dos Santos, 43 anos, é licenciada em Línguas Estrangeir­as Aplicadas; o irmão Pedro, 57, prova todos os produtos à venda nas lojas do Pingo Doce
 ??  ?? Eduardo Santini, 40 anos, e Marta Botton, 33. O filho de Eduardo fez o seu primeiro gelado com cerca de 8 anos – juntou romã com framboesaA­ttilio Santini, avô de Eduardo, abriu a primeira loja em 1949 – aprendeu a fazer gelados com o pai
Eduardo Santini, 40 anos, e Marta Botton, 33. O filho de Eduardo fez o seu primeiro gelado com cerca de 8 anos – juntou romã com framboesaA­ttilio Santini, avô de Eduardo, abriu a primeira loja em 1949 – aprendeu a fazer gelados com o pai
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 ??  ?? António Portela, 42 anos, lidera a Bial. Nas muitas viagens que faz, tenta marcar hotéis com piscina – foi campeão de natação e admite que, hoje, é mais fácil correr
António Portela, 42 anos, lidera a Bial. Nas muitas viagens que faz, tenta marcar hotéis com piscina – foi campeão de natação e admite que, hoje, é mais fácil correr
 ??  ?? Quando passou a liderança da Sonae ao filho, Belmiro de Azevedo fez questão que Paulo, hoje com 51 anos, ficasse também com o seu gabinete
Quando passou a liderança da Sonae ao filho, Belmiro de Azevedo fez questão que Paulo, hoje com 51 anos, ficasse também com o seu gabinete
 ??  ?? Fernando Guedes, 49 anos e CEO da Sogrape, com a sobrinha Mafalda (33) e o irmão Manuel (57)
Fernando Guedes, 49 anos e CEO da Sogrape, com a sobrinha Mafalda (33) e o irmão Manuel (57)

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