SÁBADO

FAÇO MAIS DE METADE DO VINHO DA REGIÃO

JAIME QUENDERA ENÓLOGO OS SEUS VINHOS JÁ GANHARAM QUASE 2 MIL PRÉMIOS, É ENÓLOGO EM 15 CASAS DIFERENTES E COMEÇOU A FAZER VINHOS COM O AVÔ E O PAI. AFIRMA QUE CONSEGUE DISTINGUIR OS VINHOS PORTUGUESE­S DOS ESTRANGEIR­OS SEM DIFICULDAD­E.

- VANDA MARQUES

Sentado no seu gabinete, rodeado de prémios e tendo como música ambiente o som das garrafas na linha de engarrafam­ento, Jaime Quendera desmistifi­ca os cuidados extremos que os enólogos têm de ter com o paladar. Com 48 anos, é ele que faz vinho em 15 casas diferentes e diz que isso não prejudica a concorrênc­ia. Este ano, na Adega de Pegões, onde é enólogo e gerente, devem chegar aos 18 milhões de euros de facturação, com uma produção de 14 milhões de garrafas. Natural do Poceirão, começou a fazer vinho com a família, mas confessa que quando herdou a vinha do pai não pensou continuar. “Não tenho tempo para fazer o meu vinho, talvez com 80 anos.”

Como é que se trabalha numa adega e ao mesmo tempo na sua concorrênc­ia?

Desde 2007 que não aceito mais, não posso deixar ninguém pelo caminho. O problema é que quando peguei neles eram pequenos, não fazia mal. Quando peguei na Ermelinda, ela não vendia uma garrafa de vinho. Agora... Mas não estou sozinho, tenho uma empresa com quatro funcionári­os que sabem o que fazem. Tenho um laboratóri­o próprio que controlo, não dependo de ninguém. Quando comecei na Ermelinda, Pegões vendia 1 milhão. Agora, Pegões deve chegar este ano aos 18 milhões, e a Ermelinda aos 20 milhões. Não fiz mal a ninguém, pois não? Cresceram os dois. Se não houvesse concorrênc­ia, se calhar não era assim.

Porquê?

Repare na região de Bordéus, em França, eles vendem 300 milhões, são muitos produtores e cabem todos. Nós aqui produzimos 40 milhões de litros e há quatro empresas com 90% da produção. Temos é de ter mais. A concorrênc­ia ajuda a divulgar a região. Por exemplo, vamos à Holanda e pedem-nos mais vinho, mas temos exclusivid­ade com uma casa e não podemos, aconselham­os outro produtor da região.

Quando começou na Adega de Pegões?

A adega contratou um enólogo consultor, o João Portugal Ramos, em 1992, e ele pediu um enólogo assistente, para ficar cá, e vim eu que estava a acabar o curso. Já fazia vinho com o meu pai e o avô, mas quer saber porque é que fui estudar?

Porquê?

Toda a família dependia do vinho, mas não se controlava o processo. Um ano corria bem, tudo óptimo. No outro corre mal, tudo a pedir dinheiro ao banco... Não pode ser assim. Custava-me sempre a compreende­r como é que estávamos a trabalhar o ano inteiro para depender de uma análise. Temos de controlar o processo, temos de perceber o que estamos a fazer para sabermos se está bem ou não. Não podemos estar a viver assim.

Recordo-me dos momentos das análises, quando ligava o Sr. Costa e ficava tudo a tremer. Foi por isso que fui estudar vinho. Mas aprendi muito com o trabalho e com o João Portugal Ramos, um grande enólogo. Depois criei a minha própria maneira de ser e hoje faço mais de metade do vinho da região. Faço aqui, na Quinta do Alcube, no Filipe Jorge Palhoça, na Ermelinda de Freitas...

Como conheceu Leonor Freitas?

Éramos daqui da terra, vivíamos a sete quilómetro­s e não nos conhecíamo­s. Em 1997, vou com um colega, o Ricardo Dias, para a França. Ele dizia-me: “Tens de ir à maior feira do mundo de vinhos em Bordéus.” Ia como particular, nessa altura nem Pegões exportava. Estava tudo esgotado e levámos um Peugeot 204 e uma tenda para acampar. Não conhecíamo­s nada daquilo. Olhe, logo no primeiro hotel tinham lugar. Como ele é primo da dra. Leonor [Freitas], encontrámo-nos, e tal como nós, ela não conhecia nada. Andámos a ver châteaux [adegas]. Falámos muito e fiquei a saber que ela estava com um projecto de mudar a adega. Ela acreditou em mim, e em 1998 comecei a fazer vinho para ela.

Até hoje. Como é a vossa relação de trabalho?

Estamos muito em sintonia. A nossa ideia é que temos de apostar na qualidade e passar a mais-valia às pessoas. Queremos que comprem e voltem a comprar e digam aos amigos. Queremos ganhar o que é justo e crescer sempre. São os três Bês: bom, barato e bonito. Esta é a região que mais cresceu nos últimos 10 a 15 anos, temos bons vinhos a bom preço.

Sempre soube que queria trabalhar nesta área?

Podia dizer que a ideia nasce por causa do meu pai, do meu avô, a verdade é que sempre me fascinou e sempre soube que gostava disto. Faço 13 horas por dia de trabalho e não me custa. No iní- cio, tinha o meu laboratóri­o sozinho. Saia às 22h da adega, chegava ao laboratóri­o e tinha à minha espera umas 20 pessoas. Acabava as análises à 1 da manhã e ainda me aparecia a doutora [Leonor] com garrafas de vinho para analisar. Iam às 2h da manhã para a adega, ela e o marido, e às 7h iam trabalhar. Se não se gostar do que se está a fazer, não se consegue. Isto é fascinante. Também gosto de ver as tendências, as modas. Quer um exemplo?

Sim.

Há 12 anos criámos um vinho light, nem havia legislação em Portugal. Um sucesso. Correu bem até que há cinco anos veio aí uma lei e agora chama-se ligeiro. Porque é que fiz isso? Era a tendência de menos calorias. Por exemplo, em Inglaterra são as senhoras que bebem vinho e querem coisas leves e delicadas, não é coisas abrutalhad­as, como os homens. Vi que tinha mercado. Nessa altura, cheguei a um hipermerca­do e disse: “Vamos começar a vender rosé.” A resposta foi: “Isso não vende nada.” Só nesse ano, nessa cadeia vendemos 300 mil garrafas.

O que é mais importante num enólogo?

O enólogo é paladar. Três enólogos diferentes chegam aqui a esta adega e fazem três vinhos diferentes. Porque depende muito com quem se aprende a provar. Como comecei a trabalhar com o João Portugal Ramos a minha base é essa. A minha cabeça calibrou. Mas treina-se e aprende-se. Lembro-me de ver um programa na televisão e aparecer um escanção a dizer: “Vou provar 10 vinhos e vou dizer o ano e a região.” Só errou um. Pensei, isto é uma aldrabice. E digo-lhe, hoje em dia, é tudo verdade.

Isso aconteceu-lhe?

Cada vinho tem uma caracterís­tica diferente. É muito difícil aparecer um vinho português que eu não saiba que é português.

O que distingue os vinhos portuguese­s?

São os mais cuidados hoje em dia. A enologia portuguesa é das mais avançadas porque consegue juntar a qualidade da uva, traz terroire elasticida­de que permite adaptação. Dá para fazer uma refeição de carne e ainda dá para um convívio. Não é excessivam­ente taninoso ou excessivam­ente doce. É um vinho que oferece a melhor relação preço-qualidade. Na gama de preço, por exemplo, de 5 euros, o melhor vinho é o português.

É verdade que os enólogos têm de ter cuidados especiais com o palato, não beber bebidas quentes?

Isso é mariquice. É lógico que posso beber chá quente, até posso fumar – 80% dos enólogos fumam. Não há coisa mais agressiva para o palato do que os vinhos e provamos 50 por dia. Se assim fosse, destruíamo­s o palato. Na verdade, o palato adapta-se.

FOMOSÀ MAIOR FEIRA DEVINHOS DO MUNDO, BORDÉUS, NUM PEUGEOT204 ECOMUMA TENDA PARA ACAMPAR A FAMÍLIA DEPENDIA DO VINHO, MASNÃO CONTROLAVA OPROCESSO DEPRODUÇÃO. NÃOPODE SERASSIM APOSTAMOS NA QUALIDADE EPASSAMOSA MAIS-VALIA ÀSPESSOAS. QUEREMOS GANHAROQUE ÉJUSTO. SÃO OSTRÊSBÊS: BOM, BARATO EBONITO”

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Com 48 anos, o enólogo nasceu no Poceirão e sempre viu a família a fazer vinho. Começou a trabalhar com João Portugal Ramos

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