Mortes, pobreza e desilusões
O novo treinador do FC Porto, que não vira nunca a cara a uma polémica, teve um passado duro. A perda dos pais e as origens humildes deixaram marcas na sua vida. Conheça a história
Sérgio Conceição, de 42 anos, é a grande aposta de Pinto da Costa para comandar o FC Porto nas próximas duas épocas. Ainda os treinos não começaram e o novo técnico dos dragões já avisou os jogadores que é bom “que não se acomodem” e que, “com este balneário, têm que ganhar”.
Durante a sua carreira como jogador, Sérgio criou muitas inimizades no mundo do futebol. Os críticos dizem que é uma pessoa “arrogante”, mas foi de forma dócil e sensata que o míster abriu o seu coração à TV Guia e, sem se recusar a responder a uma única questão, contou o passado difícil que o leva a ter esta postura mais dura perante a vida. Desde as mortes dos pais, quando tinha apenas16 e 18 anos, às dificuldades financeiras e a revolta pela forma como foi “obrigado” a deixar a Selecção Nacional, na altura, ao comando de Luiz Felipe Scolari. O que o salvou? A fé. É um homem que depositou toda a sua confiança em Deus e que “se sente preenchido” com aquilo queéa sua fé. Hoje, é um homem feliz ao lado da mulher, Liliana, com quem sempre partilhou a vida e casou aos 17 anos, e com os cinco filhos: Sérgio, de 20 anos, Rodrigo, de 16, Moisés, de 15, Francisco, de 13, e o pequeno José, de 2.
ÓRFÃO NA ADOLESCÊNCIA
“Tive uma infância muito difícil.” É assim que Sérgio Conceição começa por falar do seu percurso de vida. Com apenas 16 anos, o actual técnico dos dragões perdeu o pai, num trágico acidente de mota, um dia depois do ex-futebolista ter vestido pela primeira vez a camisola do FC Porto como jogador. Dois anos depois, faleceu a mãe. “Perdi os meus pais muito jovem. Tinha 16 anos quando perdi o meu pai e 18 quando perdi a minha mãe. Foi um golpe duro, porque sou de famílias extremamente humildes e foi difícil”, relembra. E continua: “Era como todos os jovens adolescentes, cheio de sonhos e
toda essa dificuldade fez com que me revoltasse com a vida a própria vida. Não foi um momento nada fácil.”
É com muita saudade e amor que o antigo internacional português memoriza os seus progenitores. “Éramos oito irmãos e não era nada fácil. Eram pessoas bastante humildes que trabalhavam para sustentar uma família numerosa. Houve momentos muito complicados.”
Na fase mais difícil da sua vida, Sérgio Conceição confessa que foi a fé em Deus que o salvou e que não o deixou cair num abismo. “Sou crente, a religião, para mim, foi extremamente importante naquilo que foi o meu equilíbrio, o meu crescimento e tudo aquilo que foi a educação dos meus pais, à maneira deles.”
Ainda hoje é a religião que guia a convicção e o futuro do treinador. Um valor es-sencial à sua vida e que fez questão de transmitir aos cinco filhos, desde cedo. “Todos os dias me agarro a Deus. Ao domingo, vou à missa, sou praticante, com muito orgulho. A religião faz parte da minha vida e da dos meus filhos. Incuto-lhes esse meu estado de espírito, Sentimo-nos preenchidos com aquilo que é a nossa fé. Respeito toda a gente que não tem a mesma opinião e que acham que há outro caminho a percorrer. Mas, para mim, é essencial.”
O DISCRETO SOLIDÁRIO
As dificuldades por que passou fizeram com que Sérgio Conceição se tornasse um homem que não consegue virar costas a causas solidárias, que faz questão que nunca sejam divulgadas. As principais instituições que apoia são na terra que o viu nascer. “Ajudo, há muitos anos. Tenho alguns centros que ajudo em Coimbra. São coisas feitas de coração, que sinto necessidade de fazer.”
Um homem com um coração grande que não esquece o passado e que, por isso, não consegue passar ao lado da pobreza alheia. “Sentir que posso ajudar miúdos que estão na mesma situação que eu e
“Ao domingo vou à missa. A religião faz parte da minha vida e da dos meus filhos”
não o fazer é sentir que não estou a cumprir uma missão. Graças a Deus, posso ajudar, e faço-o com todo o gosto.”
Apesar de não ter pudores em fazer doações monetárias, o técnico confessa que prefere demonstrar a sua solidariedade de outra forma. “A maior parte das vezes não é com dinheiro, mas é com outro tipo de ajuda, que também é importante. Para esses miúdos, uma simples secretária, comprar uns livros, levar uns ténis... É uma felicidade enorme! A coisa mais bonita do mundo é ver esses jovens com um sorriso no rosto.”
Toda a sua história de vida faz com que – apesar de não passar qualquer dificuldade e de ter construído uma carreira que lhe permitiu arrecadar milhões de euros – Sérgio Conceição seja contido naquilo que dá aos filhos: “Sou um pai muito rigoroso. Eles têm metas e objectivos naquilo que fazem. Sou muito exigente nisso. Não sou o pai que dá sem ter nada em troca. É importante fazê-los sentir que as coisas não são fáceis. A minha família continua a ser bastante humilde, percebendo que dinheiro nenhum do mundo faz a diferença entre as pessoas. Orgulho-me deles serem humildes e simples na forma de estar.”
A ARROGÂNCIA E A AMBIÇÃO
É muitas vezes chamado de arrogante, mas em nada isso afecta a vida do treinador do FC Porto. Aliás, Sérgio Conceição desvaloriza qualquer crítica que lhe seja feita e justifica, mais uma vez, esta sua forma de estar com o seu passado e com o perfeccionismo que tem pela sua vida profissional. “O meu carácter foi formatado e ganhando forma com todas as dificuldades que passei. A maior parte das pessoas só me conhece da imagem que tem do Sérgio Conceição como jogador e agora como treinador, e não é bem aquela que sou e aquilo que vivo no meu dia-a-dia com a minha família e com os meus amigos.”
Questionado sobre o porquê desta postura, Sérgio Conceição é muito conciso e directo. “É fruto da minha ambição, da vontade de querer justificar sempre e de estar em dívida com tudo aquilo que os meus pais me fizeram. Tenho que os orgulhar sempre, durante a minha vida toda. É um objectivo que tenho e que consegui, com todas as dificuldades, como jogador e que agora quero conseguir como treinador.”