Fantasmas de África
O 28.º livro do escritor “não é o romance”. Quem o diz é o próprio, que revisita memórias dolorosas da Guerra Colonial
António Lobo Antunes acaba de dar ao prelo uma nova obra. “É um presente ensombrado pelos fantasmas da guerra de Angola”, refere a editora D. Quixote, responsável pela publicação. Para o escritor, trata-se de mais um processo de escrita, que, nas suas palavras, é-lhe fundamental, como assumiu numa rara entrevista ao jornal El Mundo. “Todos nascemos com uma ideia que não nos abandona nunca. Eu não tenho certezas, nem respostas. Só escrevo livros. Gostaria que mudassem o mundo, mas não vão mudar nada. Embora talvez sejam uma companhia, um prazer para algumas pessoas. Eu sou apenas um sujeito que escreve livros e espero morrer com a mesma inocência.”
Na mesma entrevista, também recordou os tempos que passou, já em prática de Psiquiatria, na Guerra Colonial, em concreto em Angola. “Vi gente a borrar-se de medo na guerra. E o espectáculo da covardia é horrível. Vi assim um tenente: todos os oficiais lhe davam pontapés e o insultavam e o tipo não fazia outra coisa a não ser chorar. A covardia, fisicamente, é feia. Reduz-te a um ser miserável, despojado de toda a dignidade de homem.”
SEM DIVERSÃO
Em Até Que As Pedras Se Tornem Mais Leves Que a Água, António Lobo Antunes revisita essas memórias. São lembranças duras, que afiança não serem romanceadas. “O meu trabalho é escrever até que as pedras se tornem mais leves que a água. Não são romances o que faço, não conto histórias, não pretendo entreter, nem ser divertido, nem ser interessante: só quero que as pedras se tornem mais leves que a água”, explica, em crónica na revista Visão.