Maus-tratos, MEDO e esperança
Aos 9 anos, sofreu com a morte do pai; com 10 foi entregue à Casa do Gaiato, por sofrer de violência doméstica e pela instabilidade financeira da mãe. Em adulto, adoptou dois irmãos, João e José, e reviveu todo o drama de criança. Ao longo do processo de
Tornou-se um ícone da televisão portuguesa, entre 1996 e 2000, quando, na RTP1, vestia a pele de menino Tonecas, em As Lições do Menino Tonecas. Mas, por detrás dos sorrisos e da arte de fazer rir, Luís Aleluia, de 57 anos, esconde um passado marcado por vários dramas familiares. Aos 9 anos de idade, o actor perdeu o pai, acontecimento que tornou os Natais, até ao dia de hoje, “dolorosos”. Aos 10, foi entregue à Casa do Gaiato por “sofrer de violência doméstica por parte do padrasto”, instituição da qual pensou em “fugir”.
Mas Luís Aleluia reencontrou o amor da sua vida, Zita, com quem partilha o seu dia-a-dia e com quem adoptou duas crianças, João e José, processo do qual pensou em desistir por medos e inseguranças. Todas estas confissões foram feitas em Alta Definição, a Daniel Oliveira. Uma história emotiva e contada na primeira pessoa.
APERDADOPAI
Com apenas 9 anos, Luís Aleluia sofreu com uma das maiores perdas da sua vida: a morte do pai. Apesar de não viver com ele, o actor não esconde a dor que sente. “Ele era funcionário da Câmara Municipal de Setúbal, mas estava ausente por doença”, começa por contar, relembrando depois os últimos momentos que passou ao lado do progenitor: “Ainda hoje os Natais me são dolorosos porque ele estava no hospital do Caramulo, que naquela altura tratava doenças de quem bebesse ou fumasse muito, diziam logo que
era tuberculose. Pediu ao médico para vir passar comigo o Natal, com o seu filho único. Passámos uma semana única, muito feliz, onde ele me fez as vontades todas. Quando terminou a semana, apanhou o comboio e faleceu.” Na entrevista à SIC, Luís Aleluia acredita que o pai sentia que estavam a chegar os seus últimos dias. “Houve quase ali um pronúncio de despedida do filho. Isso fez com que toda a minha vida se virasse e eu tomasse consciência. Não percebi logo o que era uma morte.”
“A MINHA MÃE APANHOU MUITAS VEZES”
Um ano depois de ter passado por este sofrimento que até hoje carrega, o actor foi tirado do lar onde vivia um verdadeiro pesadelo e onde morava com a mãe e o padrasto. Tanto ele como a progenitora eram vítimas da agressividade do homem que a mãe escolheu para ter a seu lado.
“Éramos vítimas de violência doméstica. A minha mãe apanhou muitas vezes porque se metia à minha frente. Foi a mulher que mais amei. Já morreu, mas se existem santas, ela é a minha santa”, revela.
O menino Tonecas, como ficará para sempre conhecido, foi para a Casa do Gaiato com 10 anos.
O “melhor” remédio para se afastar do terror em que vivia e, também, por a mãe não ter possibilidades financeiras para o sustentar. “Foi engraçado, porque passei de um estado de pobreza extrema para um nível de riqueza extraordinário. A filosofia da Casa do Gaiato faz com que tudo o que haja na casa pertença a todos os rapazes. Eu, antes, não tinha nada e, de repente, tinha tudo”, relembra. Durante o tempo em que esteve na instituição, o actor conta que só tentou fugir uma única vez. “Tentei fugir 15 dias depois de ter sido entregue. Peguei nos meus brinquedos e pus-me estrada fora. Houve um miúdo, que também lá vivia, que disse que queria fugir comigo
“Hoje, digo que não adoptei ninguém. Eles é que me adoptaram. Eu é que tinha necessidade de afectos”
mas que não tinha nada preparado. Então que fugiríamos no dia seguinte. Foi-se adiando, até que desistimos da ideia.” Mais tarde, a mãe voltou a ir buscá--lo, depois de ter encontrado outro homem com quem dividia a sua vida. “A minha mãe arranjou um homem fantástico, que me quis adoptar. Ainda viveu com ele 22 anos...”, contou, com um sorriso no rosto.
APRIMEIRAVEZ
Anos depois, em adulto, Luís Aleluia reviveu o drama da adopção. O actor decidiu tirar dois irmãos de uma instituição: João e José, seus filhos. Se, por um lado, os seus filhos “fazem parte de uma concretização pessoal”, por outro, nem todos os minutos foram fáceis.
Luís Aleluia confessa que pensou em desistir de todo o processo depois de ter estado, pela primeira vez, com as duas crianças. “Quando os vi, tive um medo imenso e uma rejeição. Não por eles, mas pela minha incapacidade e por pensar que podiam estar melhor com outros. Hoje em dia, digo que não adoptei ninguém. Eles é que me adoptaram. Eu é que tinha necessidade dos afectos.”
Mas nem tudo foi um mar de rosas ao longo desta decisão. No dia em que conheceu os dois meninos, Luís Aleluia pensou em recuar. “Vi uma figurinha a correr para mim, a agarrar-me e a dizer: ‘Mano, vamos que o pai já chegou’. Foi a primeira vez que me chamaram pai”, recorda, emocionado.
Foi nessa mesma noite que todas as dúvidas se instalaram. Depois de estarem durante meia-hora com as crianças, o casal voltou para o hotel. “Chegámos ao hotel e chorámos. No outro dia procurei uma igreja porque precisava daquela paz. Quando cheguei à instituição outra vez, disse que já não os queria. Ficaram todos apavorados. Fui ter com a psicóloga, que me peguntou o porquê, e eu respondi que não estava preparado para assumir essa responsabilidade. E ela disse-me: ‘Um pai que manifesta essa preocupação, vai ser um grande pai!’”