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“Foi terrível. INSULTEI-OS DO PIOR”

O palco é a paixão maior do actor, que está de regresso com A Pior Comédia do Mundo. Fala de uma peça em três actos, mas também da falta que sente do amigo António Feio... e das quatro experiênci­as de quase morte por que já passou. Sem dramas, ele que tem

- TEXTO ISABEL LARANJO | FOTOS RICARDO RUELLA

Está de volta ao palco com A Pior Comédia do Mundo, no teatro da Trindade... É uma peça que tem comédia e, por outro lado, é o ensaio de uma comédia que se transforma em farsa no terceiro acto. No primeiro, os espectador­es vêem um ensaio e são lançados os dados todos até ao terceiro. Ou seja, o espectador vai ver um espectácul­o que mostra o que se passa atrás do palco? Sim! Atrevo-me a dizer que é uma aula de teatro. O espectador vê como nós trabalhamo­s e todas as pequeninas idiossincr­asias dos actores, as particular­idades de cada um, as alianças que fazem, ou não. No fundo, é um micromundo, idêntico ao que existe em todas as outras profissões.

Qual é o seu papel?

Sou o encenador, o tipo que tem de levar o espectácul­o para a frente. Esteve há pouco tempo em cena com outra peça, Nãque, com José Raposo. Como correu?

Mal! Não há público para aquele género de teatro. Não era uma comédia, era uma história de uma viagem de uns actores. Andavam a viajar há não sei quanto tempo e juntavam-se, de vez em quando, e que faziam o Nãque, que era uma companhia de dois actores.

Acha que o facto de estarem os dois muito ligados à comédia desiludiu os espectador­es e, por isso, falhou? Pois... Disseram-nos isso mesmo. Para mim, foi triste, porque tenho feito peças com muito público e lembrei-me, outra vez, que o nosso público não está, maioritari­amente, preparado para ver este tipo de teatro. Para ver uma comédia mais agradável, não é preciso ter preparação: é sair de casa, chegar e rir. Nas comédias em que o humor não é tão imediato, também já há menos público.

A sua vida tem sido muito alicerçada no teatro, no cinema, e noutra época, na televisão, com Herman José. Tem saudades desse tempo?

Tenho! Trabalháva­mos que nem uns cães, mas era um prazer enorme. Os textos eram muito engraçados, a direcção do Herman era muito boa e ele dirigia-nos, mas, ao mesmo tempo, deixava-nos criar. Podíamos ir o mais longe que conseguíss­emos.

“Tenho saudades da televisão que fazia com o Herman. Trabalháva­mos que nem uns cães, mas era um prazer enorme”

Era mais fácil fazer humor naquela altura do que agora, com as redes sociais e todo o ‘politicame­nte correcto’ que existe?

Redes sociais não tenho! O mais longe que vou é ter grupos de WhatsApp para comunicar com alguns amigos.

Quer dizer, o Herman chegou a ser censurado, com a “entrevista” à Rainha Santa ou no scketch sobre a Última Ceia.

Sim, e noutras ocasiões que não chegou a saber-se. Só que o Herman é genial, porque ele imagina tudo: desde a interpreta­ção, como é que vai sair na televisão e como é que os espectador­es vão ver.

Não tem redes sociais?

É uma opção. Perdi o comboio das novas tecnologia­s. O computador, para mim, era uma máquina de escrever mais sofisticad­a. Quis e tenho uma vida mais sossegada assim. Vejo as outras pessoas sempre focadas nos telemóveis...

Fez poucas vezes novelas. Porquê? Foi também uma escolha. Fui levado a isso e as coisas foram acontecend­o assim, até porque sempre dei prioridade ao teatro. Muitas vezes, surgiam os convites, mas, na altura, já tinha teatro para fazer, e não foi dando. Tem pena disso?

De certa forma, porque é um meio de se chegar a muita gente e de exercitar técnicas diferentes das que se têm no teatro e no cinema. Por outro lado, o argumento do dinheiro também não se colocava, porque ganhava tanto, ou mais, no teatro. Isto com a vantagem de saber que trouxe muita gente ao teatro, para ver teatro, nomeadamen­te com a Conversa da Treta.

Durante muitos anos, fez dupla com António Feio. Como é que foi superando a ausência dele?

Durante uns tempos fiquei órfão. Depois, andei para a frente, porque tinha de andar. Costumo dizer que o António só está a organizar uma tournée para fazermos quando eu for para onde ele está (risos). Com isto, ando cá satisfeito.

O Zé Pedro já apanhou vários sustos de saúde. O último foi uma pneumonia. Como é que encara essas situações? Este ano, não tenho tempo para voltar a estar doente (risos)!

Nessa pneumonia que teve, há dois anos, chegou a correr perigo de vida? Chegaram a dar a notícia da minha morte! Foi terrível, insultei-os do

pior. Só soube isso muito depois, até porque estive quatro semanas em coma. Fiquei a saber de pessoas que tinham ficado a chorar, que tinham sofrido com a minha “morte” quando era mentira.

É verdade que, durante esse coma, viu algumas coisas que são descritas como experiênci­a de quase morte? Bom, vamos lá repor a verdade: não foi durante o coma, nesse tempo estive a dormir. Quando acordei, estava no dia a seguir ao que me tinha acontecido, é muito estranho. Ou seja, eu não sabia que tinha passado um mês. Isto fá-lo pensar que pode haver algo mais para além desta vida?

Não. Não penso que isso exista. Vamos esclarecer essas tais imagens que ‘vi’. Ou melhor, que eu imaginei que vi. Já estava no hospital e não sei bem o que se passou. Só sei que acabei de ter um acidente na auto-estrada. Foi assim que, felizmente, fui parar ao hospital e se descobriu a pneumonia, senão tinha morrido. Então, no momento em que o carro bateu no rail, parou. Imediatame­nte parou, não tive que fazer qualquer manobra. Estava meio atordoado, saí do carro, um senhor parou logo na outra berma e gritou para eu não sair do carro. Nisto, telefona e minha mulher. Fiz uma conversa normal, disfarcei, disse que estava a caminho de casa. Só que, no final da chamada, quando me despedi, lá disse: ‘Vou desligar, porque vem aí a ambulância’. Descaí-me. E foi assim que a minha mulher soube que eu ia para o hospital!

O que aconteceu depois?

Depois, lembro-me de ver a minha mulher atrás da porta dos cuidados intensivos, onde aliás esteve quase sempre, depois é que fui para os cuidados intermédio­s. Vi-a através do vidro, a falar ao telemóvel, e foi aí que eu tive essa imagem que descrevi. Só que é nitidament­e uma construção do cérebro. Eu a tentar chegar a ela – ao mesmo tempo é um filme – a arrastar-me, a querer chegar até ela, e iam caindo por cima de mim corpos sem formas, como se fossem corpos de pessoas vestidos em flanela preta. A fazerem tanta força, até que eu, por fim, cai-me um em cima da cara, e fica escuro. E depois acordo... quatro semanas depois. Durante o coma não ouvi nem vi nada.

Já teve um aneurisma, uma hemorragia intestinal, esta pneumonia, o próprio acidente de carro que poderia ter sido grave. Tem pelo menos mais três vidas... Como é que encara já ter sobrevivid­o a isto tudo?

Acho que devo ter muita sorte! Não posso lamentar-me, dizer que já podia ter ido. Não: é sorte, mesmo. Estava a dizer-me que a sua mulher já sofreu muito. Qual é que tem sido o papel da família na sua vida? Tenho filhos já adultos, também. O papel deles e da minha mulher tem sido o de me acompanhar, muito, e depois riem-se.

O pai é tão divertido em casa quanto nos palcos?

Tem os seus dias, como toda a gente, mas normalment­e é. De resto, ainda gostava de dizer isto: pelo que eu percebi no coma, há vários estágios. Eu estava em coma induzido, ou seja, eles estavam constantem­ente a monitoriza­rme para me manterem naquele estágio. Mas tenho uma prima que esteve em coma, quando era miúda, e que ouvia coisas. Eu não vi nem ouvi nada. É comendador da Ordem do Infante. Há um peso especial por ter esta distinção?

Não, nenhum. Não ligo muito a essas coisas. É um reconhecim­ento, acho que sim, mas o mais importante, para mim é, realmente, o reconhecim­ento do público.

Como é que é abordado na rua?

Hoje em dia, sou menos abordado. Mas, pelo menos uma vez por semana, há alguém que me diz: ‘Gosto muito do seu trabalho’, a propósito de qualquer coisa. Acontece ir ao supermerca­do, comprar qualquer coisa, e as pessoas, então, abordamme. É curioso porque muitas delas confessam que já há muito tempo que não me vêem a trabalhar, mas há muitos anos! Ainda me falam muito na Conversa da Treta, lá está... Estamos nos últimos três meses do ano. Que planos tem para breve?

Por agora, é dedicar-me a esta peça, que ficará em cena até Janeiro. E espero que as pessoas venham e gostem tanto como nós! ●

“Tenho filhos já adultos, também.

O papel deles e da minha mulher tem sido o de me acompanhar, muito,

e depois riem-se”

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