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As VÍTIMAS e a lei

O sistema judiciário não suporta e não consegue reagir à onda de violência doméstica que cruza o País. É verdade que foram dados grandes passos para corrigir esta tragédia. Porém, foram passos insuficien­tes

- POR MOITA FLORES MOITAFLORE­S2@HOTMAIL.COM

Não é possível negar a evidência. O sistema judiciário não suporta e não consegue reagir à onda de violência doméstica que cruza o País. Quando acontecem homicídios o debate ganha novo fôlego, embora caindo sempre nos mesmos lugares-comuns que se ouvem há vários anos. É verdade que foram dados grandes passos para corrigir esta tragédia nacional. Porém, não é menos verdade que foram passos insuficien­tes. Quando milhares de processos--crime são arquivados, e estamos a falar de setenta por cento das participaç­ões realizadas, quando raros agressores são condenados a prisão efetiva, quando a maioria das medidas de coação não rompem com o ciclo de violência, só resta uma conclusão: as leis penal e processual penal não estão ajustadas. Não se faz prova e, por isso, o arquivamen­to. As condenaçõe­s traduzem-se maioritari­amente em penas suspensas, o que significa que a proporcion­alidade entre a medida da pena e o alarme social que a violência doméstica provoca não está equilibrad­a. Existem duas medidas que, não resolvendo o problema, podem diminuir a sua sobrecarga dramática. A primeira delas é subir o mínimo e o máximo para a prisão por violência doméstica, de maneira a que o juiz de instrução e os tribunais de julgamento possam reagir com decisões eficazes que permitam a prisão preventiva e a prisão efetiva. A segunda medida tem a ver com a prova. Tendo em conta que a maior parte dos atos de violência são em território­s íntimos que não são partilhado­s por testemunha­s, os exames médicos à vítima não chegam. É preciso ir mais longe. Julgo que a Assembleia da República, com caráter excecional, devia aceitar legislar no sentido de escutas, gravações de voz, gravações de imagem serem considerad­as legítimas para provar um naipe de crimes que vão do assédio à violência doméstica, passando pelos crimes sexuais. Pessoalmen­te tenho conhecido, ao longo do tempo, registos áudios e de vídeo captados pelos telemóveis das vítimas e por sua livre iniciativa, que um juiz não pode conhecer por serem ilegais as gravações. Mas não deviam ser. O Código de Processo Penal não é uma vaca sagrada. É uma lei. E, como tal, deve adaptar-se à vida e às necessidad­es de reagir a comportame­ntos criminais.

Chega de discutir lugares-comuns. Não basta ser contra a violência. É preciso agir contra ela. ●

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Em 2019 já morreram nove mulheres, vítimas de violência doméstica.

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