As VÍTIMAS e a lei
O sistema judiciário não suporta e não consegue reagir à onda de violência doméstica que cruza o País. É verdade que foram dados grandes passos para corrigir esta tragédia. Porém, foram passos insuficientes
Não é possível negar a evidência. O sistema judiciário não suporta e não consegue reagir à onda de violência doméstica que cruza o País. Quando acontecem homicídios o debate ganha novo fôlego, embora caindo sempre nos mesmos lugares-comuns que se ouvem há vários anos. É verdade que foram dados grandes passos para corrigir esta tragédia nacional. Porém, não é menos verdade que foram passos insuficientes. Quando milhares de processos--crime são arquivados, e estamos a falar de setenta por cento das participações realizadas, quando raros agressores são condenados a prisão efetiva, quando a maioria das medidas de coação não rompem com o ciclo de violência, só resta uma conclusão: as leis penal e processual penal não estão ajustadas. Não se faz prova e, por isso, o arquivamento. As condenações traduzem-se maioritariamente em penas suspensas, o que significa que a proporcionalidade entre a medida da pena e o alarme social que a violência doméstica provoca não está equilibrada. Existem duas medidas que, não resolvendo o problema, podem diminuir a sua sobrecarga dramática. A primeira delas é subir o mínimo e o máximo para a prisão por violência doméstica, de maneira a que o juiz de instrução e os tribunais de julgamento possam reagir com decisões eficazes que permitam a prisão preventiva e a prisão efetiva. A segunda medida tem a ver com a prova. Tendo em conta que a maior parte dos atos de violência são em territórios íntimos que não são partilhados por testemunhas, os exames médicos à vítima não chegam. É preciso ir mais longe. Julgo que a Assembleia da República, com caráter excecional, devia aceitar legislar no sentido de escutas, gravações de voz, gravações de imagem serem consideradas legítimas para provar um naipe de crimes que vão do assédio à violência doméstica, passando pelos crimes sexuais. Pessoalmente tenho conhecido, ao longo do tempo, registos áudios e de vídeo captados pelos telemóveis das vítimas e por sua livre iniciativa, que um juiz não pode conhecer por serem ilegais as gravações. Mas não deviam ser. O Código de Processo Penal não é uma vaca sagrada. É uma lei. E, como tal, deve adaptar-se à vida e às necessidades de reagir a comportamentos criminais.
Chega de discutir lugares-comuns. Não basta ser contra a violência. É preciso agir contra ela. ●