SEM CHUMBO 95
Quando sair esta revista ainda não se sabe se vai haver, ou não, greve dos camionistas de matérias perigosas. O discurso em torno deste evento tem sido dramatizado ao nível da histeria, chegando-se a alertar para a violência que nele pode estar contida e, ao mesmo tempo, fazendo correr notícias de que o Governo mobilizou as Forcas Armadas assim como GNR para serem transportadores alternativos. Na verdade, a acontecer em agosto, tempo de férias, de intensa mobilidade automóvel, não é a greve mais simpática para os cidadãos. No entanto, há um fenómeno interessante associado aos protestos contra a greve. Protestos que se sentiram quando há meses os enfermeiros fizeram outra greve com grande repercussão social. A multiplicação destes sindicatos independentes, fora da esfera de influência da CGTP ou da UGT, retirando controlo aos partidos políticos
com forte influência no mundo sindical, são severamente criticados em todas as suas ações como se a sua legitimidade fosse uma afronta aos verdadeiros sindicatos, aqueles que se submetem aos ditames estratégicos da política. Daí que seja curioso ver a esquerda, ou a dita esquerda, sempre apreciadora de greves e dos direitos dos trabalhadores, denunciando bizarrias que, parece à primeira vista, os sindicatos “certinhos” não cometem. Ou porque um dos líderes tem um carro topo de gama, ou porque uma determinada bastonária é simpatizante de um partido de centro-direita. Críticas mais contundentes daqueles cujos dirigentes são funcionários sindicais, pagos pelos contribuintes, e com assento nos órgãos decisórios dos partidos dos quais são militantes ativos. A verdade é que os novos sindicatos profissionais, diferentes dos sindicatos de classe, são a emergência de um novo sindicalismo que emerge por entre as ruínas do velho sindicalismo fortemente comprometido com os interesses partidários e acelerada perda de associados. Pode ser um caminho perigoso que as novas realidades emergentes vão trilhar. A História recente, a começar com o exemplo da nossa primeira República, está recheada de movimentos de caos sindical que deram origem a ditaduras. Mas não tem de ser sempre assim. Perante a desvalorização do trabalho, das condições sociais em que vivem os novos empregados, sujeitos, na maioria, a vencimentos perto do salário mínimo, com horários inenarráveis, submetidos à escravatura da rentabilidade, pode estar a surgir um novo movimento reabilitado do sindicalismo e da afirmação do valor do trabalho. Não sabemos por enquanto. A verdade é que enfermeiros, estivadores e motoristas estão a assustar o Poder. Este arranjou como resposta assustar-nos a todos.