TV Guia

“Claro que me ABORRECE”

Rui Vilhena Autor da novela Na Corda Bamba dá a cara pelas más audiências

- TEXTO HUGO ALVES I FOTOS DAVID CABRAL SANTOS

Está feliz com o seu produto e com os atores escolhidos. Contudo, acha que a estratégia adotada pela TVI não tem sido a mais feliz para conquistar os portuguese­s…

e que o adversário, neste caso a SIC, está muito bem preparado para tudo

De onde nasce a ideia para a novela Na Corda Bamba, da TVI? Curiosamen­te, quando veio o convite do José Eduardo (Moniz) para voltar a fazer uma novela, eu ainda estava no Brasil. Ele dizia que devia voltar a escrever para a TVI. Foi um namoro longo dos tempos que eu estava a trabalhar no Boogie Oogie. A minha primeira ideia foi fazer um remake do Ninguém como Tu atualizado com uma nova roupagem. O José Eduardo não ficou muito convencido e eu disse-lhe que ia pensar então num plano B. Ou C. E no nosso segundo encontro vim com esta ideia, que ainda não estava amadurecid­a, mas que ele me fez logo contar. Disse-lhe então que imaginava a história de uma mulher grávida, mais ou menos como se via no primeiro capítulo, até ao momento em que a Lúcia levantava o vestido e arrancava a barriga falsa. E, quando eu disse aquilo, ele disse que não era preciso dizer mais nada, que íamos fazer aquela novela. E assim nasceu Na Corda Bamba. Quando aceitou o projeto, pôs entraves nos atores com quem queria trabalhar? Porque tem todos os seus atores fetiche a trabalhar consigo... O elenco de luxo desta novela é o sonho de qualquer autor que não tenha estado em coma nos últimos dez anos porque são atores magníficos. De facto, há pessoas com quem já trabalhei muito e com quem de facto tenho uma certa intimidade e que encaixam no papel. Vejam-se a Lúcia (Dalila Carmo) e a Maria João Bastos, que só podia ser a Olívia. Não dá para imaginar outros atores a fazer aqueles papéis. A primeira a ser convencida foi Dalila Carmo?

Na realidade, quando imagino a sinopse, não penso nos atores. Mesmo! Porque é o ator que tem de encontrar a personagem. Mas sim, os primeiros com quem tentei a sorte foram a Dalila e o Pêpê (Rapazote), porque eram a espinha dorsal da história. E foi fácil.

Esta é uma história de vilões. Ninguém pratica boas ações nesta trama?

Não há nem maus nem bons. São todos cinzentos. Veja-se a Lúcia e o Pipo. A ideia é que o público torça por eles: porque eles, apesar de tudo, são bons pais. Claro que tudo o que eles fizeram para ter aquela família é monstruoso e imperdoáve­l, mas a ideia era jogar com isso. Eu não queria um vilão simplesmen­te porque era vilão e que fazia coisas más...

Como teve inicialmen­te a ideia do remake, não teve medo de que algumas personagen­s fossem cópias de Ninguém como Tu?

Há personagen­s que fazem lembrar outras novelas. A Olívia e o filho fazem lembrar a Manuela Couto e o filho no Tempo de Viver. Mas a minha ideia foi colar duas novelas de sucesso e que prendesse o público: e aí só há uma, a Avenida Brasil. E a minha última, que deu que falar, foi o Tempo de Viver. E foi assim que construí a história... Aborrece-o as audiências não serem as esperadas?

Claro que me aborrece! Fiz este trabalho a pensar em ter público. Não escrevo para mim, para a minha mulher, filhos ou amigos. Escrevo para o público. Portanto, é claro que incomoda não ter a receção que estava à espera. Mas tive de me desligar disso, até porque só há dois programas na TVI com números interessan­tes: a informação e a minha novela.

Então a culpa é da TVI?

Não. As pessoas começaram a emigrar para outras plataforma­s. Não é um problema de Portugal: é um problema do Mundo. A audiência caiu bastante porque a maneira de ver televisão mudou e as pessoas hoje procuram outras plataforma­s para ver outros produtos.

Mas falamos da TVI…

Regra geral, com exceção do Ouro Verde, o público reclamava por estar sempre a ver a mesma novela, sempre os mesmos atores e até a estética. É um facto. Quando veio o convite do José Eduardo, mediante estas reclamaçõe­s, eu disse que queria fazer algo diferente, algo que quando as pessoas vissem a primeira cena percebesse­m logo que Na Corda Bamba era diferente do que tinha sido feito na TVI nos últimos anos. Porque se vamos querer ir buscar o público que se mudou para outras plataforma­s, como a HBO e a Netflix, é porque querem algo melhor, mais bem produzido. Por isso, se se quer que a TV aberta sobreviva, tínhamos de fazer algo com nível superior. E Na Corda Bamba é isso. E há quem já me tenha dito que a estética do que estamos a fazer é parecida com a da HBO.

Então, teve elogios?

Também tive coleguinha­s que disseram que a novela era presunçosa e que os portuguese­s não iam gostar. O resumo disso, para mim, é: então os portuguese­s não gostam de ver coisas bem feitas. Se é presunçoso tentar fazer algo diferente, então tenho de concordar. Eu sou.

Já espreitou a novela Nazaré, da SIC? Claro. Espreito tudo: nacional e inter

“Também tive coleguinha­s que disseram que a novela era presunçosa. Se é presunçoso tentar fazer algo diferente, então concordo: eu sou”

nacional. É a minha obrigação.

Porque é que as pessoas preferem ver a Nazaré?

Porque a SIC tem um senhor muito inteligent­e, que se chama Daniel Oliveira. A TVI está a passar por uma turbulênci­a, a SIC está num voo tranquilo. A TVI reinou na ficção durante anos e agora chegou a vez da SIC... Mas cabe à TVI reverter o jogo outra vez.

E acha que a TVI o vai fazer?

Não sou eu que faço a programaçã­o. Então se lhe dissessem que tinha de fazer algo parecido à Nazaré, o que é que faria?

Vamos ver: primeiro, a Nazaré estreou uma semana antes de Na Corda

Bamba; em segundo lugar, nunca aceitaria fazer algo como a Nazaré porque eu não sei fazer algo assim e estaria a enganar o canal que me convidasse para o fazer. Já me ofereceram, há uns anos, para escrever o Espírito Indomável e eu recusei. Não sei fazer novelas rurais. Eu sou urbano. Cada um tem o seu estilo.

Mas acredita no que está a fazer? Acredito!

A IDA PARA O BRASIL

Em 2011, depois da novela Sedução, foi-se embora de Portugal. Estava desiludido?

Estava farto, desiludido, desmotivad­o, com a saída da direção do José Eduardo Moniz, da Gabriela Sobral, na primeira grande mudança na TVI. Na altura avisei que se ele se fosse embora, aquilo ia virar o caos. E assim foi. Lembro-me de que foi quando estreou a Sedução... como agora com Na Corda Bamba. Esta é a novela certa na hora errada.

Como assim?

Na Corda Bamba é boa, a história é boa, as pessoas gostam, mas hoje a SIC está no topo da pirâmide e ponha ela o que puser será sempre topo da audiência. E o Daniel Oliveira sabe o que está a fazer. Ele tem um projeto, tem uma estratégia que resulta. Porque é isso que faz as pessoas verem televisão. O Daniel Oliveira sabia o que seria Na Corda Bamba e preparou-se muito bem e armou-se ainda melhor.

Antes de voltarmos ao passado, falemos do presente. Que estratégia é que a TVI deveria adotar?

Na altura do Ninguém Como Tu, se não me engano, a TVI passava por um período complicado na ficção e estava a combater uma novela brasileira de muito sucesso na SIC que era, se não me engano, a Belíssima. Lembro-me de que a TVI, na altura, o José Eduardo, investiu muito para que Ninguém como Tu fosse um sucesso. Porque demorou umas três semanas. Mas, na altura, a estratégia era simples: nós aparecíamo­s logo a seguir ao telejornal, não havia publicidad­e, e os capítulos chegaram a ter uma hora e meia... E a pouco e pouco ganhámos tudo. Agora, em 2019, quando a novela da concorrênc­ia começa um quarto de hora antes da nossa, as pessoas não vão ficar à espera 15 minutos para ver Na Corda Bamba, até porque já começaram a ver a outra antes. Porque raio haviam de mudar? Isso não existe. Por isso... [faz uma pausa], houve uma estratégia do lado de lá e agora temos de viver com isso. Voltando a 2011...

Na altura, também houve um desnorte e eu, como não me sentia bem, achei que tinha de me ir embora.

Não tentou vender projetos à SIC, à RTP?

Não, eu queria tentar outra coisa, até porque achei que não podia ficar ancorado num mercado só. Eu precisava de crescer.

E cresceu no Brasil?

Sem dúvida. A partir do momento em que se abre uma nova janela e se vê novas formas de trabalhar, isso leva-nos a pensar de outra maneira.

No Brasil, contudo, só fez uma novela. Colaborei com o Aguinaldo Silva, de

pois fiz Boogie Oogie e a seguir vim para cá.

Quando acabou a sua parceria com a Globo não lhe apeteceu fazer séries, teatro?

Fiz uma peça de teatro em São Paulo, mas decidi que queria investir nas novas plataforma­s... Mas sei que leva tempo. Por isso, comecei a plantar agora para poder colher dentro de três ou quatro anos. Que é o que tenho feito e já começa a render os seus primeiros frutos. Neste momento, estou a fazer uma adaptação do meu livro Doce Tormentas que fiz com a Joana Jorge. E o roteiro tem sido bem recebido: o mais engraçado é que fizemos a adaptação para inglês e a primeira oferta que tivemos foi em português. Mas eu quero explorar o mercado internacio­nal.

Ao longo dessa mudança, o Rui e a Denise (mulher) ficaram no Brasil?

Ela andou mais entre lá e cá. Eu fiquei lá. Mas não é fácil gerir uma família com o oceano Atlântico pelo meio. Agora é mais fácil, tranquilo e tenho mais paz de espírito.

Por causa da violência?

A violência no Brasil é o que é. E paz de espírito para quem escreve é fundamenta­l. O meu filho quando ia ao Brasil visitar-me era um sufoco.

Sufoco?

Ele tem 32 anos e é musico de jazz. Mas no tempo que ele lá estava eu não conseguia dormir, porque ele não cresceu no Brasil, nem no Rio de Janeiro, não tem o jogo de cintura... Ele não tem a maldade própria para o Brasil. Ele anda na rua lá como anda aqui. Por isso eu ficava com o coração nas mãos.

Desta vez, tem contrato com a TVI? O que tive sempre foi contrato por obra. Não está farto de escrever novelas? Não estou, senão não fazia esta. Porque uma novela é um processo extremamen­te cansativo. E sem paixão, é para esquecer. É uma cruz de mármore para carregar.

Quanto tempo lhe consome? Hipoteca-me a vida por um ano. E eu já não tenho 30 anos! Com 58 já faço contas...

Por dia, quantas horas passa em frente ao computador?

Se fosse só com o computador... Houve uma altura em que eu acordava todos os dias às 05:30 da manhã e terminava – porque há outras pessoas que pegam depois de eu dormir até acordar – às 21:30. É um processo cansativo.

E quando acabar os 180 episódios encomendad­os?

Tenho de desligar. Porque é preciso reciclar, ir ao teatro, cinema, conhecer pessoas, viajar... Um autor que faz uma novela e em dois ou três meses está a fazer outra ou é um génio ou uma fraude. Tem tempo para pensar?

Não! Na Globo, a coisa está mais orientada nesse sentido. Quando sabem que uma novela vai estrear, dois anos antes avisam o autor e a preparação é feita um ano antes da produção. Cá, comecei muito pouco tempo antes de começarem a gravar. Não foi por falta de avisos. Eu fiz muitos. Devia ter começado em setembro, só assim teria dois dias e meio por episódio. Não é a loucura de agora. Se fosse assim, dava para parar de pensar, porque o truque numa novela é surpreende­r. Há novelas que vejo que, no primeiro capítulo, já sei o fim. Mais, nem quero ver o segundo capítulo porque é tudo previsível. Para mim, o primeiro episódio tem de deixar as pessoas curiosas e, para isso, é preciso tempo. E tempo para si, tem?

[Risos] Eu era aquela pessoa que ia ao ginásio, e hoje não vou. Tanto que a última vez que fui me perguntara­m se tinha estado a viver no Brasil. Não recebo os amigos com a mesma frequência, mas de alguma forma tive de arranjar forma de ter vida social para não enlouquece­r. Todas as oportunida­des que tenho aproveito. Mas sabendo sempre que tenho de acordar cedo para voltar a escrever. As redes sociais são boas para a promoção de uma história?

Para tudo! Infelizmen­te, é o mundo em que nós vivemos. Para o bem e para o mal. Vejam: elas elegeram o Trump e causaram uma revolução na Tunísia. Para uma novela, claro que são importante­s. São elas que mandam no mundo. A SIC utiliza com muita força. Eles fazem um crossing promociona­l muito grande.

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Rui Vilhena, de 58 anos, tem recebido elogios à sua forma de escrita, semelhante à dos produtos da Netflix.
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O autor passa a maior parte do dia a trabalhar na novela Na Corda Bamba.

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