“Claro que me ABORRECE”
Rui Vilhena Autor da novela Na Corda Bamba dá a cara pelas más audiências
Está feliz com o seu produto e com os atores escolhidos. Contudo, acha que a estratégia adotada pela TVI não tem sido a mais feliz para conquistar os portugueses…
e que o adversário, neste caso a SIC, está muito bem preparado para tudo
De onde nasce a ideia para a novela Na Corda Bamba, da TVI? Curiosamente, quando veio o convite do José Eduardo (Moniz) para voltar a fazer uma novela, eu ainda estava no Brasil. Ele dizia que devia voltar a escrever para a TVI. Foi um namoro longo dos tempos que eu estava a trabalhar no Boogie Oogie. A minha primeira ideia foi fazer um remake do Ninguém como Tu atualizado com uma nova roupagem. O José Eduardo não ficou muito convencido e eu disse-lhe que ia pensar então num plano B. Ou C. E no nosso segundo encontro vim com esta ideia, que ainda não estava amadurecida, mas que ele me fez logo contar. Disse-lhe então que imaginava a história de uma mulher grávida, mais ou menos como se via no primeiro capítulo, até ao momento em que a Lúcia levantava o vestido e arrancava a barriga falsa. E, quando eu disse aquilo, ele disse que não era preciso dizer mais nada, que íamos fazer aquela novela. E assim nasceu Na Corda Bamba. Quando aceitou o projeto, pôs entraves nos atores com quem queria trabalhar? Porque tem todos os seus atores fetiche a trabalhar consigo... O elenco de luxo desta novela é o sonho de qualquer autor que não tenha estado em coma nos últimos dez anos porque são atores magníficos. De facto, há pessoas com quem já trabalhei muito e com quem de facto tenho uma certa intimidade e que encaixam no papel. Vejam-se a Lúcia (Dalila Carmo) e a Maria João Bastos, que só podia ser a Olívia. Não dá para imaginar outros atores a fazer aqueles papéis. A primeira a ser convencida foi Dalila Carmo?
Na realidade, quando imagino a sinopse, não penso nos atores. Mesmo! Porque é o ator que tem de encontrar a personagem. Mas sim, os primeiros com quem tentei a sorte foram a Dalila e o Pêpê (Rapazote), porque eram a espinha dorsal da história. E foi fácil.
Esta é uma história de vilões. Ninguém pratica boas ações nesta trama?
Não há nem maus nem bons. São todos cinzentos. Veja-se a Lúcia e o Pipo. A ideia é que o público torça por eles: porque eles, apesar de tudo, são bons pais. Claro que tudo o que eles fizeram para ter aquela família é monstruoso e imperdoável, mas a ideia era jogar com isso. Eu não queria um vilão simplesmente porque era vilão e que fazia coisas más...
Como teve inicialmente a ideia do remake, não teve medo de que algumas personagens fossem cópias de Ninguém como Tu?
Há personagens que fazem lembrar outras novelas. A Olívia e o filho fazem lembrar a Manuela Couto e o filho no Tempo de Viver. Mas a minha ideia foi colar duas novelas de sucesso e que prendesse o público: e aí só há uma, a Avenida Brasil. E a minha última, que deu que falar, foi o Tempo de Viver. E foi assim que construí a história... Aborrece-o as audiências não serem as esperadas?
Claro que me aborrece! Fiz este trabalho a pensar em ter público. Não escrevo para mim, para a minha mulher, filhos ou amigos. Escrevo para o público. Portanto, é claro que incomoda não ter a receção que estava à espera. Mas tive de me desligar disso, até porque só há dois programas na TVI com números interessantes: a informação e a minha novela.
Então a culpa é da TVI?
Não. As pessoas começaram a emigrar para outras plataformas. Não é um problema de Portugal: é um problema do Mundo. A audiência caiu bastante porque a maneira de ver televisão mudou e as pessoas hoje procuram outras plataformas para ver outros produtos.
Mas falamos da TVI…
Regra geral, com exceção do Ouro Verde, o público reclamava por estar sempre a ver a mesma novela, sempre os mesmos atores e até a estética. É um facto. Quando veio o convite do José Eduardo, mediante estas reclamações, eu disse que queria fazer algo diferente, algo que quando as pessoas vissem a primeira cena percebessem logo que Na Corda Bamba era diferente do que tinha sido feito na TVI nos últimos anos. Porque se vamos querer ir buscar o público que se mudou para outras plataformas, como a HBO e a Netflix, é porque querem algo melhor, mais bem produzido. Por isso, se se quer que a TV aberta sobreviva, tínhamos de fazer algo com nível superior. E Na Corda Bamba é isso. E há quem já me tenha dito que a estética do que estamos a fazer é parecida com a da HBO.
Então, teve elogios?
Também tive coleguinhas que disseram que a novela era presunçosa e que os portugueses não iam gostar. O resumo disso, para mim, é: então os portugueses não gostam de ver coisas bem feitas. Se é presunçoso tentar fazer algo diferente, então tenho de concordar. Eu sou.
Já espreitou a novela Nazaré, da SIC? Claro. Espreito tudo: nacional e inter
“Também tive coleguinhas que disseram que a novela era presunçosa. Se é presunçoso tentar fazer algo diferente, então concordo: eu sou”
nacional. É a minha obrigação.
Porque é que as pessoas preferem ver a Nazaré?
Porque a SIC tem um senhor muito inteligente, que se chama Daniel Oliveira. A TVI está a passar por uma turbulência, a SIC está num voo tranquilo. A TVI reinou na ficção durante anos e agora chegou a vez da SIC... Mas cabe à TVI reverter o jogo outra vez.
E acha que a TVI o vai fazer?
Não sou eu que faço a programação. Então se lhe dissessem que tinha de fazer algo parecido à Nazaré, o que é que faria?
Vamos ver: primeiro, a Nazaré estreou uma semana antes de Na Corda
Bamba; em segundo lugar, nunca aceitaria fazer algo como a Nazaré porque eu não sei fazer algo assim e estaria a enganar o canal que me convidasse para o fazer. Já me ofereceram, há uns anos, para escrever o Espírito Indomável e eu recusei. Não sei fazer novelas rurais. Eu sou urbano. Cada um tem o seu estilo.
Mas acredita no que está a fazer? Acredito!
A IDA PARA O BRASIL
Em 2011, depois da novela Sedução, foi-se embora de Portugal. Estava desiludido?
Estava farto, desiludido, desmotivado, com a saída da direção do José Eduardo Moniz, da Gabriela Sobral, na primeira grande mudança na TVI. Na altura avisei que se ele se fosse embora, aquilo ia virar o caos. E assim foi. Lembro-me de que foi quando estreou a Sedução... como agora com Na Corda Bamba. Esta é a novela certa na hora errada.
Como assim?
Na Corda Bamba é boa, a história é boa, as pessoas gostam, mas hoje a SIC está no topo da pirâmide e ponha ela o que puser será sempre topo da audiência. E o Daniel Oliveira sabe o que está a fazer. Ele tem um projeto, tem uma estratégia que resulta. Porque é isso que faz as pessoas verem televisão. O Daniel Oliveira sabia o que seria Na Corda Bamba e preparou-se muito bem e armou-se ainda melhor.
Antes de voltarmos ao passado, falemos do presente. Que estratégia é que a TVI deveria adotar?
Na altura do Ninguém Como Tu, se não me engano, a TVI passava por um período complicado na ficção e estava a combater uma novela brasileira de muito sucesso na SIC que era, se não me engano, a Belíssima. Lembro-me de que a TVI, na altura, o José Eduardo, investiu muito para que Ninguém como Tu fosse um sucesso. Porque demorou umas três semanas. Mas, na altura, a estratégia era simples: nós aparecíamos logo a seguir ao telejornal, não havia publicidade, e os capítulos chegaram a ter uma hora e meia... E a pouco e pouco ganhámos tudo. Agora, em 2019, quando a novela da concorrência começa um quarto de hora antes da nossa, as pessoas não vão ficar à espera 15 minutos para ver Na Corda Bamba, até porque já começaram a ver a outra antes. Porque raio haviam de mudar? Isso não existe. Por isso... [faz uma pausa], houve uma estratégia do lado de lá e agora temos de viver com isso. Voltando a 2011...
Na altura, também houve um desnorte e eu, como não me sentia bem, achei que tinha de me ir embora.
Não tentou vender projetos à SIC, à RTP?
Não, eu queria tentar outra coisa, até porque achei que não podia ficar ancorado num mercado só. Eu precisava de crescer.
E cresceu no Brasil?
Sem dúvida. A partir do momento em que se abre uma nova janela e se vê novas formas de trabalhar, isso leva-nos a pensar de outra maneira.
No Brasil, contudo, só fez uma novela. Colaborei com o Aguinaldo Silva, de
pois fiz Boogie Oogie e a seguir vim para cá.
Quando acabou a sua parceria com a Globo não lhe apeteceu fazer séries, teatro?
Fiz uma peça de teatro em São Paulo, mas decidi que queria investir nas novas plataformas... Mas sei que leva tempo. Por isso, comecei a plantar agora para poder colher dentro de três ou quatro anos. Que é o que tenho feito e já começa a render os seus primeiros frutos. Neste momento, estou a fazer uma adaptação do meu livro Doce Tormentas que fiz com a Joana Jorge. E o roteiro tem sido bem recebido: o mais engraçado é que fizemos a adaptação para inglês e a primeira oferta que tivemos foi em português. Mas eu quero explorar o mercado internacional.
Ao longo dessa mudança, o Rui e a Denise (mulher) ficaram no Brasil?
Ela andou mais entre lá e cá. Eu fiquei lá. Mas não é fácil gerir uma família com o oceano Atlântico pelo meio. Agora é mais fácil, tranquilo e tenho mais paz de espírito.
Por causa da violência?
A violência no Brasil é o que é. E paz de espírito para quem escreve é fundamental. O meu filho quando ia ao Brasil visitar-me era um sufoco.
Sufoco?
Ele tem 32 anos e é musico de jazz. Mas no tempo que ele lá estava eu não conseguia dormir, porque ele não cresceu no Brasil, nem no Rio de Janeiro, não tem o jogo de cintura... Ele não tem a maldade própria para o Brasil. Ele anda na rua lá como anda aqui. Por isso eu ficava com o coração nas mãos.
Desta vez, tem contrato com a TVI? O que tive sempre foi contrato por obra. Não está farto de escrever novelas? Não estou, senão não fazia esta. Porque uma novela é um processo extremamente cansativo. E sem paixão, é para esquecer. É uma cruz de mármore para carregar.
Quanto tempo lhe consome? Hipoteca-me a vida por um ano. E eu já não tenho 30 anos! Com 58 já faço contas...
Por dia, quantas horas passa em frente ao computador?
Se fosse só com o computador... Houve uma altura em que eu acordava todos os dias às 05:30 da manhã e terminava – porque há outras pessoas que pegam depois de eu dormir até acordar – às 21:30. É um processo cansativo.
E quando acabar os 180 episódios encomendados?
Tenho de desligar. Porque é preciso reciclar, ir ao teatro, cinema, conhecer pessoas, viajar... Um autor que faz uma novela e em dois ou três meses está a fazer outra ou é um génio ou uma fraude. Tem tempo para pensar?
Não! Na Globo, a coisa está mais orientada nesse sentido. Quando sabem que uma novela vai estrear, dois anos antes avisam o autor e a preparação é feita um ano antes da produção. Cá, comecei muito pouco tempo antes de começarem a gravar. Não foi por falta de avisos. Eu fiz muitos. Devia ter começado em setembro, só assim teria dois dias e meio por episódio. Não é a loucura de agora. Se fosse assim, dava para parar de pensar, porque o truque numa novela é surpreender. Há novelas que vejo que, no primeiro capítulo, já sei o fim. Mais, nem quero ver o segundo capítulo porque é tudo previsível. Para mim, o primeiro episódio tem de deixar as pessoas curiosas e, para isso, é preciso tempo. E tempo para si, tem?
[Risos] Eu era aquela pessoa que ia ao ginásio, e hoje não vou. Tanto que a última vez que fui me perguntaram se tinha estado a viver no Brasil. Não recebo os amigos com a mesma frequência, mas de alguma forma tive de arranjar forma de ter vida social para não enlouquecer. Todas as oportunidades que tenho aproveito. Mas sabendo sempre que tenho de acordar cedo para voltar a escrever. As redes sociais são boas para a promoção de uma história?
Para tudo! Infelizmente, é o mundo em que nós vivemos. Para o bem e para o mal. Vejam: elas elegeram o Trump e causaram uma revolução na Tunísia. Para uma novela, claro que são importantes. São elas que mandam no mundo. A SIC utiliza com muita força. Eles fazem um crossing promocional muito grande.