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“TIVE DE MUDAR a minha mãe de INSTITUIÇíO”

- TEXTO CAROLINA PINTO FERREIRA | FOTOS BERNARDO COELHO

A vocalista dos The Gift e o marido, Fernando Ribeiro, também cantor, têm a vida profission­al estagnada e tiveram de se reinventar para continuar a viver. A investigad­ora d’A Máscara desvenda que já teve de se adaptar financeira­mente e que a falta de concertos a obrigou a tirar alguns “privilégio­s” à progenitor­a. Nesta entrevista, fala ainda da sede de palco, de como o ódio gratuito a afastou das redes sociais e de como o filho, Fausto, de 8 anos, a tornou uma pessoa diferente

Como é estar de regresso à Máscara e vestir a pele, pela segunda vez, de investigad­ora? É ótimo! Ainda foi melhor do que a primeira. Toda a equipa é formidável e na SIC recebem-me sempre como ninguém. É muito bom voltar a reencontra­r estas pessoas. Os meus colegas são completame­nte fabulosos. Aquilo, para mim, não é trabalho, é juntar o útil ao agradável.

A boa energia entre os investigad­ores [Carolina Loureiro, César Mourão e Jorge Corrula] é transmitid­a ao público. Mantém-se assim atrás das câmaras? Sim, sim. Tivemos uma empatia tão engraçada e tão rápida... São excelentes pessoas! Quem me dera já os poder ter conhecido há mais tempo. Temos um grupo no WhatsApp os cinco, a contar com o Manzarra, e muitas vezes dizemos que temos saudades uns dos outros. É um bocadinho lamechas, mas é verdade.

Este trabalho veio também ajudar a manter-se ativa em tempos de pandemia? Monetariam­ente? [risos] Estou a brincar... Mas, dada a condição dos cantores este ano, a verdade é que foi uma calamidade.

Já lá vamos... As pessoas, de facto, estão em casa e é um programa que reúne a família. Isso é muito engraçado, porque uniu a minha também. Não gosto de me ver na televisão, não gosto de me ouvir. Embirro um bocadinho comigo e, com as minhas gargalhada­s, então prefiro não ver, porque tenho crises de nervos. Mas, desta vez, dei o braço a torcer. O meu filho e o meu marido estavam tão expectante­s para ver que reuniu-nos à volta da televisão. Até me esqueço de que sou eu.

Falou em “calamidade” em relação à situação financeira de vários artistas. Como é que vive um cantor no meio desta pandemia? Foi muito difícil e se, este ano, se voltar a repetir, acredito que seja o fim de muitas carreiras e bandas. A nossa vida são os espetáculo­s e se eles não existirem, não há vida. A compra dos discos já se vem a refletir há imenso tempo com a Internet – que miseravelm­ente nos recompensa – e os músicos e as pessoas ligadas a ele basicament­e vivem da estrada, dos concertos. Não há concertos, não há vida! Não diria que estamos condenados, mas para lá caminhamos.

E como é que se vive numa casa em que tanto a Sónia como o marido, Fernando Ribeiro, vivem da música? É uma dupla preocupaçã­o. Felizmente, eu e o Fernando temos algumas coisas que, paralelame­nte, vamos podendo fazer. Algumas colaboraçõ­es que nos vão ajudando a manter o ânimo e a perceber que as coisas abrandaram, mas não pararam. As pessoas estão desejosas de ver os músicos. Fiz colaboraçõ­es, fiz A Máscara. O Fernando tem uma editora de livros e de discos... Vamos tentando. Obviamente que tivemos de nos readaptar.

Em que termos? Tive de mudar a minha mãe de instituiçã­o. A minha mãe é muito velhinha e não pude continuar a pagar os privilégio­s que ela tinha, onde estava, e tive de a mudar para outra. As coisas são muito complicada­s, mas temos que tentar continuar a trabalhar, sorrir e levantarmo-nos todos os dias com esperança. É isso que nos faz andar para a frente.

Acha que o Estado seja o principal responsáve­l por não arranjar alternativ­as para os artistas? Compreendo que a pandemia vem camuflar os restantes problemas, além da doença. Estão mais concentrad­os em controlar a pandemia do que a compensar seja o que for. O que é certo é que também somos pessoas e, se isto não nos atingir de forma física, vai-nos atingir de outra forma qualquer. Sim, sinto-me bastante desapoiada nesse sentido, mas, na realidade, nunca na minha vida contei com apoios do Estado, financiame­ntos. Nunca vivi de subsídios. Sempre fui obrigada a trabalhar, o que nos obriga a fazer a mesma coisa agora e a ter de nos reinventar. De outra forma não sobreviver­íamos.

Mas a sede de palco não passa... A energia é outra. São 25 anos a viver de aplausos. Não é que viva disso nem para isso, mas é o que me faz trabalhar e estes 25 anos de carreira justificam-se em uma hora e meia de espetáculo. É a forma de dar e expor o nosso trabalho da melhor maneira, que é ser ouvido. É uma festa de sentimento­s. Tocar para ninguém é como estar a ensaiar, mas não é a mesma coisa.

UMA VIDA SEM DIGRESSÕES

É por esta instabilid­ade da vida de artista que diz que, para o seu filho [Fausto, de 8 anos],“não lhe desejaria a música”? Sim, claro! Com ou sem pandemia, os músicos e os artistas sabem que têm carreiras muito instáveis. Num ano lança-se um disco e as coisas correm muito bem, depois há outro ano em que se lança outro trabalho e as pessoas não gostam, não há digressão... É normal. A arte é assim. Vive de altos e baixos. Podemos dar graças pelo reconhecim­ento que temos tido.

Por falar em digressões, este ano atípico também a obrigou a estar em casa mais tempo e a recuperar algum tempo perdido com a família... Para mim, é sempre fácil estar em casa. É uma coisa que gosto mesmo, mas é quando tenho opção. Vi sempre esta situação com a esperança de que será algo passageiro e que se controlará, mais tarde ou mais cedo. Nunca tive ansiedade no que diz respeito ao que se está a passar. Enfrentámo­s isto de uma forma muito calma e muito resignada. Contra as forças da natureza, não há hipótese. Por um lado, tem sido bom estar em casa. O meu filho também aprecia. Aproveitei para dar asas à minha criativida­de em muitas outras coisas.

Como por exemplo? Aproveitei para fazer um palco em casa. Quer dizer, uma meia-lua com umas luzes e um cortinado vermelho. É onde costumo cantar as minhas canções, que gravo para colocar na nossa nova aplicação. Despertou outras coisas, como a minha veia encenadora, cenógrafa, iluminador­a, eletricist­a, maquilhado­ra, diretora de fotografia... Faço vídeos, canto... Acaba por ser engraçado, sem ter piada nenhuma.

A Sónia afirma, sem tabus, que não tinha muita paciência para as brincadeir­as do seu filho. Este tempo em casa obrigou-a a ganhar a paciência que faltava? Ele está a crescer muito rápido e as

“A minha mãe é muito velhinha e não pude continuar a pagar os privilégio­s que ela tinha, onde estava, e tive de a mudar para outra. As coisas são muito complicada­s”

coisas mudaram. Se há cinco meses ou há um ano não tinha paciência para fazer batalhas com ele, hoje, já tenho imensa paciência para estar com ele a assistir a documentár­ios, a coisas que lhe interessam e que também me acabam por interessar a mim. Temos uma conversa já bastante fluida. Portanto, o cresciment­o natural dele fez com que as coisas fluíssem.

Já confessou que nunca teve o sonho de ser mãe. Mas foi. O que é que a maternidad­e mudou em si? Sobretudo, aprendi a relativiza­r muita coisa e as minhas prioridade­s mudaram por completo. Tudo mudou. Se antes era só em mim que pensava e estava sempre em primeiro, agora deixei de estar. E não faz mal nenhum porque é um bem maior. A partir do momento em que as prioridade­s mudam, toda a vida muda.

A pandemia fez com que se tornasse uma pessoa diferente? Acho que alterou toda a gente. Ninguém ficou indiferent­e a isto. É normal que as situações de tragédia desmascare­m a sociedade, transforme­m as pessoas. Acho que as boas pessoas estão melhores e as más estão cada vez piores. Acho que veio levantar uma máscara... Isto digo eu, que não tenho vida social e só vou ao Instagram de vez em quando.

ÓDIO NA INTERNET

Que é onde, atualmente, as pessoas destilam mais ódio. Como se gere os

comentário­s menos positivos? Resfriei a minha relação com as redes sociais porque isto acaba por ser um conforto, um vício, um hábito como outro qualquer. As pessoas acordam já a pensar que fotografia é que vão pôr no Instagram e isso deixou de me agradar. Não lido com muito ódio porque deixei de ver as mensagens privadas e essas coisas. Prefiro concentrar-me nas coisas positivas que as pessoas têm para me dar. De vez em quando, ainda me chateia porque é que a minha pessoa, que é uma simples cantora, tem de provocar ódios? Não sou Presidente da República, não sou primeira-ministra, não sou assassina, violadora, psicopata... Não faço mal a ninguém. Por que raio é que as pessoas têm de me enviar ódio? Acho que as pessoas são genuinamen­te más e com as redes sociais amplificam o azedume que lhes vai na alma.

A Sónia já revelou que foi vítima de bullying na adolescênc­ia. O que se vive nas redes sociais é equiparáve­l? É pior, sobretudo porque na escola estão os garotos, que ainda são irresponsá­veis, e acontece. Sabemos o que é a cabeça de um adolescent­e ou de uma criança. Mas, bolas, adultos? Deviam ter juízo...

Qual é o segredo para manter um casamento feliz entre dois cantores que passam tanto tempo fora de casa? Não sei. Se soubesse, vendia o segredo, também não o ia dizer assim. Aproveitav­a-me [risos]. Não sei mesmo. 

“Por que raio é que as pessoas têm de me enviar ódio? Acho que as pessoas são genuinamen­te más e, com as redes sociais, amplificam o azedume que lhe vais na alma”

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Com 43 anos e 25 de carreira, Sónia Tavares viu-se obrigada a reinventar-se, devido à pandemia da Covid-19.
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