PAÍS EM TUMULTO
As eleições presidenciais foram mais do que um teste político. Se a eleição confortável de Marcelo Rebelo de Sousa é um seguro chapéu de estabilidade, aquilo que se passou à sua volta revela sinais de que o País está em desestruturação. Não apenas devido à votação de André Ventura. As derrotas humilhantes de Marisa Matias e João Ferreira são o sinal mais preocupante. Partidos que foram centrais na ação política nos últimos anos e que acabaram a disputar farrapos de votos com Tino de Rans. Em vários distritos, Vitorino Silva chegou mesmo a bater os dois candidatos da esquerda. Porém, não é a análise política que aqui interessa. Importa perceber o que estes resultados dizem do ponto de vista social. Olhando para a distribuição geral de votos, torna-se claro que os povos do interior do País, nas zonas suburbanas, nos territórios onde o desemprego e as dificuldades da pandemia são mais fortes, se rebelaram contra o equilíbrio político-social onde assenta o complexo democrático. Na linguagem de Fernão Lopes, é o protesto dos “ventres ao sol”. Desiludidos com os seus partidos de protesto que, com a Geringonça, se tornaram instrumentos do poder. Em revolta contra o marasmo dos partidos tradicionais de direita, zangados com o sistema. Em resumo: por ação e omissão, em protesto ou demitidos, cresceu um enorme exército (onde se incluem muitos abstencionistas) que já não suporta o discurso feito de lugares-comuns, muitas vezes mentiroso, quase sempre cínico que domina a vida pública há décadas. Esta transfiguração social de milhões de eleitores é a porta aberta para o tumulto, a raiva, a violência, a revolta. A pobreza, a doença, o desemprego, e agora a ausência de escolas, vão continuar a avançar, agravando ainda mais os sinais de desagregação. Não admiram os resultados eleitorais. Revelam os sinais de uma nova idade. A pandemia está a matar o País. Não apenas com o vírus. Com a ruína do tecido económico e a indiferença para os mais atingidos. O poder político ainda não percebeu que já não governa para todos. Apenas para as redes sociais. É curto e adivinham-se piores tempos.