TV Guia

“Não quero nada ficar uma mulher AMARGA”

Descreve-se como uma questionad­ora “socrática” que recusa envelhecer “a achar que sabe tudo”

- TEXTO JOÃO BÉNARD GARCIA | FOTOS LILIANA PEREIRA

Sem tabus. A atriz, que podemos ver na novela Terra Brava (SIC) e na série Até Que a Vida nos Separe (RTP1), fala de nudez, de inseguranç­as e de quem nunca a deixou desamparad­a com uma filha nos braços. Reflete ainda sobre amizades e menopausa, assume-se ingénua militante e confessa quem são as pessoas que lhe enchem as medidas. E explica, nesta entrevista, como gere as suas desilusões

P“Comecei a fazer televisão por necessidad­e e por me ser aprazível. Já tive de viver com menos, mas nunca estive em situações extremas de desamparo”

ara uma pessoa tímida, estreia-se no teatro, em 1989, com a peça A Ilha do Oriente , onde fez nu integral. Como se sentiu? Não foi fácil, apesar de ser muito nova. Mas a nudez acabou por ser uma coisa secundária, a partir do momento em que senti ser fundamenta­l para a personagem, que era uma ninfa. Deixou de ser complicado a partir do momento em que percebi dramaturgi­camente a necessidad­e dessa nudez. Era um nu artístico, quase até coreografa­do. Se fosse uma situação que me obrigasse a recriar uma situação mais íntima... Como a simulação de um ato sexual? Sim, isso seria duplamente difícil. Mas não foi. Até encarei a coisa com um certo humor, porque não avisei ninguém. Os meus pais [risos] e o meu namorado na altura foram à estreia [mais risos] e ninguém sabia que eu ia aparecer completame­nte nua [gargalhada­s]. Tenho ainda hoje a sensação de ter visto na plateia o meu pai e o meu namorado a fazerem cara de espanto. Diverti-me com essa situação. Isso ajudou-a desinibir-se e a achar que estar em palco é algo natural? Não, não, levou muito tempo. Sei que vomitou em estreias... Que tinha sempre uns nervos tremendos. Ai, levou bastante tempo. Sou, por natureza, uma atriz que se põe bastante em causa. E isso, no início, não funcionou a meu favor. Embora ache que hoje funciona. Sou aquele tipo de atriz descrente de fórmulas de sucesso. Consegue perceber por que razão se põe em causa? Porque acho ser necessário. Qualquer artista deve questionar o que está a fazer. É uma atitude que nos deve sempre acompanhar. No início, poderia ser inseguranç­a? Sim. No início, isso manifestav­a-se numa inseguranç­a muito grande e fez-me sofrer um bocadinho. Algum à vontade que tenho hoje em cena demorei muito tempo a conquistá-lo. Sou uma pessoa que se pesquisa muito. Que se põe em causa. Que se questiona. Isso é bom e necessário. A Rita nunca escondeu que, desde que nasceu a sua filha Francisca, não conseguia viver só do seu ordenado no teatro. Como foi, com uma bebé, recorrer à ajuda dos pais para sobreviver? Os meus pais sempre me ajudaram, não só monetariam­ente como humanament­e. Tenho a sorte de ter uns pais maravilhos­os! A minha filha tem uns avós excecionai­s. É neta única e a princesa aqui deste reino. Quando fui mãe, toda a minha situação financeira se alterou. São dois seres que têm de viver. Foi um fator que influencio­u o facto de ter começado a fazer mais televisão. Mas também o fiz por me ser aprazível. Já tive de viver com menos, mas nunca estive em situações extremas de desamparo. Em momento algum, os seus pais lhe disseram: ‘Estás a ver, eu avisei-te!’? [Gargalhada­s] Eles não me dizem essas coisas porque têm uma filha com um grande caráter. Que, quando toma decisões fulcrais e basilares na vida, fá-las com consciênci­a e muita teimosia. Não vale a pena contrariar. O que me disserem cai em saco roto. Acho que assim nem se atrevem… A Rita, desde 2006, começa a fazer mais televisão. Recorda-se de algum papel secundário que tenha feito que lhe tenha dado um prazer tremendo ou se tenha apaixonado pela personagem? Em quase todas as novelas que tenho feito faço quase sempre os chamados papéis-satélite e gosto muito de os fazer. Tenho boas memórias. Há uma novela que me marcou, Remédio Santo (TVI), em que fazia a Maria Polícia, uma personagem cómica que as pessoas adoravam, que falava tudo em diminutivo­s, e me divertia imenso. Imenso, mesmo. E depois tinha um núcleo muito bom, éramos três irmãs: eu, a Anabela Brígida e a Julie Sergeant. A Julie já era uma das suas amigas? Hoje é a sua maior amiga? Sim, claro, está no pódio [risos]! Agora está na televisão com duas personagen­s, a Rosete, em Terra Brava (SIC) e a Vanessa, em Até Que a Vida nos Separe, na RTP1. Embora a Rosete seja uma personagem secundária, é uma figura fortíssima, uma mulher que defende o seu bordel com unhas e dentes. Sim, fortíssima... Mas se me tivessem dado a personagem de uma mulher com uma fragilidad­e imensa e muito medrosa, ou insegura, antagónica de mim, como atriz, acharia o máximo. Iria trabalhar imenso para contrariar os meus traços de personalid­ade. Deu-lhe gozo fazer a Rosete? Deu, uma dona de um bordel [risos] é sempre uma boa prenda [gargalhada­s]. É uma mulher forte, com valores, que luta por eles de peito aberto.

UMA MULHER NA MENOPAUSA

Agora, vemo-la no papel de Vanessa, uma mulher que viverá uma ‘remexida’ na vida. Aliás, a Rita costuma

usar termos como ‘chocalhar’, ‘agitar’. Esta sua Vanessa será uma mulher muito ‘chocalhada’ pela vida? É uma personagem em rutura consigo. Numa fase da vida em que está a pôr em causa, numa rutura muito solitária. Ela valoriza o amor que tem pelos filhos, pelos pais que vivem com ela, até pelo próprio Daniel, o marido, mas há um conflito interior e solitário que está no seu auge no início da série. Consegue explicar como surge essa vontade de mudança? É fruto de se chegar a uma certa idade. Eu tenho 51 anos, tal como a personagem, e ela tem a sensação de que viveu a vida de uma forma muito construtor­a, muito dinâmica, em função de todos os outros – dos filhos, dos pais, do negócio da família. Dedicou a vida para que a engrenagem familiar não falhasse. Chegou aos 50 anos e, com um fator importante que é a menopausa, que provoca mudanças profundas no humor, chegou a uma altura em que pensou: ‘Então e eu? O que é que eu quero? Será que sou feliz? Está nesta encruzilha­da e questiona se tudo o que conquistou chega para ser feliz? A Rita já falou na questão da menopausa, que é fisiológic­a, hormonal. Foi para si fácil interioriz­ar a Vanessa, por estar a passar pela mesma situação? Ficção é ficção, mas esta série trata de assuntos interessan­tes e importante­s, como a menopausa, e fá-lo de uma forma engraçada. É uma série com um cariz cómico, mas com uma comicidade específica e com doses certas. A

questão dos afrontamen­tos está retratada de forma cómica, mas é verdade que acontece assim com algumas mulheres. Haverá muitas a identifica­rem-se com os estados da Vanessa. Será uma forma interessan­te e lúdica de despertar consciênci­as. Poder pensar e refletir sobre as coisas a sorrir. É interessan­te falar em reflexões porque disse, numa entrevista, que faz sempre mais perguntas do que obtém respostas. Aos 51 anos, ainda tem muitos ‘porquês?’. Completame­nte. E gosto imenso de me surpreende­r e de me espantar. Não sou, e espero nunca vir a ser, uma pessoa que envelhece a achar saber tudo. Cheia de verdades, cristaliza­da... Sim, estanque e incapaz de mudar. Gosto de ter o espetro muito aberto. Sou muito socrática nisso. A dúvida é boa, desde que se saiba lidar com ela e se lide de forma justa. É essa dúvida que a mantém viva, ativa, atual, com um espírito jovem? Sem dúvida. Gosto muito e sou desafiada algumas vezes para isso. Adoro trabalhar com pessoas mais novas. E com pessoas mais novas a dirigirem-me, a encenar. Nunca vou com a postura de: ‘Agora, esta senhora do teatro vai ensinar-vos como se faz’. De todo. Aprendo imenso com eles e eles comigo. Ainda é ingénua e acredita muito nos outros? Sim, tem mesmo que ver com crença. A minha primeira tendência é a de acreditar sempre nos outros. E depois sofre muito, não? Às vezes sofro um bocadinho. Mas isso nunca vai mudar. Nem quero que mude. Porque há uma pureza que não quero perder. Não quero nada ficar uma mulher amarga. Prefiro andar um bocadinho amolgada, mas contente e feliz. Isso acontece porque nunca teve uma grande desilusão? Ó João, as desilusões têm a dimensão que lhes damos. Já tive algumas desilusões, e grandes. Algumas até bastante cedo. Hoje, giro melhor as desilusões, antes sofria mais. Uma das coisas que aprendi foi a redimensio­nar as coisas. É uma aprendizag­em que nos ajuda a lidar com as desilusões. Sei que gosta de pessoas fora da norma, criativas, daquelas que saem fora da caixa. Ai, gosto imenso! Na maior parte das vezes, tenho bastante curiosidad­e em relação a elas. Às vezes, desiludem-me, mas as ‘fora da norma’ suscitam-me muita curiosidad­e.

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Após Terra Brava, Rita Loureiro, de 51 anos, interpreta Vanessa, uma mulher de negócios em plena menopausa, na série Até Que a Vida nos Separe (RTP1).
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Uma dona de um bordel é sempre uma boa prenda”, diz a excelente atriz.
“Deu-me prazer fazer a Rosete, de Terra Brava. Uma dona de um bordel é sempre uma boa prenda”, diz a excelente atriz.

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