Vasco Palmeirim escreve esta semana na TV Guia Carta ao JOKER
Querido Joker. Permite-me, antes de mais, que te trate por tu. Afinal de contas, vai para três anos que entrámos na vida um do outro e acho que já nos conhecemos relativamente bem. Mas sabes... acho que tu, Joker, não sabes que eu, quando era miúdo, não pensava que um dia poderia vir a trabalhar em televisão. Durante a minha infância, passada no Bairro dos Actores em Lisboa, não houve cá consolas Nintendo, computadores Commodore Amiga ou antenas parabólicas que nos permitissem ver a RTL, a MTV ou a Galavision. Nada disso. Em minha casa havia a Antena2 a passar Brahms na casa de banho, os Dire Straits a tocar o Money for Nothing no meu quarto e, na sala, via-se o que quer que estivesse a dar na RTP1 ou na RTP2. Porque, literalmente, não havia mais nada para assistir na televisão. E eu via religiosamente os programas do Herman, os Jogos Olímpicos, o Agora Escolha, o Mr. Bean e os filmes que passavam na Lotação Esgotada, nas noites de quarta-feira. E via, claro, os concursos. Sim, estou a falar de antepassados teus, Joker, e que me punham a jogar em casa: o Palavra Puxa Palavra (que me fazia virar de costas para a televisão, para eu tentar acertar na palavra-chave como se fosse um concorrente), a Casa Cheia (que me fazia comprar a revista Telejogos), sem esquecer a Roda da Sorte (onde o Herman tinha toda a liberdade para fazer o que bem queria. E quem não sabe do que estou a falar, que vá ao YouTube e pesquise por Roda da Sorte - Último Programa). Eu via muitos concursos e até cheguei a ser concorrente num deles, vê lá, mas confesso que nunca me imaginei a apresentar um. Até ao dia em que me ligaram, anos depois, para falar de uma coisa chamada Sabe ou Não Sabe. Sim, Joker, tu não foste o meu primeiro. Mas, em 2018, os nossos caminhos cruzaram-se, Joker. “Vasco, é um sucesso incrível em França e achamos que pode resultar muito bem em Portugal”, foi o que me falaram de ti. Confesso que achei que muita gente iria julgar que, com o nome que tens, serias um concurso da Santa Casa. Enganei-me redondamente. Logo nos primeiros dias, entraste pela casa adentro dos portugueses. E as pessoas não levaram a mal. Pelo contrário, gostaram. E eu, que comecei com algum medo, à procura do meu registo, de perceber o tom certo do programa e de saber fazer a poker-face que agora me sai naturalmente, percebi o quanto gostava de estar ao teu leme. Mais do que isso, percebi que tu, Joker, conseguiste juntar diferentes gerações. Não só no nosso estúdio, enquanto concorrentes, mas também em casa. O público que te vê na televisão – pais, filhos, avós e netos. E que agora, durante o confinamento, continuam a ver-te, cada um em sua casa, mas ligados uns aos outros. Graças a ti. Sabes, Joker, no outro dia saiu uma notícia a dizer que poderias acabar em breve. Eu sei que tão cedo isso não irá acontecer, mas também sei que nada dura para sempre. É graças a ti que tenho diariamente dezenas de mensagens com gente que aborda o meu cabelo ou as minhas meias. É graças a ti que tenho crianças mascaradas de apresentadores de concurso. É graças a ti que tenho pessoas a dizer que se sentem mais perto de familiares que perderam nestes tempos tão loucos. Fazes bem a muita gente, Joker. E a mim também.