Do INFERNO ao sonho
Veio de uma família pobre, foi vítima de bullying, a mãe sofria de depressão e até dormiu com um rato. Mas o talento, o trabalho e um pouco de loucura levaram-no ao maior espetáculo do mundo: o Cirque du Soleil. Tramado pela Covid, espera outra vez voltar
Se não conhece o palhaço do All Together Now, da TVI, vestido de cor-de-rosa e com um cabelo que chama a atenção de todos, fique a saber que ele se chama Rui Paixão e foi, durante dois anos, uma das maiores estrelas do Cirque du Soleil. “Estava no espetáculo mais caro e tecnológico do mundo, que era visto por 2 mil pessoas. Custou, mais coisa menos coisa, 4 biliões de euros. Chamava-se X The Land of Fantasy… E eu era o protagonista”, conta-nos o artista, em exclusivo. Mas o palhaço que foi estrela do maior circo do mundo não começou por sonhar em fazer rir as pessoas. Natural de Santa Maria da Feira, diz ter aquela “história clássica” de muitos artistas e de “filmes de Hollywood”. “Era o rapazinho gordo da escola, que sofria bullying, que era mau a desporto e que era o melhor amigo das miúdas… Na adolescência, tudo o que fosse mau fez check comigo.” Mas, para Rui, que vem de uma família humilde, havia mais problemas: “Os meus pais passavam dificuldades… Nunca tive uma PlayStation, ou roupa de marca, em puto. Além disso, havia o drama da depressão da minha mãe. Vivi num ambiente negro e pesadão na família. E isso só me fazia querer agarrar à vida, ser feliz.”
A sorte do jurado do concurso de Cristina Ferreira só mudou quando o pai o inscreveu no teatro amador, após ter falhado no basquetebol. Rui gostou da aventura e decidiu que era isso que queria fazer. “A minha mãe pensou em suicídio e a minha vida estava num caos! Lembro-me de que tive de fazer o espetáculo na mesma e, quando terminei e vi a minha mãe a conviver com as outras mães, toda divertida, a rir, que era outra pessoa, percebi que era aquilo que eu ia ser. Eu tinha muito potencial para ser palhaço ou, na verdade, ser só mesmo um idiota.”
PESADELO NA ESCÓCIA
Rui atirou-se de cabeça à representação. Foi para uma escola de teatro, mas quando acabou, sentindo-se “perturbado”, decidiu que queria outra coisa. “Aqui, em Portugal, era tudo muito precário e não sabia como é que me havia de safar. Não sou o rapaz bonito, de olho azul, e com o abdominal no sítio que pode entrar nos Morangos com Açúcar. Então, se não sou esse gajo, estou destinado a ter uma vida precária, sem dinheiro para pagar a renda. Estive um ano em reflexão. Queria viajar, mas, como não tinha dinheiro, criei um espetáculo de rua, em que usava um palhaço, para ganhar alguma coisa.”
Apesar das dificuldades, os pais “aprovaram” a sua decisão e lá foi ele. Num mar de incertezas. “Quando era desconhecido, não foi fácil. Fui de autocarro para Edimburgo, na Escócia, para ficar mais barato. Fiquei a dormir numa casa que tinha um rato a passar-me aos pés, a que
chamei Fausto. Era este o nível…”, relembra. Foi aí também que Rui viveu outra cena caricata. Sem meios e dinheiro – almoçava um chocolate, por exemplo –, maquilhava-se em qualquer sítio. “Na altura, era um palhaço um bocado grotesco, com cara marcada, um cabelo verde. Lembro-me de estar a maquilhar-me no reflexo de um vidro e de repente começarem a surgir polícias de intervenção atrás de mim… Foi quando me disseram que estava a usar o reflexo do parlamento escocês.”
Apesar de tudo, o artista viveu o melhor período da sua carreira. “Na vida de saltimbanco, fazes mesmo a coisa pelo amor à camisola. Há ali algo de muito
puro e fresco”, justifica. Certo é que se foi tornando conhecido e, além de ter participado no Got Talent Portugal, da RTP1, começou a ser chamado para espetáculos. Mas Rui queria mais, como formar-se. “E isso era impossível, porque o único curso que existe na Europa é em França
e custa 7 mil euros, por duas semanas.”
Foi então que viu uma promoção no Facebook a dizer que precisavam de palhaços e atores para o Cirque du Soleil. Fez um vídeo e, poucos dias depois, estava em Las Vegas a fazer uma audição: “E ganhei eu, entre 600 pessoas. Subitamente, foi como entrar num filme da Marvel. Do nada passei a ter tudo!”
DESPEDIDO NA CHINA
Infelizmente, a Covid tramou-o. “Estavam a renovar o meu contrato quando parou tudo. Fomos todos despedidos! Foi horrível! Primeiro, levei com 15 dias de quarentena. Eu estava na China e a viver o apocalipse”, diz à nossa revista. Sem trabalho acabou por voltar a Portugal: “Afinal, quem já viveu na rua sobrevive com qualquer coisa. Não, a verdade é que naqueles dois anos amealhei o suficiente para hoje ter uma casa e poder pagar renda, sem me preocupar. Também criei nome, embora tenha 25 anos, e já fiz um espetáculo no Coliseu do Porto, antes disto fechar, onde criei, de resto, este palhaço, que entretanto trouxe para o All Together Now.”
O convite do programa da TVI acabou por ser uma verdadeira lotaria, porque, como todos os artistas, estava parado. “A televisão, de facto, dá uma maior exposição”, admite o jovem à TV Guia, que espera a qualquer momento regressar ao maior circo do mundo.
“Vivi num ambiente negro e pesadão na família. E isso só me fazia querer agarrar à vida, ser feliz”