A vacina 25 DE ABRIL
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto (1). Família e amigos, estavam vivos todos os que me eram queridos e próximos. E eu era feliz. Até que mortos afastados começaram a aproximar-se. E também o espetro da minha própria morte. Tinha vinte anos e não deixarei ninguém dizer que é a mais bela idade da vida – escreveu Paul Nizan, que deixara a França e fora à descoberta dos males do colonialismo. Também já os pressentira, embora num relance apenas. E se tudo ameaça a vida de um jovem: o amor, as ideias, a perda da família, o ingresso entre os grandes (2), a guerra ameaçava a minha e a da minha geração.
Era longe, mas instalara-se entre nós, sem que as notícias nos mostrassem sequer a sua imagem distorcida. O vento que passava nada nos dizia. Na observação de um jornalista alemão (federal), que então conheci, Portugal era um cemitério informativo. Na verdade, a censura, seu (in)competente coveiro, estava em toda a informação, denunciando-se logo na primeira página: “Visado pela Comissão de Censura”. Quando a conheci, já era Comissão de Exame Prévio. A PIDE também passara a DGS, mas nunca se livraria do nome próprio, a sigla que a gramática do povo já transformara em acrónimo. Com estas omnipresenças se queria garantir que a guerra não existia. Mas seria ela a trazer a liberdade que, em 25 de Abril de 1974, mudou este mundo. Eu tinha pouco mais de vinte anos e digo que esses foram os melhores da minha vida. Começaram quando um grupo de militares do Movimento das Forças Armadas entrou no Rádio Clube Português, onde eu estava a trabalhar, e continuaram numa bela crise que fez de Portugal um “laboratório” visitado pela Europa. Vinha ver-nos no nosso primeiro curso prático de política. Mais tarde, já sem “espectadores”, a formação acelerada seria em economia, o que se repetiu até percebermos que a dívida é soberana...
Finalmente, chegou uma espécie de revolução do avesso, que nos obriga hoje a um curso de saúde pública que, como os anteriores, trouxe novas estrelas mediáticas ao espaço público. Mas se há 47 anos uma varanda desconfinou um País orgulhosamente só, agora é uma revolução negra que o confina, enquanto a DGS, apelido de terror para quem tem memória, se transformou na face pública de uma “conquista de Abril”. Soa estranho comparar o número de mortos por Covid com os que a guerra colonial provocou, porque o negacionismo de outros já o tinha comparado às vítimas das estradas portuguesas... Se levarmos à letra o camuflado do almirante da task force (termo de origem militar), seria uma guerra. Mas é uma epidemia. Não a única. Outras merecem uma guerra, antes que a vacina 25 de Abril deixe de fazer efeito: a do populismo que chega, a da corrupção que se instalou, a da partidocracia que persiste... No fim, algo muda ou voltará tudo ao que era? Veremos quando caírem as máscaras.