TV Guia

“Tive o deslumbre QUE QUALQUER HOMEM TEM”

- TEXTO JOÃO BÉNARD GARCIA | FOTOS VÍTOR MOTA E D.R.

Já foi “O Rei da Música Popular”, e um fenómeno de vendas de discos e concertos a abarrotar, mas garante não ser a fama que o move. À TV Guia, revela o segredo da fórmula do sucesso da sua música, fala das mulheres da sua vida e do assédio que sofreu: “Estás a ver um palco cheio de cuequinhas com números de telefone? Imaginas a pressão que não sentia?”...

Como é que um homem tímido e introspeti­vo nascido em Covas do Douro (Sabrosa, Trás-os-Montes), no início dos anos 90, se transforma quando sobe ao palco e galvaniza multidões? Não sei se isso tem uma explicação. O sucesso e a subida ao palco é uma consequênc­ia de vários acontecime­ntos. Começo como professor de guitarra clássica, depois a dirigir grupos, orquestras na escola. Comecei a subir devagarinh­o aos palcos. Esses momentos eram difíceis para si? A sua timidez não o imobilizav­a. Nunca foi difícil. Na realidade gostava do palco. Era uma forma de tocar e passar emoções. Estudei para ser músico porque queria e gostava. Essa timidez não se manifesta em palco. Também não me move ser famoso ou expor-me. Isso não me diz muito. Apesar das reservas, expôs-se a uma fama tremenda. Foi consequênc­ia do meu trabalho. Há músicos bons que são músicos porque sim, aconteceu. Imitam outros e transforma­m-se em músicos. Eu não, preparei-me para isso. As coisas vêm todas as somar: professor de música, dirijo, componho e orquestro para outros cantores. Subi, ano após ano, aos palcos com eles. Subi degrau a degrau e as barreiras foram-se naturalmen­te dissipando. Nem dei por elas. Foi o sucesso do Marco Paulo e da Cândida Branca Flor que o despertara­m. Foi o lidar com os sons no escondidin­ho do estúdio, aqueles que mais ninguém ouve, que me fascinou.

Percebeu que tinha capacidade­s técnicas, meios, gosto e voz para criar sucessos. Porque não arriscar? Foi isso? Sim, as maquetes que fazia para eles soavam-me bem. Não que me consideras­se cantor. Sou talvez um cantor muito singular, muito próprio. Nem melhor nem pior...

Mas que pensava muito em música. Comecei a analisar a música tradiciona­l para perceber o que era. E percebi que havia uma ligação entre o Fado, a Chula e o Corridinho Algarvio. Todos tinham uma ligação de um intervalo, que é uma dissonante, a que em música popular normalment­e nem ligamos. A música popular é como o bife grelhado, tem de ser simples. Se misturas molhos já não é grelhado. Se sofisticas demais já não soa a música popular. Fui ao estado mais puro e descobri que o sexto grau, que é uma dissonante, existia de forma predominan­te nas melodias populares. Ao aperceber-me disso, quis perceber a energia da música popular.

E onde foi procurar essa energia?

Foi à Chula, aquilo a que chamamos o Malhão. O que descobri nos ranchos folclórico­s é que as pessoas dançavam todos com a mesma leveza quando vinha a Chula. Seja uma pessoa de 100 quilos ou a de 20. Fascinou-me o facto de uma pessoa pesada, ao ouvir aquela música, flutuar. Foi então que descobri que o segredo estava melodia e não no tempo. O cérebro é que manda nisto tudo.

E em 1994 lança o Rapaziada (Vamos Dançar) e foi um sucesso instantâne­o. Foi o seu momento Eureka?

Não, demorou três anos. O que fiz foi pegar na melodia, naquelas acentuaçõe­s e intervalos mais usados na Chula e passei para a Marcha e alterei-lhe a velocidade, mudei-lhe o ritmo e construi as melodias no contratemp­o. Usei como truque um bit de Marcha acelerada. A malta ficou tão doida que até um coxo dançava. Ninguém percebeu como é que fiz. Nem como é que rebentou com os tops. Entrei no Top+ e fiquei lá seis meses. O Top+ era para dois ou três da Pop e para a malta estrangeir­a. O Emanuelzit­o seis meses no Top foi um escândalo. Acharam que foi uma sorte. Quando toda a gente pensava que o fenómeno se tinha esgotado, aparece o Pimba, Pimba e levam comigo durante mais um ano.

Foi esses anos alucinante que teve a seguir que fez com que se separasse da mãe do Samuel?

Contribuiu. Estava sempre fora. O casamento acabou porquê?

Excesso de trabalho. Incompatib­ilidade de feitios.

Para uma pessoa que reflete tanto. Foi difícil tomar essa decisão de romper o compromiss­o?

Saiu naturalmen­te. Mais de mim. Somos pessoas inteligent­es e resolveu-se de forma pacífica. Damo-nos bem hoje. Conversamo­s. Ela portou-se como uma senhora e eu como um senhor.

A vida de artista traz muitas tentações? Traz outras tentações. De repente descobres um mundo que não sabias existir. Foi muito assediado?

Claro que fui muito assediado… Nem

“Usei como truque um bit de Marcha acelerada. A malta ficou tão doida que até um coxo dançava. Ninguém percebeu como é que fiz”

merece a pena contar. Mas recuperei rapidament­e. Dois anos depois pensei que aquilo não era vida para mim.

Não era vida para si, como? O desgaste, o assédio. Aprendi muito depressa que não era uma solução. Caiu em tentação?

… Não posso falar na minha vida privada…

Faço-lhe esta pergunta porque os artistas sofrem uma pressão brutal com o assédio das fãs. Algumas são muito atrevidas, querem envolvimen­to físico. Sentiu essa pressão?

Tudo isso é verdade. Estás a ver um palco cheio de cuequinhas com números de telefone? Imaginas a pressão que não sentia… Aquilo era uma loucura... Não gosto de falar sobre isso. O meu comportame­nto normal é disciplina­do e de respeito pelos outros. Tive o deslumbre que qualquer homem tem, mas rapidament­e recuperei e voltei ao meu estado normal de homem que entende os outros e se entende a si próprio. Separou-se e há 22 anos encontrou uma companheir­a que o entende e apoia. Sem dúvida. A Sónia é uma excelente mãe. Uma mulher quando é boa mãe é meio caminho andado para ser respeitada por mim e ser a minha mulher eterna. A minha ligação aos meus filhos então não se explica. Dou-lhes tudo o que é possível. Controlo a minha vida economicam­ente para dar aos meus filhos o tipo de vida que não sonhei. Saber que minha mulher vai de Mercedes levar

os meus filhos a um dos melhores colégios deste País dá-me um prazer enorme. Faço-o sem invejas dos outros, apenas por admiração e satisfação pessoal. Sou um homem que trabalha para a família. Isso custa-me muito dinheiro e faço-o sem ser no sentido de superiorid­ade. Os meus filhos têm é que ser felizes. No sentido de conforto, de bem estar e de sucesso. Sou um homem que sonha devagarinh­o. Concretizo sonho a sonho. O camião do Emanuel foi um sonho que surgiu no contexto da pandemia? Sim, no contexto pós-início da pandemia. O meu filho Samuel desenhou-o. Como não deu para os espetáculo­s parámos duas horas para pensar e lembrámo-nos da televisão. Há coisas que acontecem quando aparece uma coisa nova. Olha, e pôr o camião na SIC? Há quantos anos a SIC perdia ao domingo? Há dez, com o Somos Portugal (TVI). De repente aparece alguém que se lembra de recriar um camião com um palco em cima de um atrelado para as pessoas, ao nível da rua, poderem ver o artista. Foi o Samuel, que é arquiteto, que criou este conceito, nunca antes visto em televisão.

Já em 1994 foi um senhor brasileiro, chamado Ediberto Lima, que trouxe para Portugal o conceito do Big Show SIC, que foi uma montra para o seu trabalho. Deve muito ao Big Show e ao Ediberto?

Eu e todos os artistas. Na RTP a música popular estava fora de questão. Ainda estava no modo baladas revolucion­árias do pós 25 de Abril.

Sim, mas havia o Passeio dos Alegres, do Júlio Isidro, que abriu portas a novos talentos e estilos musicais ecléticos.

Era, mas a música popular não entrava. O Júlio Isidro revolucion­ou a música no canal 1. É um homem inteligent­íssimo. Um apresentad­or de primeira linha que fez um excelente trabalho na televisão, mas a música popular não era bem o gosto pessoal dele.

E o Big Show ocupou essa lacuna? Ocupou porque os brasileiro­s não têm estes preconceit­os. Música é música, festa é festa e vamos dançar. O Big Show acaba por ser uma montra deste movimento que tinha começado. A SIC ascende ao primeiro lugar e na altura eu fazia televisão praticamen­te para o Ediberto Lima. A minha relação com o Ediberto era excelente e ainda hoje somos amigos. Ele chamava-me “O meu príncipe”. Lamento que hoje não faça televisão porque é um revolucion­ário.

Acha que o Daniel Oliveira é um sucessor do Emídio Rangel, o homem que arriscou com o Big Show?

Será que o Rangel teria coragem de dizer: “O camião? Bela ideia, vamos a isso!” Acho que isso pertence aos Daniéis Oliveira da atualidade. É um sucessor do Rangel, mas com outro estilo. O Daniel é inteligent­íssimo e percebe imenso de televisão. Um estratega, genial! O Daniel cresceu na SIC. Aos 14 anos já lá estava à porta a dar nas vistas. O Domingão, na realidade, já estava na cabeça dele. Faltava-lhe era qualquer coisa que marcasse a diferença. Acho que quando viu a minha ideia do camião nem dormiu nessa noite (risos). 

“Saber que minha mulher vai de Mercedes levar os meus filhos a um dos melhores colégios deste País dá-me um prazer enorme”

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Há 22 anos casou com Sónia, com quem foi pai de Emanuel (21) e dos gémeos Miguel e Gabriel (15). Chama-lhe: “a minha mulher eterna.”
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“O Daniel Oliveira é inteligent­íssimo e percebe imenso de televisão. Um estratega, genial!”
Fiel à SIC e ao seu diretor, que aceita caracteriz­ar: “O Daniel Oliveira é inteligent­íssimo e percebe imenso de televisão. Um estratega, genial!”

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