TRAGÉDIA INVISÍVEL no supermercado
Ainda meio absorvido pelas notícias, mas com a lista das compras na mão, empurro com a outra o carrinho do supermercado. Cruzo vários rostos com os sinais inquietos deste tempo de pandemia participando em quase despreocupação no processo consumista dos recursos do planeta. É certo que ouvimos todos falar do Afeganistão, dos incêndios na Europa e Estados Unidos, lemos das cheias na Alemanha, alguns até mesmo das eleições no Irão… Mas, como escreveu Eça de Queiroz nas Cartas Familiares e Bilhetes de Paris, o impacto dos acontecimentos sobre nós deriva desta “abominável influência da distância sobre o nosso imperfeito coração”. Olho então para os produtos ordenados, cada um com o seu made in, origens planetárias sob o traço comum do plástico que os envolve. E nem a secção da roupa o isenta: é fabricada em países de mão de obra barata (a mais das vezes em circunstâncias que seriam para nós socialmente insustentáveis), e vendida num quase preço de saldo. Só que os milhares de milhões de peças comercializadas em cada ano medem-se também em milhões de micropartículas de plástico lançadas nos oceanos, dizimando e envenenando centenas de espécies. Não há bela sem senão! Nestes corredores de supermercado há diversidade e qualidade, sinais de poder de compra. Mas quanto maior for o rendimento das sociedades, maior acaba por ser a sua quantidade de dejetos. O problema resolve-se, porque uma percentagem elevadíssima do lixo dos países ricos é exportada para países em vias de desenvolvimento para ser reciclado, ao abrigo de um suposto estímulo ao desenvolvimento desses países. Curiosidades de um mundo demasiado desigual… O ar condicionado e os sistemas de refrigeração vão permitindo uma amena temperatura, essa que torna a viagem consumista mais agradável e os produtos mais apetecíveis nos escaparates. Assim se aumentam os gazes de efeito de estufa na atmosfera e as suas consequências: aquecimento climático, declínio da biodiversidade. aumento das catástrofes naturais. A ciência não se cansa de o alertar! Prossigo a minha tarefa, riscando da lista o que faz falta e já adquiri, olhando o que não faz falta e se exibe insidiosamente nas prateleiras desta sociedade de abundância e desperdício. E lá vou então até à caixa pagar o preço do bem-estar, distraindo-me com a montra dos jornais e revistas enquanto espero. Lá estão as últimas notícias de mais uma transferência milionária no futebol, o fait divers de um ator em pleno romance estival… Pago a conta, arrumo as compras e parto sem me dar conta que o estado geral do meio ambiente continua a deteriorar-se vertiginosamente, perigosamente…