Medos e política
O medo da PIDE/DGS colocava baias estreitas ao convívio. A denúncia era a rainha deste império do mal
Aproximamo-nos a passos largos da celebração do cinquentenário do 25 de Abril. Celebrações não faltarão. A maior parte delas com protagonistas que ainda não eram vivos quando se desencadeou o Movimento das Forças Armadas. Agora, quando se procuram conquistas e derrotas deste passado recente, julgo que há um denominador comum que nos une: há cinquenta anos que não existe polícia política em Portugal. A verdadeira polícia da Ditadura. A PIDE/DGS foi responsável pela construção de emaranhado de competências, que iam do controlo de fronteiras até à Censura, que durante décadas impôs a política isolacionista do Estado Novo assim como uma estranha e invisível estrutura informal que cruzava a sociedade portuguesa e amordaçava. A polícia política foi a máquina do medo. Embora não fosse grande o contingente de funcionários, construiu uma rede de informadores pagos e não pagos, que estenderam a desconfiança, a insegurança, o receio da prisão de tal forma que, para quem viveu esses tempos, domesticou as palavras. Não se falava de política, de cultura, de política externa, de música, nem se discutiam livros com qualquer pessoa. O medo colocava baias estreitas ao convívio, o risco de ser denunciado estava inscrito subjetivamente nos dizeres e nas escritas fossem públicas ou de mero recreio entre amigos. A denúncia era a rainha deste império do mal. Nem sempre por que os denunciantes eram situacionistas. Uma cunhazinha para o filho, desfazer qualquer empecilho burocrático, obter um emprego que superasse a miséria faziam parte da ementa da qual se serviu amplamente a PIDE/DGS assim como a sua antecessora, a PVDE, criada em 1933.
Silva Pais será o nome mais repetido por tê-la dirigido mais tempo. Até à sua extinção. Porém, o grande ideólogo foi o seu primeiro director, o capitão Agostinho Lourenço. Bebendo diretamente da polícia fascista e da polícia nazi, a que associou a experiência acumulada com os serviços de informação do Reino Unido, este militar espartano, firme, disciplinado e disciplinador construiu este formidável aparelho do medo. Prisões arbitrárias, tortura sem piedade, desterros para campos de concentração inomináveis e assassinato foram ferramentas sempre usadas generosamente. Pelo medo calavam-se escritores, poetas, músicos, cantores, jornalistas. Quem não temia, tinha a repressão sem controlo como ameaça. Dias ruins que se recordam nesta grande festa da Liberdade para que nunca se esqueça.
‘‘Quem não temia, tinha a repressão sem controlo ’’ como ameaça