UM CHEF COM CADÊNCIA
Rabanadas, e não são as normais do Natal, nem aquelas que chegam do vento. Tenho um querido que me dá três com a maior da despreocupação. É do género masculino que encontra a testosterona fora do ginásio. Ginástica e levantamento de pesos, somente nos que vê em anúncios. Mexe uma palha, contudo, no que toca a mexer ovos, ui, a coisa modifica-se. E que coisas boas me chegam, coisas doces, que o prazer me leva à boca com facilidade, coisas que me abrem o apetite, sem deixar que se derreta o principal. Não derrete, fica firme, enigma a descobrir; o que já é grosso ainda engrossa mais, como se isso ainda fosse possível. E é, pois. Acontece-me sempre com este cozinheiro perito em sobremesas e em pratos quentes principais, que põe e tira do forno na altura certa, alaga a fonte santa. Não deixa queimar, tão pouco arrefecer. Gratina com frequência, é verdade, sim senhora. Qualquer movimento em falso, zás, o empadão consistente é despromovido a pudim. O homem não se atrapalha. Treme, treme, que eu gosto tanto que me façam tremer. Depois de breve tremedeira, a iguaria retorna ao volume desejado. E não se fica por aí. O chef quer mostrar novas receitas de culinária nacional. Tem mãos, punhos, pernas e uma perna extra para que seja inesquecível. É, acreditem. Muito embora não morra de amores por bacalhau, é impossível resistir ao que faz, e bem, de coentrada. Entra bem e despega-se com enorme categoria; não se sente (ou quase, não) a compreensível dificuldade, que não isenta os experientes da matéria. Dou por mim, às vezes, sozinha, a relembrar os sessenta minutos ininterruptos, que me parecem pouco e me sabem a imenso. Ou atrás do que me faz e, de frente ao espelho, não respondo pelo que disse em relação aos concertos sem mãos estranhas. Eu, logo eu, que não sou apologista de solos, pago literalmente pela língua.
“E QUE COISAS BOAS ME CHEGAM, COISAS DOCES, QUE O PRAZER ME LEVA À BOCA COM FACILIDADE, COISAS QUE ME ABREM O APETITE”