PIONEIRA
A modelo Hanne Gaby Odiele conta como foi crescer sendo intersexo, a decisão de se assumir – e a sua nova missão de defesa e apoio à comunidade.
Por Lynn Yaeger. Quando tinha duas semanas de vida, Hanne Gaby Odiele sofreu uma infeção. Os pais levaram-na ao hospital, junto à sua terra natal, Kortrijk, na Bélgica. Os médicos fizeram-lhe análises ao sangue – e informaram Franke e Annie Termote que o seu menino ia ficar bom. Menino? Ficaram perplexos. As análises revelaram que a criança sofria de uma condição clínica conhecida como síndrome de insensibilidade ao androgénio (SIA) – embora fosse geneticamente do sexo masculino, com um cromossoma X e um Y, era resistente às hormonas masculinas, ou androgénios. Hanne nasceu com testículos internos e sem útero nem ovários. Os médicos da família Termotes nunca tinham visto nada assim. O casal foi encaminhado para um especialista, que deu a mesma informação ouvida vezes sem conta pelos pais de Hanne enquanto a filha crescia – era intersexo. Iria precisar de cirurgias corretivas e era fundamental que tudo fosse mantido em segredo, inclusive da própria Hanne.
Odiele tem agora 28 anos. É modelo e já pisou passerelles, de Chanel a Givenchy e Prada, e protagonizou campanhas da Mulberry e Balenciaga. Conta-me tudo isto enquanto bebemos champanhe, ao início da tarde, num restaurante em Nolita onde a decoração cor-de-rosa pastilha elástica condiz com a sua camisola felpuda da Acne Studios. Um sublinhado involuntário do estereótipo “o rosa é para raparigas” – uma coincidência interessante para a nossa conversa, diz a rir-se.
Na nova paisagem do sexo e do género – num mundo onde os direitos trans e gay têm feito conquistas incríveis – o intersexo é, possivelmente, o último tabu. A decisão de Odiele de se assumir, revelando todos os pormenores do corpo com que nasceu, e de se tornar porta-voz e defensora da comunidade intersexo é um ato de enorme bravura. Embora ela reconheça ter sido inspirada por Hari Nef e Andreja Pejic, modelos trans que já desfilaram em passerelles importantes, Odiele está a explorar territórios desconhecidos – é impossível identificar uma única pessoa, em qualquer área, que seja assumidamente intersexo.
Intersexo é, na verdade, um termo abrangente para mais de 30 condições diferentes em que uma pessoa nasce com uma variação na sua anatomia sexual. Durante décadas, a maioria dos médicos reagiu aos bebés intersexo mandando-os para a sala de operações. A dra. Ilene Wong, MD, uma urologista que já tratou adultos intersexo diz que, nos últimos anos, “a paisagem está a mudar, as pessoas a tornaream-se conscientes das consequências. Algumas coisas não precisam de ser corrigidas! Às vezes