VOGUE (Portugal)

ABC DAS EMOÇÕES

Há pessoas que parecem desculpar a imperfeiçã­o do mundo com a sua própria inquietude. Quando entra numa sala, Anabela Moreira traz consigo a brisa das coisas selvagens. E, no entanto, a atriz-fetiche de João Canijo, com quem repete parceria em Fátima, é t

- Por Ana Murcho. Fotografia de Mário Príncipe.

izeste 41 anos há relativame­nte pouco tempo. Como é que te sentes? “Sinto-me maravilhos­a. Eu tinha uma ideia do que era ter 40 anos, quando tinha 20, achava que ia estar uma mulher cheia de rugas, acabada. E como isso não aconteceu, e de vez em quando até me sinto mais feminina, com mais confiança, fico muito feliz com o que conquistei em 41 anos. Sinto-me bem. E se calhar sinto-me melhor agora do que me sentia com 31, 32 anos, que era a fase da negação. Acho que a partir dos 35 anos resolvi isso muito bem. Foi olhar-me ao espelho e dizer: ‘Ok, tens 35 e então? Estás viva, estás inteira!’ Há muitas angústias que desaparece­m. Eu lembro-me de ter 18 anos, não queria voltar lá nem que me pagassem. Foi demasiado angustiant­e. Todas nós nos devemos lembrar do que era levantarmo-nos para ir à água e achar que a praia inteira estava a olhar para a borbulha que tínhamos nas pernas. E agora estou liberta disso. E é tão bom, sabes? Ser mulher, ter 41 anos, viver no nosso tempo, ter independên­cia económica, ter independên­cia emocional, saber tudo o que sei hoje, olhar-me ao espelho e não me ver acabada.”

Eram mais de 40 mil carateres de entrevista para partilhar, cerca de uma hora e meia de conversa, e nem assim chegaríamo­s a metade dessa cartografi­a intensa por que se rege Anabela Moreira (Lisboa, 1976), a atriz de mil facetas que também é, já suspeitáva­mos, uma mulher misteriosa. Para nosso desgosto, não estamos a escrever um tratado das paixões da alma e, nos tempos modernos, as palavras querem-se rápidas, sucintas. Há pormenores que ficarão pelo caminho, como o lenço de seda que, naquela tarde, lhe tapava o decote ligeiramen­te suspeito, ou o sobretudo que escondia o corpo trabalhado a ballet – e tantas vezes esquecido em nome da Arte (“Lembro-me de, no fim do Mal Nascida, a minha irmã Margarida me dizer: ‘Anabela, eu não te estou a reconhecer, a forma como tu andas, a forma como tu te mexes, tu não pareces da nossa família.’”). Mas registam-se pequenos detalhes que fazem a diferença entre ser despretens­ioso e ser extraordin­ário. Como o medo de ouvir rádio. “Ainda hoje não gosto de ouvir rádio, porque as músicas interferem com o meu estado de espírito. De um segundo para o outro estou nervosa ou estou calma ou estou atenta ou estou focada, e nem eu sei explicar de forma racional porque é que isso acontece. Às vezes uma música rock muito puxada não me deixa nervosa e existem outras que até parecem calmas e que me deixam a mil à hora, e depois outras que me fazem lembrar de coisas da minha infância… Então nunca ouço rádio, porque não gosto de ser perturbada sem estar à espera. Dói muito.”

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