VOGUE (Portugal)

Duas vidas

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enho duas vidas, uma antes de 1961, outra depois.” O ponto de viragem foi trocar Barcelona por Lisboa. Mas o que levou uma jovem aristocrat­a holandesa a instalar-se em Portugal, há quase 60 anos, tornando-se portuguesa de cultura e coração? O primeiro olhar foi de assombro e encantamen­to. Pelo verde “tão verde” do “Portugal cinzento”, a féerie naïve da Lisboa de então, e o amor por um dinamarquê­s que aqui vivia, com quem casou e que foi pai da primeira filha, Carina. Mais tarde, conheceu o escultor Gil Kalisvaart, que chegou de veleiro à barra do Tejo. Apaixonara­m-se, tiveram um filho, Tiago, e partilhara­m a paixão comum pelo Alentejo, onde puseram de pé vários projetos. Foi assim, por amor, mas também atrás das famosas mantas alentejana­s, que Mizette chegou a Reguengos de Monsaraz, onde criou raízes, onde também vivem os seus filhos, Carina e Tiago, e os quatro netos. Mas como é que tudo começou? Tinha 18 anos e estudava em Barcelona. Quando começou a visitar Portugal decidiu trocar a bolsa de estudo e vir para este país soturno, “mas tão verde”, com uma luz inigualáve­l, um mar de assombro, o peso da História à flor do chão.

Mizette Nielsen conseguiu, com Bonita, culta e viajada, Mizette tornou-se

a sua Fábrica a it girl num mundo onde

de Lanifícios, proteger o a Moda começava a abrir-se para

património

novas tendências. Foi das primeiras a

nacional das Mantas usar minissaia, hot pants e calças, no

Alentejana­s

País ultraconse­rvador. Dominando

(à esquerda).

várias línguas além da sua, francês, castelhano, inglês, somou-lhes o português e começou a trabalhar como hospedeira de terra na British Airways. Depois, e com June Burton, ex-miss África do Sul, criou a Juno, primeira agência de modelos em Lisboa. Antes, pediam-lhes figurantes para cinema e publicidad­e. As duas recorriam à agenda pessoal, mas também ao Lisbon Players, famoso teatro inglês que tinha por encenador Alain Oulman, que, com Amália, revolucion­ou o fado: “um dinheirão em telefonema­s, para arranjar os tais figurantes.” A “oficializa­ção dos serviços” impunha-se e foi um êxito. Para a história, fica a presença nos bastidores de 007 – Ao Serviço de Sua Majestade, rodado no Estoril e no Guincho com largas dezenas de figurantes; os eventos Miss Portugal; e a escola de manequins onde “tínhamos de ensinar tudo: desfilar, posar, sair de um automóvel, maquilhar…”.

ncontramo-nos na Fábrica Alentejana de Lanifícios, que comprou em 1979. A Fábrica das Mantas, instalada num enorme lagar de azeite recuperado. Um museu onde se encontram algumas das antigas mantas de lã de merino fabricadas em Reguengos. Os velhos teares manuais de madeira ainda funcionam, e a história continua presente, numa tradição de raízes islâmicas que remontam à presença plurissecu­lar dos mouros na Península. Numa região onde chegaram a trabalhar quatro fábricas assim, cada uma empregando mais de 20 pessoas, resta a “fábrica da Mizette”, com cinco mulheres ao tear, mas famosa no mundo inteiro.

Com a entrada de Portugal para a CEE, o projeto estremeceu e Mizette diversific­ou. Hoje, as suas mantas são usadas como colchas, tapetes, almofadas. Há mais padrões, sem pôr de lado os desenhos tradiciona­is, e a matéria-prima: lã, sem misturas. E adereços de Moda, carteiras, cintos, abafos, vendidos na sua loja no castelo de Monsaraz e para decoradore­s de todo o mundo. Recentemen­te, vendeu para as lojas Kenzo, coletes e tapetes. Durante a entrevista, agendou várias visitas de estudo. Professore­s de História, Belas-artes, Têxtil e História de Arte trazem os alunos à última fábrica artesanal de mantas e agasalhos de lã da Península Ibérica, e quase da Europa. Todo o ano, chega gente do Canadá, Marrocos, África do Sul e mais! A New York Times Style Magazine dedica-lhe uma página; Lonely Planet e o Guia Michelin e A Vida Portuguesa têm-na como referência.

A mãe, baronesa, quando percebeu que Portugal era opção definitiva, recordou-lhe os dois antepassad­os que vieram na frota dos cruzados comandada pelo conde da Holanda, ajudar Afonso II a tomar Alcácer do Sal aos Mouros (1217). Uma história “para os filhos e netos”. Mas para ela, que dispensa títulos, basta-lhe o nome próprio. Mizette. l

Aos 23 anos, Mizette Nielsen veio para Portugal. Mais tarde, instalou-se em Reguengos de Monsaraz onde firmou obra, defendendo um património milenar: as mantas e os tapetes alentejano­s.

Por Manuela Gonzaga.

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