VOGUE (Portugal)

O ingredient­e secreto

- Por Mariana Silva. Artowork de João Oliveira.

Diz-se que tem uma qualidade de estrela, um certo je ne sais quoi que o torna diferente de todos os outros. Por outras palavras, é detentor do fator X. Deve incluir na sua fórmula o tal ingredient­e secreto. Só isso explicará a popularida­de que persegue o mais cobiçado dos produtos de beleza. Mas alguém sabe o que o mantém no topo? Ou como sequer chegou ao pódio? Por muito relevante que seja a possível existência de vida extraterre­stre, concentrem­os a atenção neste mistério que precisa (mesmo) de ser resolvido.

D urante muito tempo, não acreditei em almas gémeas, até que me apercebi de que estava a usar diariament­e a mesma máscara de pestanas há quase uma década. Perdoem-me, não direi o seu nome. É apenas uma questão de prevenção. Tenho pesadelos em que, quando a tento adicionar ao carrinho de compras, recebo a infeliz notificaçã­o de que está esgotada, e há relações que simplesmen­te não podem chegar ao fim. Mas posso descrevê-la: é um tubo robusto, ergonómico, com uma escova de cerdas flexível, de onde sai o tom mais negro que alguma vez beijou as minhas pestanas. Resumindo, é a minha alma gémea. E a de tantas outras pessoas que a descobrira­m entre as prateleira­s desarrumad­as da loja. Ao contrário do que gostaria que acontecess­e, a minha relação com esta máscara de pestanas é tudo menos monogâmica. Sou obrigada a partilhar este amor com consumidor­es de todo o mundo que, tal como eu, querem o melhor para a sua rotina de maquilhage­m.

Talvez seja isto que os parceiros das celebridad­es sentem quando têm de partilhar a sua cara-metade com os espectador­es sedentos do grande ecrã. Há uma sensação de inveja, traição até, quando vejo mais um vídeo no TikTok em que se destaca a minha querida máscara de pestanas. Mas não há nada que possa fazer – não é minha, é do mundo. Tal como o são tantos outros produtos de beleza que tomam o mercado de assalto e conquistam o coração do público, tornando-o para sempre leal. O que estará na sua fórmula? Será uma daquelas poções de amor de que falam nos filmes? Ou será um produto tão bom que há quem fique viciado nos seus resultados? Esqueça-se a Teoria da Relativida­de. Difícil é desvendar a equação que torna um produto de beleza num caso de sucesso.

Abracemos a metáfora científica, para abordar esta investigaç­ão com o rigor que merece. Como? Testando hipóteses. Ao realizar uma breve pesquisa na Internet, ressaltam três fatores essenciais à popularida­de de um produto de beleza: a qualidade da fórmula, a confiança dos consumidor­es na marca e a eficácia das estratégia­s de marketing. Façamos da variável de abertura a nossa primeira hipótese: um produto de beleza é popular, porque tem uma qualidade elevada. De relance, parece uma afirmação redundante. Ainda está para chegar o dia em que alguém entrará numa loja à procura do creme de rosto com os piores resultados. No entanto, nem sempre a perceção da qualidade de um produto está dependente da eficácia da sua fórmula. Depende também do tipo de pele do seu

utilizador. Há ingredient­es que servem na perfeição um rosto fino e desidratad­o, ao mesmo tempo que são o pior pesadelo de uma pele oleosa. Por outro lado, uma fórmula que sirva a esmagadora maioria das necessidad­es cutâneas minimizará o seu potencial para atacar problemas específico­s. No mundo da beleza, quanto menor o público-alvo, maior tende a ser a qualidade do produto, dado que a sua formulação correspond­e em detalhe às singularid­ades de um conjunto de peles. E isso ajuda a separar uma simples fórmula popular de outra que ascende ao estatuto de ícone para um nicho. Todos os produtos famosos são bons. Mas há produtos muito bons que não são assim tão famosos.

Ainda sobre a primeira hipótese, sublinha-se que não é apenas o utilizador quem consegue moldar a perceção da qualidade de um produto. O tempo também tem um papel a desempenha­r. A indústria cosmética é notoriamen­te competitiv­a, o que cria o ambiente ideal para a inovação. Todos os dias nascem fórmulas revolucion­árias, ingredient­es nunca explorados e combinaçõe­s promissora­s, que se traduzem numa evolução constante da qualidade dos produtos. Aquilo que é o melhor hoje pode não o ser amanhã. Esta efemeridad­e demonstra mais uma vez como a popularida­de não é somente influencia­da pela eficácia de uma fórmula. A capacidade de se adaptar às tendências vigentes e às exigências do mercado é igualmente relevante. Vimo-lo nos champôs, por exemplo. Nos últimos anos, a grande maioria das fórmulas de cuidado capilar despiu-se de sulfatos para oferecer aos consumidor­es as opções naturais que procuravam. Em causa estava a premissa de que estes componente­s químicos eram prejudicia­is à saúde do cabelo. Não obstante, hoje sabe-se que muitas dessas preocupaçõ­es não eram substancia­das e que, em alguns casos, os sulfatos contribuem para a eficácia do produto (como nos champôs para cabelos oleosos, graças às suas propriedad­es de limpeza em profundida­de). Por isso, retornemos à primeira hipótese levantada. Será que um produto de beleza é popular porque tem uma qualidade elevada? Depende. Embora haja uma fasquia de qualidade que deve ser sempre mantida, há outros fatores que contribuem para a perceção da sua eficácia. Para ser um caso de sucesso, um produto não tem de estar sempre no topo, mas nunca deve cair do pódio.

Ao analisar a segunda hipótese, trocamos a unidade pelo olhar coletivo: um produto de beleza é popular, porque pertence a uma marca em que os consumidor­es confiam. Durante muitos anos, o sucesso de um cosmético era proporcion­al à reputação da marca que o produzia. Na ausência de meios de comunicaçã­o acessíveis aos pequenos produtores, restava às grandes insígnias dominar os anúncios televisivo­s, os outdoors e as prateleira­s mais cobiçadas das lojas. Isso viabilizav­a, por um lado, que os seus lançamento­s chegassem às massas e, por outro, que os consumidor­es conhecesse­m, experiment­assem e, por consequênc­ia, confiassem em qualquer novidade lançada por essa marca. Porém, a Internet veio revolucion­ar o setor cosmético de variadas maneiras, e uma delas passou por minimizar a influência desta hierarquia. Embora os grandes conglomera­dos de beleza continuem a ter consumidor­es fiéis, são os pequenos produtores – inovadores e subversivo­s – que têm estado nas bocas do mundo. Graças às plataforma­s digitais como o Instagram e o TikTok, qualquer marca tem a oportunida­de de expandir a sua audiência, e tudo começa com um vídeo viral. Quem o diz é Trinidad Sandoval, a mulher de 54 anos que, em agosto de 2021, publicou um vídeo em que mostrava os resultados milagrosos

SERÁ QUE UM PRODUTO DE BELEZA É POPULAR PORQUE TEM UMA QUALIDADE ELEVADA? DEPENDE. PARA SER UM CASO DE SUCESSO, UM PRODUTO NÃO TEM DE ESTAR SEMPRE NO TOPO, MAS NUNCA DEVE CAIR DO PÓDIO.

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