Pós-doutoramento em influência
Num mundo repleto de vídeos “get ready with me” e “morning routines”, para quem olhamos na altura de seguir conselhos… e porquê?
uando estamos doentes, o senso comum manda-nos procurar ajuda médica. Quando temos dor de dentes, o caminho natural é procurar um dentista. Quando temos uma erupção cutânea ou uma reação alérgica, a primeira coisa a fazer é procurar um dermatologista. Ou, pelo menos, deveria ser. Mas, nos dias de hoje, não é. Temos estado apenas a fazer um check-in online. Se por um lado as redes sociais, as plataformas de streaming ea world wide web em geral permitiram a globalização e uma ligação entre sociedades como nunca, por outro, permitiram também que o DIY (do it yourself) se transformasse numa solução para tudo, e que o aconselhamento profissional fosse substituído por um motor de busca que gosta de mudar o seu logótipo diariamente. E embora o acesso à informação na ponta dos nossos dedos seja certamente algo que devemos agradecer e valorizar devidamente, será que — inadvertidamente — alterámos a dinâmica do conhecimento e, mais importante ainda, da confiança?
A sociedade assistiu, nas últimas décadas, à ascensão do influencer como personagem fundamental e de ruptura na nossa dinâmica social e quotidiana. Claro que, de uma forma ou de outra, os influencers sempre existiram. Da realeza aos aristocratas, passando pelas estrelas de cinema e pelos políticos, ser influente sempre foi “uma coisa.” No entanto, atualmente, ser um influencer pode ser, e muito provavelmente é, “a coisa toda.” Quando analisado em pormenor, o conceito e o brilho por detrás de ser um influencer resume-se a viver uma vida aspiracional que as pessoas desejam obter. Quer se trate de uma vida orgânica e integral ou apenas em determinadas áreas, os influencers são as pinturas clássicas atuais da época barroca, que celebravam exageradamente a vida humana, acima e dentro do divino; ou as do movimento rococó, em que a arte apresentava imagens completamente afastadas da realidade social, sendo a vida retratada como arejada, livre e resolvida, sem dificuldades ou desafios económicos. Será que isso nos diz alguma coisa?
Dito isto, não há nada de errado em retratar uma vida de sonho e, melhor ainda, em vivê-la. Ao mesmo tempo, não há mal nenhum em estar interessado e investido, curioso, se preferirmos, na forma como estas estrelas modernas da realidade vivem o seu dia a dia. A forma como se preparam (“get ready”), ou a sua rotina matinal, torna-se entretenimento de primeira e o seu consumo é, mais do que normal, quase expectável. O problema surge quando a linha entre entretenimento e orientação é ultrapassada. Porque não há nada de errado em estar interessado e apreciar a vista, mas nunca se deve esquecer que a curiosidade acabou por matar o gato.