Volta ao Mundo

A cidade de Bob

Robert Sherman é o embaixador dos Estados Unidos em Portugal. Bob é o diminutivo por que todos já conhecem este fã de Portugal, de futebol e da comida portuguesa. Fizemos com ele um roteiro da sua cidade natal, onde vive. Boston, Massachuse­tts, lugar hist

- TEXTO CATARINA CARVALHO

Boston é uma cidade de pertença. Poucos podem dizer que são de Nova Iorque, por exemplo. Passam por lá, algures na sua vida, muitos, mas ser de lá é difícil. Em Boston há um fenómeno de pequena-grande cidade que faz que muitos dos que lá nascem, cresçam e vivam por lá todas as suas vidas. É caso raro, nos Estados Unidos. Também por isso a capital do estado do Massachuse­tts tem um certo tom familiar que não parece ser abalado nem pela gentrifica­ção dos seus bairros mais tradiciona­is nem pelos arranha céus que foram construído­s ao longo dos anos –e o maior dos quais, a Millennium Tower, foi erguido pela construtur­a de um português, António Frias. Uma das cidades mais antigas dos EUA, berço da América independen­te, livre e terra dos ideais humanistas como a conhecemos hoje, Boston sempre foi acolhedora para imigrantes – e hoje é das que mais portuguese­s e seus descendent­es têm.

Em Brockton, a cidade que faz parte da área metropolit­ana de Boston, onde vivem muitos desses portuguese­s, também nasceu o atual embaixador americano em Portugal – Robert Sherman –e a sua mulher, Kim Sawyer, que, aliás, continua dividida entre Lisboa e o outro lado do Atlântico. Bob, como já lhe chamam todos os portuguese­s que se familiariz­aram com os seus vídeos no YouTube, o apoio à seleção e os passeios por Portugal de moto, é dos que nasceram, cresceram e vivem ainda em Boston.

Nem era difícil perceber, bastava ouvi-lo a dizer o nome da cidade, transforma­ndo em sons de «a» todos os «o» da palavra. «Fiz parte de Boston toda a minha vida», conta. «Adoro esta cidade. Há uma série de coisas que me agradam nela: um tom europeu, gosto da conexão que tem à história americana. Para perceber Boston tem de se perceber que é menos uma cidade do que um conjunto de bairros. Há mais uma identidade local. De onde és? Sou de Beacon Hill, South End, e há uma proximidad­e das pessoas com quem crescemos. Há mais um sentimento de pequena cidade.»

Como todas as grandes cidades americanas, Boston está a viver o fenómeno que se convencion­ou chamar gentrifica­ção: a entrada de jovens profission­ais com poder de compra e sentido de estilo – entre eles muitos da comunidade gay – nos bairros mais tradiciona­is e, por vezes, degradados. É o que está a acontece no bairro onde Bob Sherman mora, o South End, mas por toda a cidade há zonas que estão a mudar a uma grande velocidade. Para a mudança contribuír­am as enormes obras que

O South End é um bairro que foi recuperado para a vida da cidade recentemen­te. É onde vive o embaixador americano.

puseram em túneis debaixo do centro as vias rápidas que o cortavam – cá em cima ficaram jardins arranjados que fazem a ligação à zona das baías e do mar. «Vi a cidade a mudar nestes anos todos. O meu escritório fica mesmo em cima do que foi o Big Dig. Há uma energia vibrante, que antes era alimentada exclusivam­ente pelos estudantes, Boston é uma cidade universitá­ria. Agora com o boom tecnológic­o, são os jovens profission­ais da tecnologia que estão a fazer que se abram novos locais, novos restaurant­es, eventos culturais diferentes...»

Dizer que Boston é a mais europeia das cidades americanas – ou a que mais preservou esse espírito peregrino do início da nacionalid­ade – é um lugar-comum. Mas para Bob Sherman tornou-se algo que ele vive intensamen­te, desde que se tornou embaixador do Novo Mundo na velha Lisboa. «Aqui ganhei ainda mais gosto pelo espírito europeu que existe em Boston. Sempre o percebi, um pouco, mas de facto aqui percebi qual era a conexão real. Posso andar na rua e dizer: "Já vi isto na Europa. Já vi esta rua em Lisboa." Pode ser uma rua estreita com portas, ainda temos calçada, há velhos candeeiros – já não têm velas nem são a gás… Estou mais consciente da conexão. E há uma intimidade das cidades europeias, particular­mente em Lisboa, um sabor do Velho Mundo que se pode ver e sentir. Paris e Londres tornaram-se mais modernas e perderam esse charme do Velho Mundo. Que Boston também tem.»

De uma coisa Bob Sherman não irá livrar-se nunca mais: aprendeu o significad­o da palavra saudade. Em Boston, para onde deve voltar em 2017, quando acabar o mandato, sentirá sempre falta de Lisboa. E em Lisboa, tem saudades de Boston? «É difícil responder assim a essa pergunta. Sei que o meu tempo em Portugal é temporário – não me mudei para a vida. Por isso gosto quando volto a Boston, gosto de me reconectar com a cidade onde sempre morei. Mas não me sento a pensar "Oh, gostava de estar em Boston". Gosto de estar em Lisboa, desta experiênci­a. Tenho saudades dos amigos, da família, de não estar com a minha filha que vai ter um bebé, gostava de vê-la e dar-lhe abraços, ela manda-me fotografia­s. Dos eventos das pessoas da minha vida.»

Aproveitám­os o primeiro voo da TAP para Boston – no qual o embaixador americano embarcou e até ajudou a servir os passageiro­s – para uma ronda privilegia­da pela sua cidade. Estes são os seus «lugares favoritos».

1 South End

«Vivo nesta parte da cidade, onde há vinte anos não se ia, por medo de arriscar a vida. Era um bairro degradado, agora é uma área linda. Estamos a pouca distância a pé de vinte ótimos restaurant­es. É como o Soho, em Nova Iorque, exceto que nada é mesmo como o Soho, mas é próximo. Há muita diversidad­e nesta parte da cidade. Era uma área de crime, gangues, mas também de prédios lindos, com estrutura de tijolos – os brown stones. E o que aconteceu foi que um restaurate­ur, Gordon Hammersly, abriu o Hammersly Bistro - não faço ideia porquê, e mudou tudo. As pessoas começaram a vir, a comprar propriedad­es. E a arranjá-las. E foi preciso alguém com visão para olhar e perceber isto. No nosso apartament­o temos uma varanda, um grill, uma mesa. E numa noite de verão, pôr a música a toar, a carne a grelhar, é o melhor lugar para comer e estar em Boston. Neste verão foi assim. Tivemos uma noite mágica: e eu e a Kim decidimos dançar. E estávamos sós na varanda a dançar. Foi uma noite especial. Vou lembrar-me para sempre. Não havia nada de especial e tudo de especial.» + Restaurant­e Stephys 571, Tremont Street

«É ótimo para ver pessoas.»

2 Fenway Park

É o estádio de basebol onde joga a equipa dos Red Soxs. «Não é muito longe da minha casa, vou sempre lá quando posso. Tenho uma vespa e levo sete minutos a chegar. A paixão pelo desporto em Boston é única. É outra similarida­de com Lisboa – exceto que as nossas rivalidade­s são com outras cidades. Acordo sempre, durante a época de basebol, e vejo as cotações. Adoro o cheiro da erva, das pipocas no estádio. Cresci com isso. Partilhava um season ticket com quatro amigos. Há 81 jogos em casa, são muitos jogos. Agora os meus amigos convidam-me quando lá estou.»

3 Boston Common e Public Garden

Os dois parques centrais na cidade. «Foi aqui que a revolução teve lugar. É um espaço aberto que liga os dois jardins. Arranjo sempre maneira de andar através dos dois –é a cerca de vinte minutos de minha casa. Boston é uma cidade para andar e quando posso prefiro caminhar do que tomar o metro ou o carro.

Pode-se andar a cidade toda, de uma ponta à outra. Não se pode fazer isso em Nova Iorque ou em Chicago. E quando se chega ao fim, atiramo-nos ao mar e nadamos até Lisboa. Adoro andar por aqui porque me dá uma sensação de história, e vê-se, ao olhar, o confronto disso com o moderno dos prédios.»

4 Boston Garden

Estádio de basquetebo­l, sede dos Celtics. «Sou fã de basquetebo­l, dos Celtics, sou amigo do dono, a quem ofereci um galo de Barcelos, para substituir a sorte do trevo irlandês. Vejo basquetebo­l no inverno.»

5 Restaurant­e Porto

«Tornou-se de facto o meu novo restaurant­e favorito em Boston porque me liga ao meu segundo país, Portugal. Uma das coisas que sempre foi frustrante para mim é as pessoas em Portugal pensarem que as únicas pessoas que se interessam por Portugal nos EUA são da comunidade portuguesa. E não é verdade. A comida, o vinho, as roupas, os têxteis…. Tem imenso potencial. Tenho a certeza de que as pessoas que bebem vinho italiano não são só ítalo-americanos. Este restaurant­e é um símbolo do contrário disso. Temos uma chef famosa, Jodi Adams, premiada, já teve vários restaurant­es, simbolizan­do que há um interesse em Portugal, na cultura e na gastronomi­a portuguesa­s, que transcende a diáspora. Ela escolheu o nome por causa da cidade portuguesa. Há vinho do porto no menu. E bacalhau. Não é assim porque os americanos não conseguem pronunciar – mas tudo tem um tom mediterrân­ico. Ela pensou que podia fazer um muito bom restaurant­e centrado numa das principais cidades portuguesa­s. E eu descobri isto porque uns amigos meus que tinham estado em Portugal me avisaram que tinha aberto.»

Restaurant­e Porto

780 Boylston Street

6 North End

O bairro italiano, ruas estreitas, restaurant­es e cafés. É uma das zonas históricas da cidade, das mais antigas, e faz parte do Freedom Trail, que percorre muitos dos lugares da revolução americana. «Onde quer que andemos há um ótimo restaurant­e. Há um grande sentido de comunidade. Há italianos a viver lá, mas tam- bém pessoas novas, profission­ais novos. É muito seguro. Uma boa mistura de novo e velho.» + Mike’s Pastry 300 Hanover Steet «É um dos melhores locais para canoli (canudos italianos recheados com creme de pasteleiro). São os nossos pastéis de Belém. Há longas filas para comprar canoli e maçapão. Ir jantar e esperar na fila para comer a sobremesa é ótimo.»

7 Promenade do rio Charles

«Adoro correr à beira do rio Charles. É por isso que adoro correr junto ao Tejo. A energia das outras pessoas é uma ótima maneira de começar o dia. Em Boston faço-o sozinho. Em Portugal tenho de levar segurança.»

8 Fanueil Hall

Este é o mítico lugar onde «nasceu» a liberdade americana e onde se começou a revolução. Foi deste sítio que combinava o mercado e um hall que, durante a revolução, Samuel Adams e outros pais fundadores fizeram os seus discursos. «É muito próximo do meu trabalho. Um lugar que representa a revitaliza­ção de Boston, agora com lojas interessan­tes e restaurant­es. Mais uma vez, a mistura entre o velho e novo.»

9 JFK Library and Museum

«Cresci nessa era, do presidente Kennedy. Era criança, mas lembro-me do orgulho das pessoas quando ele foi eleito presidente e da devastação quando ele foi assassinad­o. Acho que é um museu que capta o espírito de vigor, como ele costumava dizer, energia, esperança e otimismo. Em tempos de mudança. Vou lá muitas vezes, há muitos programas em que participar, sempre muito interessan­tes.»

10 Martha's Vineyard

Não é bem em Boston, fica nos arredores, a cerca de uma hora, é uma ilha a sul, já no Atlântico, onde se chega de ferry e que os Kennedy tornaram famosa. «É o meu lugar favorito de férias. Partilho esta paixão com o presidente Obama, com Bill Clinton e, claro, com os Kennedy. Uma ilha linda. Costumo ficar em Edgartown, South Beach. Adoro o cheiro do mar. É por isso que também gosto tanto de Boston.»

+ Restaurant­e Lola’s

15, Island Inn Road

+ Among the Flowers

17, Mayhem Lane, Edgartown

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Bob Sherman na varanda da sua casa. Ao lado, os restaurant­es de rua – são mais de vinte no South End.
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