MARY HENRIETTA KINGSLEY
ETNÓGRAFA, EXPLORADORA, ESCRITORA, COMERCIANTE (1862-1900)
As
« primeiras viagens fo
ram de sofá. Mary teve a sorte de nascer filha de um pai com grande apetite por livros e pelo mundo – e o azar de ter nascido mulher numa Inglaterra puritana e conservadora. Como única filha rapariga, tocou-lhe tomar conta dos pais. Quando a vida a soltou dos nós que a prendiam a casa, Mary partiu. Tinha 30 anos e não olhou mais para trás. Mary Henrietta Kingsley nasceu em 1862, com a escrita a correr-lhe no sangue. Os romancistas Charles e Henry Kingsley eram seus tios, e o seupai,emboramédico,também escrevia. Daí veio o impulso de partida: rumar a África, para estudar os povos nativosecompletarolivroque o pai deixou por terminar. Aos 30 anos, livre e por sua conta, partiu. Viajar sozinha não era propriamente um comportamento adequado a uma dama vitoriana. Muito menosparaexplorarointerior de um continente selvagem, por terras onde nenhum europeu se havia aventurado. Mary desembarcou em Freetown, Serra Leoa, em agosto de 1893. Na bagagem trazia gin, tabaco e anzóis, destinados a financiar a campanha pela troca por borracha e marfim. Daí seguiu para Angola, 15 meses de viagem durante os quais atravessou selvas e pântanos, conviveu com tribos, recolheu insetos e peixes para o British Museum. Sempre de traje vitoriano: blusa de gola alta, saia comprida, botas de cano. Em 1894 regressou a África. Para ir, uma vez mais, onde nenhum europeu, homem ou mulher, havia ido antes. Visitou o Congo Francês, subiu o rio Ogoué, aventurou-se pelo território da tribo canibal Fang. Nos regressos a casa, escreveu. Sobre as suas viagens – e os encontros imediatos com gorilas, jacarés e leopardos –, sobre o seu respeito pelos nativos e sobre o colonialismo. Não contra o colonialismo em si, mas contra a imposição de crenças, leis e modos estrangeiros. Os seus livros e as suas palestras contribuíram para mudar a perceção do público sobre os povos colonizados e dissipar a noção de inferioridade cultural. Tudo isto se passou em sete anos. Mary tinha 37 quando morreu, de febre tifóide. No mesmo continente onde descobriu o seu propósito na vida: estava na África do Sul, como voluntária num hospital de prisioneiros de guerra boeres. Em sete anos, Mary Kingsley viveu uma vida inteira.