QUIRGUISTÃO
Metemos na cabeça que queríamos percorrer três países que fizeram parte da antiga Rota da Seda e assim foi: bilhete de ida por um lado, bilhete de volta por outro. A nossa aventura começou em Bisqueque, capital do Quirguistão e terminou em Asgabate, capital do Turquemenistão. Pelo meio? Quase um mês de descoberta num desconhecido que em tempos pertenceu à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Ao Quirguistão há quem lhe chame "A Suíça da Ásia". Foi habitado durante muitos séculos por tribos iranianas e, posteriormente, por turcos da Ásia Menor. A invasão mongol devastou o território e retirou a independência ao povo, bem como a escrita e a língua. Em 1918, os soviéticos estabeleceram-se na região, tendo o país conquistado a sua independência 72 anos depois, com o colapso da União Soviética em 1991.
A nossa aventura começou em Bishkek, a capital, onde chegámos cedo. Como íamos nessa noite partir para outra localidade num autocarro nocturno, decidimos lutar contra o cansaço e palmeámos a capital, começando com o grande Osh Bazaar.
Pedro, um dos viajantes, não foi prudente e, enquanto animado tirava fotografias às especiarias e perdia o olhar pelas diferentes bancas do mercado, alguém se aproveitou da situação e chegou à sua bolsa, roubando seiscentos dólares que ali estavam guardados. Depois de nos apercebermos desta derrapagem, parámos para pensar o que fazer. Este é um país onde todo o cuidado é pouco no que às abordagens diz respeito. Seria eficaz falar com a polícia? Não sabemos, não o fizemos. Pedimos a um familiar que transferisse dinheiro e faríamos as contas depois.
Aqui um ocidental destaca-se, pela fisionomia, pelo modo de estar, pela postura. Tiravam-nos a pinta a léguas e a verdadeira abordagem acabaria por chegar já de noite, depois de um dia intenso na capital, Na estação de autocarros, fomos confrontados pela Polícia que nos pediu os passaportes. Depois de olharem por uns segundos, pediram-nos que os acompanhássemos até à estação policial "ali ao lado". Abriram-se umas portas de betão antigas e colocaram-nos em quatro celas separados. Gelei naquele preciso momento, nada disse e confiei no tempo. Fomos interrogados um a um, separadamente, com as mesmas perguntas, para verificar se tudo batia certo. Queriam saber o nosso trajeto, as nossas intenções e talvez, saciar uma curiosidade absurda e assustadora que nos pesou naquelas quatro morosas horas que pareceram uma vida.
Depois de esclarecidos, deixaram-nos sair a tempo de apanhar o autocarro noturno e até Karakol, ninguém falou com ninguém. Chegámos de madrugada e debaixo de chuva, procurámos quem nos recebesse àquela hora e conseguimos um hostel com traços soviéticos bem vincados, não só na arquitetura, como pelas senhoras da receção. Já instalados e descalços, conseguimos repor algum sono absolutamente necessário para o que se iria passar nos dias seguintes: um trekking que ligava Karakol ao lago Ala-Kul, desbravando as espantosas e inesperadas montanhas do Quirguistão.
No dia em que partimos para a caminhada, olhando ao longe as montanhas cobertas de neve (ainda mais presente dada a tempestade da noite anterior), reparámos que iríamos precisar de cuidados redobrados. Lanternas, luvas, gorros, comida, água e tudo o que fosse necessário estava na lista de compras no mercado local. Numa das bancas, um dos comerciantes avisou: "Cuidado na montanha". Aquilo que talvez tenha sido um mero conselho inocente e simpático para os viajantes, acabou por ecoar numa voz grossa, profunda e com reverberação na minha cabeça ao longo de vários horas. Iríamos atingir, a certa altura, os 5000 metros de altitude, e o nosso guia fez questão de vincar que 90% de todo o processo da caminhada era psicológico.
O esquema seria: partir num bom ritmo, ir fazendo pequenas paragens junto ao rio para refeições, chegar ao acampamento para descanso e aclimatização, passar a noite, e