Volta ao Mundo

UZBEQUISTíO

-

O Uzbequistã­o fez parte do Império Persa no séc. IV a.C e durante muitos séculos - motivo pelo qual ainda se consegue sentir e perceber a presença dessa civilizaçã­o na cultura local. O nome do país deve-se a Khan Usbek, um dos chefes do exército mongol, controlado e comandado por Gengis Khan, responsáve­l por inúmeros conflitos na Ásia Central e não só, no séc. XIV, conseguind­o criar aqui o seu império. Mais tarde os turcomanos recuperara­m o território e no séc. XIX, os russos conquistar­am estas terras na altura do "Grande Jogo", subjugando o povo. Foi um país que, na Segunda Guerra Mundial, recebeu milhares de refugiados e vítimas do Holocausto.

Aqui transborda a história de Alexandre, o Grande, Gengis Khan. Independen­te desde 1991, com a dissolução do regime soviético, o Uzbequistã­o é um país cheio de vida e foi uma grande e agradável surpresa. Já não tão agradável foi a amplitude térmica que sentimos. Não há muito tempo estávamos na montanha com cinco graus negativos e Tashkent já nos brindava com quarenta positivos.

O percurso no país não foi em linha reta mas esteve lá perto. Passámos uma noite na capital, cidade ampla e desenvolvi­da. Sempre que passávamos por um túnel, éramos revistados e sentimos que todos os olhos estavam postos em nós. Depois de termos estado em celas no Quirguistã­o, ficávamos sempre de pé atrás quando a autoridade nos abordava, mas não houve mais sustos.

De Tashkent fomos até Samarkand, a grande pérola do país. Uma das cidades mais importante­s da Rota da Seda, com mercados sempre lotados que lembram os tempos de então. Samarkand foi o coração do império de Timur e nunca perdeu a elegância. O imperador mongol era amado por uns e temido por outros, tratava com crueldade os povos por onde passava e conquistav­a mas, tratando-se de um homem culto que amava a filosofia, a arquitectu­ra, o Islão e as artes, poupava todos aqueles que se moviam comprometi­dos nessas áreas. Samarkand traz-nos tudo isso e transporta-nos para outros tempos. A cidade tem muita história para contar. Há quem diga que foi fundada em 700 a.C. e conquistad­a por Alexandre, o Grande quase 400 séculos depois. Passou pelos turcos, pelos persas e muitas outras mãos.

Passámos horas sentados na Praça Registan, calados, a ouvir o som da cidade e a viajar por dentro. Se a praça é bonita de dia, de noite fazia-nos questionar como poderíamos parar o tempo. Ali conhecemos a mesquita de Bibi-Khanim, o mausoléu Gur-Emir, a mesquita Khazrat Khzir e o Bazar Siob. Pedro, a quem tinham levado o dinheiro no primeiro dia da viagem, acabaria por voltar a sentir o azar na pele quando acordou em Samarkand com um grave desarranjo e uma enorme vontade de vomitar. Seria o primeiro, mas não o único. Arriscámos e fomos, num táxi partilhado sem ar condiciona­do, durante dez morosas horas, de Samarkand até Bukhara. Nuno - outro dos viajantes - aguentou nove horas e cinquenta minutos. Mesmo a chegar, tornou-se a segunda vítima.

Em Bukhara, o termómetro marcava cinquenta e dois graus. Foi sem dúvida a cidade mais quente que alguma vez pisei. Se estivéssem­os de pé sem nos mexermos, os chinelos acabariam por derreter devagar. Arranjámos um hostel e a prioridade

"VISITAR O UZBEQUISTíO É VIAJAR NO TEMPO E NO ESPAÇO. É LEMBRAR CAMINHOS DE OUTRAS VIDAS"

AS FAMOSAS E DETALHADAS MESQUISTAS DO UZBEQUISTíO, MOTIVO SUPLEMENTA­R DE INTERESSE NESTA VIAGEM.

era o ar condiciona­do, nem que tivéssemos que pagar o triplo. Conseguimo­s. Pedro e Nuno enfiaram-se na cama para recuperar forças; Bernardo e eu fomos conhecer a cidade.

Este foi o coração económico, cultural e religioso da Ásia Central. Preserva os mercados, as madrassas, as mesquitas e os minaretes. Percorrer as ruelas medievais foi sem dúvida revisitar um passado nesta que é uma cidade de alma persa. Nos séculos IX e X foi um dos principais pontos comerciais e de passagem das caravanas da Rota da Seda. A mesquita Kalon e a madrassa Mir-I-Arab, com o Sol a despedir-se são de uma imponência que corta a respiração. Mas nem tudo foram rosas: depois de umas horas bem passadas na cidade, o desarranjo acabou por nos apanhar ao mesmo tempo. Pedro e do Nuno estavam recuperado­s - era a nossa vez. Os donos do hostel tiveram conhecimen­to da situação e ofereceram-nos mais um dia e mais uma noite para descanso antes de arrancar para Khiva, última cidade do Uzbequistã­o antes de entrarmos num dos países mais fechados do mundo: o Turquemeni­stão.

Khiva é cidade pequena junto à fronteira, com uma enorme muralha cheia de vida por dentro, a sul do Mar de Aral. Reza a lenda que o pai de Khiva foi Noé. Sim, o mesmo da arca. Quando chegou àquela terra quente e seca, ajudou toda a população na descoberta de água. Ao encontrar um poço com água, terá exclamado: "khei-va", algo como "que saborosa", surgindo desse modo o nome para a cidade. A muralha foi construída no séc. VII por um importante Khan e no fim do século tornou-se uma cidade com vida própria por dentro. A nossa presença em Khiva foi suave. Percorremo­s a muralha por dentro, conhecemos algumas mesquitas, experiment­ámos a vida dos mercados e ainda demos uns toques numa bola com uns miúdos uzbeques assim que percebemos que um deles vestia o famoso 7 de Cristiano. Outra experiênci­a foi cortar o cabelo e a barba num barbeiro local. Saímos reconhecív­eis e ainda bem.

"PERDER-SE NAS CIDADES UZBÉQUES É UMA EXPERIÊNCI­A RICA EM HISTÓRIA E ARQUITETUR­A."

 ??  ?? Os vendedores ambulantes no Uzbequistã­o, uma bela forma de conhecer a gastronomi­a local. Neste caso, o pão.
Os vendedores ambulantes no Uzbequistã­o, uma bela forma de conhecer a gastronomi­a local. Neste caso, o pão.
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? O património milenar destes países da Rota da Seda acaba sempre por surpreende­r. O tipo de construção, o local escolhido e o peso histórico são avassalado­res.
O património milenar destes países da Rota da Seda acaba sempre por surpreende­r. O tipo de construção, o local escolhido e o peso histórico são avassalado­res.
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal