Culpa do Zé: o natimorto VW 1600, popular “Zé do Caixão”
Em meados dos anos sessenta a VW decidiu ampliar sua oferta de modelos no Brasil e deu início ao projeto B-135
Osucesso do Fusca no mercado brasileiro, consolidado na primeira metade da década de 1960, possibilitou à Volkswagen assumir a liderança nas vendas e se tornar o maior fabricante de veículos do País a partir de 1963, superando a Willysoverland, mesmo esta tendo uma gama bem maior e mais segmentada de modelos: dos populares, mas frágeis, Renault Dauphine e Gordini, ao modelo de luxo Aerowillys, além dos utilitários Jeep e Rural. Enquanto isso, a VW só contava com o popular besouro, a versátil Kombi e o belo mas caro Karmann-ghia para manter sua hegemonia.
Com o objetivo de ampliar a oferta e espaço num mercado que começava a dar sinais de crescimento acelerado, a matriz da VW em Wolfsburg decidiu desenvolver para a filial brasileira uma nova gama de modelos médios seguindo a receita básica da família Tipo 3, lançada na Alemanha no começo dos anos sessenta. A decisão foi tomada praticamente na mesma ocasião em que a VW assumiu o controle da Auto Union na Alemanha, marca que também atuava no mercado brasileiro em associação com a empresa nacional Vemag S.A. – Veículos e Máquinas Agrícolas e que fabricava aqui sob licença a linha DKW.
Apesar de uma coisa nada ter a ver com a outra, esta decisão, entretanto, pode ter influenciado diretamente o desenvolvimento do futuro VW 1600 nacional. Como nova dona da marca DKW, a VW não tinha nenhum interesse em permitir que ela continuasse sendo concorrente também aqui no Brasil, assim como fez na Alemanha. A decisão colocou o grupo Novo Mundo, que controlava a Vemag, em uma difícil situação: ou procurava um outro fabricante internacional para obter transferência de tecnologia ou capitulava ao desejo de sua nova sócia, que pretendia assumir o controle total da fábrica brasileira do DKW.
PROJETO ANTIQUADO
Enquanto ainda era discutido o acordo financeiro pelo qual a VW assumiu definitivamente a Vemag, ocorrido em meados de 1966, a engenharia da VW em
Wolfsburg iniciou os estudos para o desenvolvimento do novo modelo para o mercado brasileiro. Mas, em vez de se basear diretamente nas linhas do Tipo 3 alemão, foi buscar no “fundo do baú” o projeto EA97, desenvolvido no fim da década de 1950 e que, segundo consta, foi a primeira sugestão de estilo para o modelo médio alemão, posteriormente arquivada. Entretanto, na visão dos executivos alemães aquele projeto já antiquado estava de bom tamanho para o mercado brasileiro.
No projeto original o sedã EA97, de três volumes, só tinha duas portas seguindo uma “filosofia” difundida por muito tempo pela VW. Proposta que foi mantida no Tipo 3 alemão. Porém, no novo modelo brasileiro, denominado internamente como Projeto B-135, a engenharia de
Wolfsburg decidiu colocar mais duas portas. Não se sabe se isto foi uma forma de tentar cativar os fiéis clientes brasileiros do DKW, que continuou em produção aqui até outubro de 1967, ou se também foi uma estratégia para que a nova versão não se tornasse um concorrente direto do Fusca, num mercado que ainda sofria a falta de oferta segmentada.
Especulações à parte, as quatro portas ficaram subdimensionadas dificultando o acesso, tanto atrás como na frente. De resto foi mantido o projeto original desenvolvido nos anos cinquenta, com linhas retas e indefinidas e, para piorar, os faróis circulares da versão original foram substituídos por dois conjuntos retangulares, de tamanho desproporcional, os mesmos que eram utilizados na época na linha de caminhões Mercedesbenz de “cara chata”. Esta era uma maneira bastante comum na época para reduzir custos de produção na busca de ganho de escala.
APELIDO CURIOSO
Lançado no final de 1968, durante o VI Salão do Automóvel de São Paulo, o novo modelo denominado VW 1600 chamou a atenção, mas também foi ofuscado por outras duas novidades importantes: o Corcel lançado pela Ford, que havia assumido o controle da Willys, e o Chevrolet Opala, o primeiro automóvel brasileiro da então poderosa General Motors. Não havia comparação: com linhas bem mais atualizadas e cativantes, o Opala e o Corcel fizeram mais sucesso do que o “Fusca” quadradinho de quatro portas.
Além disso, pouco tempo depois, quando o modelo chegou às ruas, os irreverentes cariocas deram ao novo VW um curioso apelido, que fazia uma analogia com o sucesso na época do ator e diretor de filmes de terror José Mojica Marins, que se autodenominava “Zé do Caixão”, para definir as típicas características
O primeiro VW brasileiro de quatro portas sobreviveu apenas dois anos no mercado, período em que vendeu aproximadamente 25 mil unidades. Sem valor no mercado de usados, encontrou refúgio nas mãos de taxistas
de estilo do modelo que mais se parecia a um esquife sobre rodas com quatro alças (as maçanetas das portas). Mas, curiosamente, foi no Rio de Janeiro que o modelo fez mais sucesso ao ser “adotado” pelos motoristas de táxi, que com ele podiam ter um modelo de quatro portas a preço acessível e que também tinha as reconhecidas qualidades de economia e confiabilidade do Fusca.
Mesmo assim, o “Zé do Caixão” da VW teve vida curta no mercado, apenas dois anos e meio, sendo que sua produção foi desativada no começo de 1971 e ele foi sucedido pela nova versão TL, um hatchback inicialmente só com duas portas. Em dois anos foram produzidas cerca de 25 mil unidades do primeiro VW brasileiro com quatro portas. E este provavelmente tenha sido o principal “defeito” detectado pelos consumidores no modelo, mais ainda do que o estilo de gosto duvidoso. Isto porque, durante muito tempo a própria VW brasileira foi crítica dos carros de quatro portas, uma forma de detratar os modelos Renault Dauphine e Gordini, que faziam concorrência ao Fusca na fase inicial da indústria nacional de automóveis. O feitiço virou contra o feiticeiro. ❖